domingo, 24 de agosto de 2008

"Prédios verdes precisam de incentivos e de consciência"

Fátima Cardoso, para o Instituto Ethos

O Conselho Americano de Construção Sustentável (ou USGBC, na sigla em inglês) desenvolveu vários critérios para verificar se as construções são ou não sustentáveis. Desde o ano 2000, esses critérios se materializaram na LEED - abreviação em inglês de liderança em energia e projeto ambiental -, uma certificação independente que comprova se um prédio é verde. Isso significa, entre outros atributos, que aquele prédio gasta menos água e energia, produz menos lixo, emite menos poluentes ou gases de efeito estufa e é um ambiente mais saudável para seus ocupantes. A certificação LEED pode ser empregada em vários tipos de construção, como prédios novos ou antigos, escolas, lojas comerciais e casas, e seus critérios estão sendo adaptados para os prédios brasileiros por uma comissão do Green Building Council Brasil. Até hoje, apenas duas construções brasileiras receberam a certificação LEED. Uma delas é uma agência do Banco Real em Cotia, na Grande São Paulo, e a outra é uma filial do laboratório Delboni Auriemo inaugurada há poucos meses no bairro de Santana, em São Paulo. Tom Hicks, vice-presidente do LEED para o Desenvolvimento da Vizinhança e responsável pelo sistema de avaliação da LEED em todo o mundo, esteve no Brasil para falar da versão 2009 da certificação. Nesta entrevista, ele analisa os principais obstáculos para que os prédios verdes se tornem cada vez mais comuns e cobra com veemência uma atuação mais forte das empresas na direção da sustentabilidade.

Instituto Ethos: Construções verdes não são muito mais caras do que as tradicionais. No Brasil, calcula-se que o custo desse tipo de construção seja até 15% maior. Mas, no longo prazo, é mais barato manter esses prédios, e eles têm menor impacto no meio ambiente. Por que todos os novos prédios não são verdes?

Tom Hicks: É uma boa pergunta. E, só para colocar em uma perspectiva diferente, nos Estados Unidos os prédios verdes são zero por cento mais caros. Mas, de volta à questão: por que não há mais prédios verdes? Acho que isso em parte tem a ver com consciência. E em parte é porque as indústrias de projetos e de construção são muito conservadoras e estão acostumadas a fazer as coisas de uma determinada maneira. Os prédios verdes desafiam a maneira como você projeta e constrói edifícios. Para projetar o melhor prédio, é necessário um processo integrado. E não é só a integração entre os arquitetos e os engenheiros, ela envolve o dono do prédio, que vai ocupá-lo depois de pronto, desde o começo. Ele deve dar sua opinião desde o início do processo, de forma que o prédio que é entregue atenda ao que foi pedido. Isso parece simples, é claro que um prédio deveria funcionar como foi planejado, mas o que se vê é que um prédio tradicional, seis meses ou um ano depois da ocupação, não funciona da maneira planejada. Há um nome para esse período - o shakeout period (fase de ajustes), no qual você aprende como gerenciar o prédio. Então, acho que parte dessa resposta é quebrar algumas das antigas barreiras sobre como você projeta os prédios. E, num grau mais amplo, acho que é uma questão de consciência. Mas, isso está se tornando um problema cada vez menor, as pessoas estão cada vez mais habituadas às vantagens dos prédios verdes. E há aqueles que, honestamente, não vão mudar até que vejam a certeza absoluta. São as mesmas pessoas que questionam as mudanças climáticas. São os que dizem "bem, não vou fazer isso porque não tenho certeza dos resultados, quero ver mais dados". Se você é essa pessoa, será o último a construir prédios verdes. E você não vai usufruir dos benefícios que poderia se estivesse em um prédio verde.

IE: Como superar esses obstáculos?

