domingo, 20 de abril de 2008

Expressões preconceituosas alertam para o racismo na infância

“Quando tinha uns seis anos de idade ouvi de vários colegas que eu tinha nascido na torradeira. Lembro de ter perguntado a minha mãe várias vezes de onde eu vim por ser diferente deles”, conta a universitária M., hoje com cerca de 20 anos, que estudou em uma escola particular de São Paulo (SP), na qual os colegas eram predominantemente brancos. “Parece brincadeira, mas tenho medo de me expor a situações onde comentários desse tipo possam surgir”, complementa. A situação vivida pela jovem negra, que preferiu não se identificar, não é exceção. Segundo os dados da tese de doutorado da socióloga Rita Fazzi, professora da Pontifica Universidade Católica de Minas Gerais, em discussões nas salas de aula, as crianças são capazes de reverberar extenso repertório racista, com xingamentos que vão de “tição” a “leite azedo” e poucas passam ilesas pelo período. No contexto internacional, segundo a Anti-Defamation League (em português, Liga Antidifamação) dos Estados Unidos, até os seis anos de idade cerca de 50% das crianças já apresentaram atitudes preconceituosas. Segundo os textos da organização, as práticas discriminatórias que começam cedo muitas vezes vêm disfarçadas de supostas brincadeiras, travestidas de uma certa inocência. Para a psicóloga da Equipe de Diagnóstico e Atendimento Clínico (Edac), Mariana Ticahuer, o valor do ato de apontar as diferenças está relacionado à idade da criança. “Quando uma criança é muito pequena e acontece algum episódio em que ela aponta uma diferença, como, por exemplo, ao entrar em um elevador, ela comenta com a mãe que a vizinha ali presente é gorda, ela dificilmente sabe que está agredindo ou magoando tal pessoa. Porém, as crianças mais velhas, que apontam as diferenças de forma pejorativa, por certo, têm consciência do mal que estão fazendo, mesmo sem saber precisar a intensidade das suas ações”, explica. De acordo com estudos internacionais, as crianças começam a perceber as diferenças raciais dos três aos cinco anos de idade e, ao passar do tempo, passam a julgá-las moralmente. Para a psicóloga Mariana, a educação e os valores que são passados em casa influenciam no modo com a criança se relaciona com o ambiente e com as pessoas que estão a sua volta. “Por isso o educador e a escola devem trabalhar com as diferenças mesmo antes que a discriminação aconteça. Explicar o porquê das diferenças e como é importante o contato com elas pode prevenir situações como a de M.”, explica. “Contudo, se a discriminação ocorre, é importante que haja o diálogo com a criança e muita orientação, além de uma importante conversa com os pais”, complementa. Mídia Com a perspectiva de informar, sem orientar para determinada linha ideológica ou educacional, o Canal Kids, site especializado em atividades para crianças, busca publicar matérias alertando para o racismo na escola. “Nossa preocupação não é guiá-los e sim oferecer ferramentas para que as crianças possam observar por si próprios suas ações”, explica o diretor executivo do veículo, Felipe Dianese. Porém, para ele, a infância é uma faixa etária muito heterogênea. “Hoje, vejo muito maior que o preconceito racial, o preconceito social entre as crianças. Não há muita distinção no ser e sim no ter. Mas, é claro que todos como sociedade devemos nos preocupar se a criança exibe um comentário de cunho discriminatório para assim com ela dialogar”, complementa. Em discurso especial proclamado em 2006, o ex-secretário-geral da Organização das Nações Unidas (NOU) Kofi Annan indicou que o combate ao preconceito começa cedo, antes mesmo que ele surja. “Nenhum de nós nasceu para odiar. A intolerância aprende-se e, portanto, é possível desaprendê-la. As garantias jurídicas são uma parte fundamental desta luta, mas a educação deve estar em primeiro plano. A educação pode favorecer a tomada de consciência e cultivar a tolerância. Deve começar em casa - onde, afinal de contas, têm origem muitas das atitudes racistas -, continuar na escola e ser integrada no nosso discurso público. Nesta luta contra a intolerância, os cidadãos devem ser simultaneamente professores e alunos”, concluiu.
Por Julia Dietrich, do Aprendiz
(Envolverde/Aprendiz)

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