sábado, 28 de junho de 2008

A insustentável sociedade de consumo

Chris Bueno, do ComCiência
Lojas de departamentos de vários andares, shopping centers que oferecem todos os tipos de serviços, boutiques finas que servem champanhe aos clientes, pequenas lojas que vendem toda sorte de produtos por menos de R$ 2,00. Há décadas consumir deixou de ser um simples ato de subsistência para ser identificado com uma forma de lazer, de libertação e até mesmo de cidadania. Homens e mulheres são levados a consumir, mesmo sem necessidade, apenas pelo simples ato de comprar.
Para alguns pesquisadores, consumir é indispensável para fazer a economia girar e os países se desenvolverem. Para outros, o consumo desenfreado é uma grave doença moderna, com complicadas conseqüências para a sociedade e para o meio ambiente.O consumo é considerado, por alguns economistas, como a "mola propulsora" da economia mundial. Consumir geraria demanda, que por sua vez geraria maior produção por parte das indústrias, estimulando o surgimento de novos empregos, o aumento de salários e até mesmo o investimento em novas tecnologias para aprimorar a produção. Isso significaria mais trabalhadores, com salários melhores, que também seriam levados a consumir, formando um ciclo que manteria a economia aquecida e contribuiria para o desenvolvimento dos países. Por muito tempo, essa foi uma corrente de pensamento econômico predominante nos países capitalistas.
Mas esse modelo neoliberal, que tinha os Estados Unidos como seu principal representante, está sendo cada vez mais questionado.A crise econômica que os Estados Unidos enfrentam atualmente coloca em dúvida esse modelo econômico fortemente baseado no consumo, pois evidencia sua instabilidade. A crise, desencadeada pelo setor imobiliário, levou os bancos norte-americanos a entrarem em colapso – muitos quebraram e outros precisaram pedir ajuda ao governo para seguirem ativos. Nesse cenário, as instituições financeiras tiveram que reduzir drasticamente o crédito ao consumidor, o que acarretou na queda do consumo e de toda a atividade econômica do país. Para conter a crise, o governo norte-americano lançou um pacote centrado no consumo da população.
Uma das medidas do pacote determina a devolução de impostos à população como uma forma de injetar dinheiro na economia e esquentar o consumo. Se o baixo consumo representa um problema que agrava a crise nos Estados Unidos, no Brasil ocorre o exato oposto: o aumento do consumo da população está preocupando o governo, que teme a volta da inflação. Para evitar que isso ocorra, o governo brasileiro já está pensando em medidas que desestimulem o consumo e possam conter a alta dos preços. Mas não é só o Brasil e os Estados Unidos que enfrentam problemas econômicos relacionados ao consumo: o desemprego e a alta dos preços são sinais de desgaste do modelo que já despontam em diversos países da Europa, enquanto a desigualdade social conseqüente desse sistema mostra que ele está ficando cada vez mais inviável para os países da América Latina e da África.“Estas relações geram impacto visível na economia, mas há um impacto ainda maior e mais grave na sociedade e sobre o meio ambiente”, aponta Aloísio Ruscheinsky e Mariana Ocaña Madruga, sociólogos da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos) .
Segundo os pesquisadores, um dos principais impactos que esse estímulo ao consumo causa é o distanciamento entre ricos, que podem “consumir mais”, e pobres, que lutam para poder consumir o mínimo. “Esse fenômeno, por ironia da história tem como decorrência o aumento das desigualdades e do contingente da população na faixa da pobreza”.“As relações sociais escravizaram-se pelo dinheiro e pelo poder de consumo”, afirma Valquíria Padilha, socióloga da USP e a utora do livro Shopping Center: A catedral das mercadorias .
A socióloga explica que o cidadão foi reduzido a consumidor através de uma série de estratégias que construíram o capitalismo e o neoliberalismo. Como parte dessa estratégia, o Estado liberal foi deixando ao mercado responsabilidades que deveriam ser suas, como fornecer saúde, lazer, educação e infra-estrutura de qualidade. A conseqüência disso é um número cada vez maior de pessoas, principalmente de classe média, pagando, além dos impostos, planos de saúde privados, escolas privadas, pedágios e segurança privada. “Os ricos e endinheirados podem comprar conforto, segurança (ou ilusão de segurança), educação, saúde e lazer, mas os pobres morrem nas filas de hospitais públicos, ficam adultos analfabetos ou semi-analfabetos, não têm esgoto, água encanada, dentista, boas escolas”, declara. E conclui: “Quem não tem dinheiro não tem cidadania”.
Dessa forma, o consumo acabou se tornando um fator importante de construção de representações sociais. Ao comprar, não apenas se adquire um produto ou um serviço, mas define-se o status, e mesmo a identidade, de um indivíduo. É o “compro, logo existo”, uma forma do indivíduo se posicionar – e se diferenciar - dentro da sociedade através do que consome. “Aquilo que você veste, come e bebe define socialmente quem você é, onde você está e até onde pode ir. Desta forma, cria-se um mito cultural: aquele que maiores condições financeiras obtiver ‘irá mais longe'”, destaca Ruscheinsky. “ Os impactos psicossociais dessa lógica de vida são bastante complicados, porque o valor do ser humano é reduzido ao seu poder de compra. Quem tem carro importado é melhor, quem se veste com roupas da moda é gente de respeito e assim por diante”, concorda Padilha.

