sexta-feira, 9 de janeiro de 2009

O paradigma ergológico: o trabalho em constante reconstrução

A Unisinos recebeu na última semana o professor francês Yves Schwartz, diretor-científico do Departamento de Ergologia da Universidade de Provença, na França. A IHU On-Line aproveitou a sua presença e conversou com Yves sobre o seu trabalho e as pesquisas desenvolvidas em torno da questão da ergologia. Mais do que compreender as questões do mundo do trabalho, ele nos conta que a ergologia compreende a “atividade remunerada numa sociedade de direito e mercantil”. O professor falou também sobre os principais elementos em torno dos estudos da ergologia hoje, os desafios para tentar pesquisar o trabalhador e suas atividades e, ainda, sobre o valor do trabalho. “Claro que o trabalho tem valor, principalmente no mundo mercantil, porque a questão do valor é mercantil”, disse Yves. A entrevista foi realizada pessoalmente.

Yves Schwartz é ex-aluno da École Normale Supérieure. Hoje é professor da Filosofia na Universidade de Provence, membro do Instituto Universitário da França. Publicou inúmeros livros, entre eles Travail et philosophie: convocations mutuelles (Toulouse: Octarès Éditions, 1994), Expérience et connaissance du travail (Méssidor: Eds. Sociales, 1988) e Le paradigme ergologique ou un métier de Philosophe (Toulouse: Octares, 2000).

Confira a entrevista.

IHU On-Line - O senhor trata das questões que envolvem o trabalhador no seu ambiente de trabalho. Quais os elementos principais da ergologia hoje e suas perspectivas?

Yves Schwartz - Há mais de 25 anos estudo a ergologia. No início, propúnhamos efetivamente a questão do trabalho dentro do ambiente do trabalho. Uma pessoa que nos inspirou muito foi um médico, professor de Medicina na Itália, que se preocupava com a saúde do trabalhador no meio do trabalho. Mas, pouco a pouco, através do estudo sobre o trabalho e dos encontros com várias categorias de trabalhadores, ampliamos o interesse neste campo e descobrimos questões de grande amplitude. Por isso, há pouco mais de dez anos, falamos de uma abordagem ergológica. Com isso, também falamos da questão da atividade humana.

Ergologia quer dizer estudo da atividade humana. Assim, as questões do trabalho e das empresas do mundo econômico estão presentes nos estudos da ergologia. Esta pesquisa nos obrigou a ver de forma mais ampla a questão do mundo do trabalho, pois nos faz refletir também sobre o mundo econômico, sobre o formato das empresas públicas, sobre a economia solidária etc. Essas questões são sempre muito importantes para a ergologia se pensadas epistemologicamente, filosoficamente, culturalmente e eticamente, porque, desta forma, nossos estudos ultrapassam a definição do trabalho como uma atividade remunerada numa sociedade de direito e mercantil. A abordagem ergológica é mais do que só pensar o trabalho.

IHU On-Line - Ao pensar o trabalhador dentro do seu ambiente de trabalho, quais os principais desafios teórico-metodologicos para pesquisar esse sujeito?

Yves Schwartz - O principal desafio é o desconforto intelectual. A situação do trabalho ficou cada vez mais complicada nos contextos que a cultura habitual apresenta. Quando começamos a pesquisar a ergologia, estávamos no período final da predominância do sistema teorizado que nos conduzia a acreditar que o trabalho era uma coisa mecânica, sem debate dentro da empresa e com debate de valores fora da fábrica. Enfim, descobrimos com a ajuda de colegas, através de encontros que organizamos com trabalhadores, que o trabalho sobre o trabalho era muito mais complicado do que pensávamos e que cada trabalhador, individual e coletivamente, retrabalhava, repensava e renormatizava mais ou menos o seu fazer que era prescrito e exigido pela hierarquia e organograma. Por isso, ultrapassamos um pouco a questão do trabalho e a partir disso podemos afirmar que toda a atividade humana, todo tipo de trabalho no mundo sempre comporta uma parte de retrabalhamento. Esse é um desafio grande, pois, para entender o que acontece no chão da fábrica, por exemplo, nunca podemos antecipar o que acontece, porque sempre localmente, aqui e agora, a gente vai, individualmente e localmente, reconstruir o mundo do trabalho. Então, como fazemos para conhecer o mundo do trabalho é um desafio grande que não exatamente vai ser explicado totalmente pelas ciências humanas. O desafio sempre será o de construir dispositivos e maneiras de abordar o trabalho humano com essa hipótese.

IHU On-Line - A partir das suas pesquisas, qual é o valor real do trabalho?

Yves Schwartz - O trabalho, no conceito fluido, não é bem determinado. Eu falava do conceito de trabalho regular, com contrato de trabalho, mas aqui no Brasil este não é o caso da maioria dos trabalhadores. Se você conceber o trabalho em todo o planeta, verá que o trabalho formal é quase minoritário. Por isso, o que é o trabalho? Seria injusto dizer que trabalho é só aquele formal, não há diferença absoluta entre o trabalho dito formal e o trabalho informal. Será que podemos incluir o trabalho dos nossos ancestrais? Trabalho é um conceito que não é claro e aqui não podemos dar uma resposta simples a esta questão.

Claro que o trabalho tem valor, principalmente no mundo mercantil, porque a questão do valor é mercantil. É melhor ganhar sua vida trabalhando do que estar desempregado. É difícil, quase impossível, de responder claramente a sua questão, pois o trabalho tem a ver com a esperança das pessoas, como uma matriz de desenvolvimento das pessoas. Por isso, desconfio um pouco sobre uma resposta desse tipo. Minha resposta pode parecer muito excêntrica, mas a questão não é se o trabalho tem valor, mas que valor tem o trabalho. Será que o trabalho faz com que os valores sejam trabalhados?

Os jovens hoje optam por um trabalho interessante, intenso, onde vão encontrar outras pessoas, vida e se descobrir. Você será convidado a escolher e será conduzido a encontrar valores de vida que são inseridos dentro das suas normas de vida. Uma pessoa que vive fora do mundo do trabalho, desempregada, que vive sozinha, não tem esse encontro com os valores que nossa vida social agrega. O trabalho atravessa as tecnologias, a dimensão coletiva, a formação, e está dá muitas oportunidades de escolha para sua vida e, desta forma, pode também se tornar uma doença. O trabalho é um encontro de riqueza. Se no trabalho há possibilidade de criar ele pode ter valor. Se acontece o contrário, o trabalho não tem valor.

(Instituto Humanitas Unisinos)

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