quarta-feira, 7 de maio de 2008

Alimentação: ONU sob fogo cruzado

Por Thalif Deen, da IPS
A Organização das Nações Unidas decidiu sair em defesa da FAO, sua agência especializada em alimentação e agricultura, sob ataque de líderes mundiais por sua suposta incapacidade de aliviar a atual crise alimentar mundial, enquanto a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura prepara uma cúpula para o próximo mês, o secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, saiu pessoalmente em defesa dessa instituição. O ataque mais duro coube ao presidente do Senegal, Abdoulaye Wade, que na semana passada descreveu a FAO como “barril de dinheiro sem fundo”, a maioria das despesas – disse – “é com gastos para seu próprio funcionamento, sem operações efetivas no terreno”. Aos jornalistas, Ban afirmou na segunda-feira: “Diante da gravidade e seriedade da situação, posso compreender e compartilhar a frustração de muitos líderes africanos, incluindo o presidente Wade, do Senegal. Mas, quero destacar que, desde sua fundação em 1945, a FAO conduziu os esforços da comunidade internacional para promover a produção e a produtividade (de alimentos) para levar a assistência humanitária necessária a muitos povos afetados pela escassez de comida”, acrescentou. Wade disse que a FAO, dirigida por seu compatriota Jacques Diouf, deveria fundir-se com outra agência da ONU, também com sede em Roma, o Fundo Internacional para o Desenvolvimento Agrícola (Fida). Existe hoje certa superposição de funções entre as duas organizações. Wade considerou que, formada uma nova, sua sede deveria ser na África, não em uma capital do ocidente. O presidente senegalês também criticou agências e organizações não-governamentais de caráter humanitário que “usam dinheiro em todo tipo de gastos – com administração, viagens e hotéis de luxo para autodenominados especialistas – e não em ações no terreno”. A crise é atribuída a vários fatores, incluindo falhas em organizações internacionais com a FAO e outras agência das Nações Unidas que não previram a gravidade do desastre. Parte das culpas é lançada sobre o Banco Mundial, que reduziu seus fundos destinados a pesquisa agrícola nos últimos anos. “O Banco Mundial e, francamente, os próprios governos, investiram menos em agricultura”, disse seu presidente, Robert Zoellick. “Temos um enfoque baseado nos países, segundo o qual as nações são nossos clientes e decidem onde concentrar-se. Investimos mais em luta contra a Aids e a malária e em outros projetos, enquanto houve um claro desinvestimento em agricultura”, admitiu na semana passada, em Berna. “Não creio que seja útil apontar este ou aquele responsável. A questão-chave é, reconhecida a necessidade, com iremos atendê-la”, destacou Zoellick. A Primeira Conferência Mundial sobre Alimentação, convocada pela FAO em 1974, proclamou que “todo homem, mulher e criança tem o direito inalienável de estar livre da fome e da desnutrição para desenvolver suas faculdades físicas e mentais”. Entre as metas estabelecidas pela conferência figuravam erradicar a fome, alcançar a segurança alimentar e reduzir a desnutrição “em uma década”. Porém, esses objetivos nunca foram atingidos. Em novembro de 1995, a FAO abrigou outra Cúpula Mundial sobre a Alimentação, que aprovou a Declaração de Roma sobre Segurança Alimentar Mundial e um plano de ação para acabar ou minimizar com a fome. A atual crise precipitou a convocação da terceira cúpula, também em Roma, entre 3 e 5 de junho. Prevê-se que chefes de Estado e de governo acordem nessa oportunidade outro plano contra a fome. Depois de quase 34 anos da primeira cúpula da FAO e de dezenas de resoluções e informes da ONU a respeito, o mundo em desenvolvimento enfrenta nova escassez mundial de alimentos e um inédito encarecimento destes produtos. O preço de uma tonelada de arroz, principal insumo alimentar de boa parte da Ásia, aumentou de US$ 460 em março para atuais U$ 950. Diouf advertia em outubro de 2006 que “as promessas não são substitutas da comida”. Hoje, vivem no mundo em desenvolvimento mais desnutridos do que em 1996, quando os líderes do mundo acordaram reduzir esse flagelo, recordou Diouf. A cifra aumenta quatro milhões anuais e agora são 820 milhões anuais. O Banco Mundial calculou que cerca de cem milhões de pessoas caíram na pobreza devido ao atual ciclo de aumento de preços. Ban identificou na semana passada em Berna, na presença de 26 chefes de agências da ONU, várias causas para a atual crise alimentar: encarecimento da energia, falta de investimentos agrícolas, crescente demanda, subsídios e problemas meteorológicos.
(Envolverde/IPS)

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