Comprando felicidade

Não é preciso apenas consumir para existir, mas é preciso consumir para ser feliz. Nessa lógica, vale tudo para se realizar um sonho de consumo: fazer horas-extras, “bicos” ou prestações a perder de vista. “É como se os objetos fossem capazes de propiciar o bem-estar social e a segurança que tanto se reclama e proclama”, aponta Ruscheinsky. Assim, busca-se a realização pessoal e a felicidade através do consumo. A sociedade de consumo vende a satisfação dos desejos individuais, mas desperta nos consumidores a cada momento novos desejos a serem satisfeitos, fazendo-os querer (e consumir) sempre mais.
“O vazio existencial cavado pela complexidade dos relacionamentos psicossociais não se preenche facilmente com bolsas, celulares e carros. Se a felicidade prometida pela sociedade de consumo fosse real, nós não estaríamos vivendo uma sociedade tão violenta como a nossa. A violência física e simbólica são frutos da desigualdade e da perversidade da sociedade de consumo que elege os endinheirados como os sortudos da ilha da fantasia ”, alerta Padilha.Para compreender a dimensão do consumo na vida moderna, é preciso vê-lo como uma prática social e cultural complexa e importante. “O acesso aos bens de consumo são parte das lutas pela eqüidade e das lutas pela qualidade de vida, em especial, as lutas pelo direito de escolha do tipo de vida que queremos viver. Nesse sentido, consumo e cidadania são inseparáveis, já que ambos criam e fortalecem sentimentos de pertencimento a um grupo social”, explica Fátima Portilho, socióloga da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), membro do grupo de pesquisa Sociedades e Culturas de Consumo e autora do livro Sustentabilidade ambiental, consumo e cidadania .
A partir dessas considerações, não é mais possível pensar o consumidor como uma simples vítima manipulada pela propaganda, ou como uma pessoa superficial e alienada. Ao contrário, a tendência atual é que o consumo seja, cada vez mais, associado ao desejo de “fazer alguma coisa” e de participar da vida e dos problemas coletivos. “Ninguém quer apenas sobreviver biologicamente consumindo ‘produtos indispensáveis', mas viver, ou seja, ter prazer, ter uma identidade, escolher, se expressar... E quem definirá o que é ‘consumir para sobreviver', o que é supérfluo, o que é necessário, o que é indispensável?”, diz a socióloga.“O consumo é indispensável na vida de todos os cidadãos.
O que está em discussão é a tipologia, o significado e o montante do consumo. Principalmente no que diz respeito às produções que envolvem matérias-primas há uma crescente preocupação. A finitude dos recursos naturais é evidente, e é agravada pelo modo de produção regente, que destrói e polui o meio ambiente.”, diz Ruscheinsky. “O consumo é indispensável e cumpre diversas funções sociais, mas, nos níveis e padrões atuais, e em expansão, precisa ser modificado em direção a formas mais sustentáveis, tanto do ponto de vista social quanto ambiental”, concorda Portilho.