TH: Há um grande papel a ser feito pelos governos que é o de liderar pelo exemplo. Eles poderiam estar construindo seus próprios prédios verdes. Mas, também, poderiam começar a estabelecer padrões para o mercado. Há vários padrões muito eficientes que podem ser estabelecidos, seja no nível estadual ou no de governos locais. Eles podem fazer coisas fáceis, como isenção de impostos, algo que fazemos nos Estados Unidos o tempo todo. Esse é um caminho. Outro caminho que eu acho interessante para certos setores é o que se chama de "permissões expressas". Todo construtor precisa de uma permissão para construir um prédio, e todas elas vão para uma fila. Mas, se você se comprometer a adotar os critérios da LEED, você vai para o começo da fila, e assim ganha muitos meses. Se você está no ramo do varejo, ou se está construindo hotéis, é uma enorme vantagem estar pronto para começar a trabalhar seis meses antes do que estaria se tivesse construído de outra forma. Outra área que estamos começando a ver em algumas partes do mundo é o que se chama de densidade de construção. Se um projeto se compromete com os critérios LEED, recebe permissão para construir em uma área maior do que poderia. O raciocínio é que esse prédio tem um impacto ambiental menor do que um prédio tradicional. Essas são as áreas em que se pode atuar para superar os obstáculos. E acho que vamos criar cada vez mais consciência sobre o que fazemos.

IE: Ainda estamos longe de ver mais avanços nessa área?

TH: Atualmente, estamos chegando perto do tipping point (ponto de mudança), em que as pessoas vão olhar em volta e perceber que são os últimos que ainda estão fazendo construções tradicionais, enquanto todos os outros estão construindo prédios verdes. Já estamos vendo essas forças competitivas atuando. Uma empresa não quer ser a última a fazer algo, e as outras já estão vendo os prédios verdes como uma vantagem competitiva. Há dados surgindo nos Estados Unidos mostrando que os prédios valem muito mais se forem uma construção verde. Em alguns mercados, no aluguel de uma propriedade, há um prêmio associado ao fato de ser um prédio verde, e os verdes têm uma taxa de ocupação maior do que prédios tradicionais.

IE: Qual a responsabilidade das empresas para impulsionar o mercado das construções verdes, seja ao construir lojas ou alugar escritórios? Até que ponto as empresas podem contribuir com essa mudança?

TH: Tenho uma visão muito específica em relação a isso. Uma visão muito tendenciosa. Para mim, isso é parte da responsabilidade fiduciária das empresas, para usar um termo da linguagem delas. É parte da responsabilidade fiduciária das empresas fazer todas suas operações de maneira tão sustentável quanto possível. No fim das contas, se você não for tão sustentável quanto pode ser, nem tão eficiente quanto você pode ser, isso significa que seus competidores são. Acho que meio ambiente é uma área em que externalizamos os custos por um tempo longo demais. Agora, precisamos realmente internalizar esses custos. Nos Estados Unidos, há empresas que, no passado, jogavam esgoto em rios - e fizeram isso sem punição por anos e anos. Só que isso tem um custo, e nos Estados Unidos as pessoas que pagam impostos são as que estão pagando por esses custos. Felizmente, criamos leis para recolocar esses custos nas empresas. Mas, é um processo difícil. Toda empresa deveria estar procurando maneiras de evitar a externalização de seus custos ambientais. Para mim, é parte da sua responsabilidade fiduciária que elas sejam sustentáveis.

IE: O que a certificação LEED garante em relação a um prédio?

TH: Garante que aquele prédio passou por uma certificação independente e demonstra que atendeu a padrões de construção verde. Isso é importante, porque no passado, antes da existência da LEED ou de outras certificações, qualquer um podia dizer que era verde. Colocavam painéis solares, por exemplo, e diziam que eram verdes. Bem, uma construção verde é muito mais do que isso. Pode incluir esses elementos, mas a definição do USGBC para prédios verdes não é relacionada apenas a alguns elementos ou ao desempenho do prédio, mas também leva em consideração os processos de construção. Acho que essa não é uma resposta sobre o que a certificação LEED é, essa é mais uma questão sobre o que não é: não é greenwashing (maquiagem verde). Alguém diz "eu fiz isto" e a certificação mostra que essa organização atendeu a esses padrões. Há alguns que dizem: "vou fazer essa lista de coisas exigidas pela LEED, mas não vou submeter o prédio à certificação". Bem, minha resposta a isso é que você sempre tira notas melhores na prova quando você mesmo a corrige. Parte do DNA do LEED é ser uma certificação independente. A LEED diz: "nós verificamos, e você realmente fez isso".
(Envolverde/Instituto Ethos)

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