terça-feira, 18 de novembro de 2008

Os pobres também vão pagar pela crise

Gustavo Capdevila, da IPS

Os países em desenvolvimento não estão a salvo dos efeitos da crise financeira nascida nos Estados Unidos, com originalmente foi insinuado, mas, até agora, o impacto não foi tão dramático, segundo Michael Herrmann, economista da Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (Unctad).
Em entrevista a IPS, Herrmann afirmou que os mais expostos são os Estados mais pobres do mundo, em razão da queda dos preços dos produtos básicos, tendência que já é notada, pois muitos deles são exportadores desses bens, alertou o especialista.

IPS- Como repercute nos países do Sul a crise do sistema financeiro norte-americano que já afeta boa parte do mundo rico?

Michel Herrmann- Nas nações em desenvolvimento esta crise arroja resultados diretos que se transmitem através dos mercados de capitais e do comportamento assumido pelas instituições financeiras uma vez surgido o problema. Mas, também há efeitos indiretos, como as conseqüências da depressão econômica global, entre elas a redução dos preços dos produtos básicos, e também as possíveis derivações na assistência ao desenvolvimento.

Sobre este ponto da Assistência Oficial ao Desenvolvimento (AOD), cabe esclarecer que nenhuma lógica nos diz que essas contribuições dos países industrializados devem diminuir em resposta a uma crise econômica, embora, naturalmente, existam razões políticas para que isso ocorra.

IPS- quais são os aspectos destacáveis dessas conseqüências diretas?

MH- Por exemplo, vemos a queda das bolsas de valores ns países em desenvolvimento e o aumento nesses mercados emergentes dos spread (custo de operações financeiras), as diferenças de rendimentos dos ativos. Também vemos que as instituições financeiras se mostram menos inclinadas a emprestar a outras entidades similares e as empresas menos dispostas a realizar investimentos.

IPS- No começo da crise se disse que os países em desenvolvimento sairiam menos prejudicados devido aos seus menores vínculos com os mercados principais.

MH- Vemos que a idéia de um desacoplamento desses países com o resto do mundo não é correta. Mas, até agora os efeitos nas nações em desenvolvimento não são tão dramáticos quanto poderíamos ter pensado há algum tempo.

IPS- A que atribui essa aparente situação cômoda?

MH- Essa relativa resistência saudável do Sul provém basicamente do fato de alguns desses Estados disporem de elevados excedentes de conta corrente. Além disso, a propósito apresentam taxas de câmbio ligeiramente desvalorizadas, têm uma competitividade exportadora muito sólida e recursos suficientes para se autofinanciarem. Não dependem muito dos recursos financeiros externos. Portanto, são bastante resistentes às comoções. No entanto, há outros no mundo em desenvolvimento que provavelmente serão prejudicados, porque têm alto déficit de conta corrente, taxas de câmbio supervalorizadas e baixa competitividade exportadora.

IPS- O que representa a crise para os países menos avançados (PMA)?

MH- Numerosos países desse grupo serão afetados. Na realidade, os PMA não estão solidamente integrados aos mercados financeiros internacionais, mas também pagarão as conseqüências da mudança de comportamento dos bancos que hospedam. Por exemplo, na África central e ocidental operam muitos bancos franceses, e creio que na África meridional atual bancos ingleses. Agora, esses entidades estão sob tensão em seus países de origem e por isso podem se mostrar menos dispostas a manter suas operações nos PMA.

IPS- Os PMA continuarão crescendo?

MH- Os efeitos indiretos da crise repercutem com maior pressão sobre os PMA. É o caso da contração econômica mundial. O Fundo Monetário internacional revisou seu prognóstico de 2009 para a economia mundial. Em abril projetava crescimento de 3,8% e em seu último informe de outubro previa apenas 3%. Isto significa que o produto retrocede no mundo em desenvolvimento, mas ocorrerá o mesmo nos países industrializados e nas economias em transição.

IPS_ Já são notados sinais desse comportamento?

MH- Sim, esta tendência já mostra efeitos negativos, por exemplo, nos investimentos. A menor demanda trará menos investimentos. O mesmo já se nota nas exportações. Também se vê as conseqüências negativas no dinheiro que os emigrantes enviam aos seus países de origem. Na medida em que perdem seus empregos nos países industrializados, as remessas são menores ou mais espaçadas, e, inclusive, muitos voltam para casa.

IPS- O que acontece com os preços dos produtos básicos?

MH- Naturalmente, com a contração da economia mundial, vimos uma queda dos preços das matérias-primas, com ocorre com o petróleo e outros produtos que seguem a mesma tendência. São numerosos os efeitos associados com a depressão da economia e afetam todos os países e todos os setores, embora com intensidade que irá variar segundo países e setores econômicos.

Por exemplo, a recessão nos Estados Unidos, com redução da demanda interna e depreciação do dólar, determina uma queda das importações nesse país, o que afetará diferentes nações muito dependentes de suas vendas ao mercado norte-americano, como China e México. Esta nações e outras serão afetadas principalmente em termos absolutos.

IPS- Os PMA também serão alcançados?

MH- Sim, não se deve esquecer que numerosos PMAs exportam porcentagens significativas de sua produção para os Estados Unidos, e, especialmente, para a União Européia. Uma queda na demanda nessas duas potências afetará os PMAs. Por outro lado, estes países pobres provavelmente sairão prejudicados pela redução dos preços dos produtos básicos, pois muitos deles são exportadores desses bens.

IPS- Haverá outros inconvenientes para os PMAs?

MH- Não, porque a contração da economia mundial, os custos associados com o programa de resgate aos bancos e também os relacionados com as políticas anticíclicas estimularão os principais doadores a reduzir os fundos para assistência ao desenvolvimento. Essa possível queda da ajuda afetará principalmente os países mais pobres, que são os PMAs. São os que mais dependem da Assitencia Oficial ao Desenvolvimento.

IPS: Resumindo…

MH- Em conjunto, se comprova que não ocorre o desacoplamento diante da crise entre países em desenvolvimento e industrializados, com alguns supunham. Todos serão afetados, mas, devemos estar conscientes de que os efeitos variarão no tempo e na intensidade. As nações integradas aos mercados financeiros mundiais serão as afetadas diretamente.

Mas, tudo dependerá da posição econômica em que se encontrem. Por exemplo, se apresentam superávit ou déficit em conta corrente, se suas taxas de câmbio estão super ou subvalorizadas. Quanto aos demais países, menos integrados aos mercados financeiros globais, incluídos os PMAs, em sua maioria os efeitos serão indireto, mas, nem por isso menos duros.

IPS- Assim, o panorama é sombrio?

MH- Naturalmente, devemos estar conscientes de que os efeitos da crise podem ser muito mais graves. Mas, uma piora dependerá também das respostas macroeconômicas dos países industrializados e das nações em desenvolvimento. Por exemplo, com políticas econômicas anticíclicas pode ser possível uma redução dos efeitos da contração econômica.

IPS- O que recomenda em especial para as nações em desenvolvimento?

MH- As políticas que podem ser aplicadas por esses países dependerão de cada um deles. Creio que não há recomendações gerais. De todo modo, penso que devem evitar, se puderem, as políticas monetárias rígidas, bem como as políticas fiscais.

Naturalmente não estou dizendo que se enfrentarem taxas de inflação muito altas, impossíveis de serem manejadas, deverão afrouxar suas políticas monetárias e fiscais. Embora esteja claro que agora a ameaça de inflação é menor. E, por fim, para estimular suas economias deveriam considerar a possibilidade de realizar investimentos públicos, em especial na infra-estrutura.

(Envolverde/IPS)

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