Repensando o modelo

O modelo da sociedade de consumo está tão enraizado na sociedade contemporânea que alguns pesquisadores já chegaram a afirmar que ele é irreversível.
Porém, Padilha discorda: “Nada é irreversível quando se pensa em sociedade”. Para a pesquisadora, a atual crise nos Estados Unidos é um sinal de que esse modelo deve começar a ser repensado. “O produtivismo e o consumismo desenfreados são insustentáveis por mais tempo.
O primeiro e mais importante limite dessa cultura do consumo, que estamos testemunhando hoje, são os próprios limites ambientais. O planeta não suportaria se cada habitante tivesse um automóvel, por exemplo. Psicológica e sociologicamente também não será suportável por muito mais tempo essa lógica de produção e consumo destrutivos a que estamos sujeitos hoje”, afirma.
“O espaço para discussão sobre o modo de produção e hábitos de consumo tem crescido muito atualmente, mesmo que ainda não tenha atingido a abrangência desejada e os resultados necessários para processos sustentáveis e processos reversíveis de uso dos recursos naturais”, declara Ruscheinsky. Porém, apesar de estar sendo colocada em cheque, ainda é preciso muita discussão e reflexão para se mudar a sociedade de consumo. Esse modelo possui uma estrutura complexa e precisaria da ação de vários atores para se alcançar uma mudança significativa.
De acordo com os pesquisadores, é preciso trabalhar em vários níveis – do consumidor, da empresa e do Estado – para que haja uma alteração no sistema. Os consumidores precisam ser informados e conscientizados, buscando promover uma “mudança de hábito” que controle os efeitos do consumo desenfreado. As empresas, igualmente, devem procurar agir rumo a uma produção sustentável. E o Estado, através da promoção de políticas públicas, deve exercer diversas funções regulatórias, inclusive com as chamadas políticas de consumo sustentável (eliminação de subsídios, compras sustentáveis, políticas de estímulo ao transporte coletivo etc.).
Apesar de ainda não existir um modelo alternativo forte que possa substituir a sociedade de consumo, existem caminhos diversos que podem ajudar a torná-la mais sustentável. Portilho afirma: “ A ‘alternativa' parece ser uma tendência à consideração do papel dos diversos atores (Estado, empresas, consumidores individuais, mídia, ONGs) que interagem no mercado e da redução das desigualdades de poder entre eles, em especial o consumidor, que nada mais é do que o cidadão nas relações com o mercado em expansão. Assim, embora não seja possível atribuir toda a responsabilidade pela resolução dos problemas ambientais a um só lado da equação (o consumidor), a atividade de consumo pode oferecer importantes possibilidades de ação política e exercício da cidadania”.
(Envolverde/ComCiência)

Imagens do corpo e cultura de consumo

Ana Lúcia de Castro*
É consensual, dentre os autores que discutem as sociedades contemporâneas, a idéia de que os códigos a serem decifrados para o entendimento da dinâmica sociocultural localizam-se na esfera do consumo, ou seja, para entendermos melhor o mundo que nos cerca, temos que lançar o olhar para a forma como as mercadorias são consumidas, uma vez que a sociedade, que antes girava em torno da esfera da produção, passa agora a produzir-se na esfera do consumo.Partindo desse pressuposto, a expressão cultura de consumo vem sendo utilizada para enfatizar que os princípios que estruturam o mundo das mercadorias são centrais para a compreensão das sociedades contemporâneas e que na esfera do consumo é que os indivíduos buscam construir suas identidades e tecer suas relações sociais, posicionando-se no mundo e dando sentido às suas vidas.Uma das modalidades de consumo que mais cresce atualmente está relacionada ao culto ao corpo.
Os dados referentes ao faturamento da indústria de alimentos dietéticos apontam que este segmento da indústria alimentícia vem crescendo fortemente, saltando de US$ 200 milhões para U$$ 336 milhões, no período de 1991 a 1994, enquanto no mesmo período o número de fabricantes desses produtos no Brasil cresceu de 12 para 401. De acordo com a Abiad, entre 1991 e 2000, o faturamento dos fabricantes de produtos light e diet foi multiplicado por dez.2Ao lado da indústria "Diet", coloca-se a dos cosméticos, que também cresce assustadoramente, indicando a "materialidade" do processo em questão. O setor – que envolve três segmentos básicos: higiene pessoal, cosméticos e perfumaria – teve um crescimento acumulado de 126,66% no período de 1991-1995, passando de um faturamento líquido de R$ 4,9 bilhões, em 1996, para R$ 8,3 bilhões em 2001 e alcançando a marca dos R$ 17,3 bilhões em 2005.
Na primeira metade da corrente década (entre 2001 e 2005), o crescimento médio do faturamento do setor foi de 10,7% ao ano.Nada diferente foi o desempenho de outros setores econômicos ligados ao tema da construção da aparência: moda, serviços de beleza, cirurgias plásticas e academias de ginástica constituem, atualmente, ótimos negócios.Mas o que teria levado as sociedades contemporâneas a intensificar a preocupação com o corpo e colocá-la como um dos elementos centrais na vida dos indivíduos? É possível arriscarmos algumas hipóteses.A exposição do corpo e, conseqüentemente, preocupação com sua forma e apresentação intensificaram-se no decorrer do século XX. Alguns marcos importantes podem ser apontados, no sentido de elucidarmos a construção dessa tendência. A década de 1920 foi crucial na formulação de um novo ideal físico, tendo a imagem cinematográfica interferido significativamente nessa construção. No fim dessa década, mulheres, sob o impacto combinado das indústrias do cosmético, da moda, da publicidade e de Hollywood, incorporam o uso da maquiagem, principalmente o batom, em seus cotidianos e passam a valorizar o corpo esbelto, esguio.
O pós-guerra trouxe à cena dois importantes elementos: a expansão do tempo de lazer e a explosão publicitária. Movimentar o corpo pela prática do esporte ou da atividade física passa a ser, cada vez mais, um imperativo nas sociedades contemporâneas. E essa tendência de comportamento está, certamente, relacionada à expansão do tempo de lazer: férias remuneradas, a explosão dos campings tornando as praias mais acessíveis, são elementos que contribuirão, a partir da segunda metade dos anos cinqüenta, para a "revolução de veraneio", que imporá um novo conceito de férias de verão, em que a exposição do corpo ocupa espaço de centralidade.A explosão publicitária no pós-guerra, por sua vez, foi, sem dúvida, grande responsável pela difusão de hábitos relativos aos cuidados com o corpo e às práticas de higiene, beleza e esportivas, preconizadas por médicos e moralistas burgueses desde o início do século. É importante ressaltar a mudança de comportamento que se impunha nesse momento: ao colocarem suas imagens (estrelas de cinema com sorriso branco e cabelos brilhantes anunciando creme dental e xampu), esses profissionais da publicidade colocavam em jogo novas práticas, difundiam uma nova maneira de lidar com o próprio corpo e um novo conceito de higiene.Na contra-cultura dos anos 60 temos a difusão da pílula anticoncepcional, da chamada "revolução sexual" e do movimento feminista, elementos que, associados ao "hippismo" contribuirão para a colocação da corporeidade como importante dimensão no contexto de contestação que marca a década.
O corpo é colocado em cena pela contracultura como lócus da transgressão, do delírio e do "transe", através das experiências da droga e do sexo.Por fim, os anos 80 podem ser entendidos como um marco importante para a temática, na medida em que nessa década a corporeidade ganhou vulto nunca antes alcançado, em termos de visibilidade e espaço no interior da vida social, pois se no período anterior os cuidados com o corpo visavam a sua exposição durante o verão, a partir da década de 80 as práticas físicas passam a ser mais regulares e cotidianas, expressando-se na proliferação das academias de ginástica por todos os centros urbanos. Paralelamente a esse processo temos o advento da chamada "geração saúde", a partir dos anos 80, representativa de certa postura frente à vida que, de certa forma em oposição ao padrão de comportamento representativo da geração de seus pais, levantam a bandeira anti-drogas, com destaque para o tabagismo e o alcoolismo, ao lado da defesa da ecologia, do naturalismo e do chamado "sexo seguro" – fenômeno também fortemente relacionado ao advento da aids – que em alguns casos significa a revalorização da virgindade feminina, não mais até o casamento, mas até a certeza de que o primeiro relacionamento sexual signifique o envolvimento afetivo prolongado com o parceiro.
A centralidade que a preocupação com a corporeidade veio assumindo no decorrer do século XX está ligada, ainda, à própria história da moda, que pode ser entendida como as imagens sociais do corpo, o espelho de uma determinada época e, nesse sentido, é interessante lembrarmos que no século XIX a camisola só podia ser usada no interior do quarto e qualquer referência à ela, em público, seria motivo de rubor. Cabelos soltos, da mesma forma, só eram permitidos no espaço privado, sendo o penteado uma exigência para o espaço da rua. Mostrar o corpo não era também muito comum, as pessoas decentes andavam de luvas e chapéus, mostrando apenas o rosto, com exceção dos trajes de noite femininos, que apresentavam grandes decotes. Gradualmente, a flexibilidade no vestuário vai ganhando espaço frente à rigidez. Os homens passam a usar colarinhos mais flexíveis e chapéus de feltro moles no lugar dos colarinhos duros e chapéus rígidos, enquanto as mulheres vão abandonado os corpetes e as cintas, que cedem lugar a calcinhas e sutiãs. As saias vão se encurtando, as meias valorizam as pernas e os tecidos pesados vão sendo substituídos por mais macios que salientam as curvas do corpo.Em termos de vestuário, o século XX tem sido marcado pelo desnudamento e flexibilidade cada vez maiores. A aparência física passa a depender cada vez mais do corpo e cuidá-lo torna-se uma necessidade, pois ele deve ser preparado para ser mostrado.
Mas cada passo que se deu no sentido de desvendar o corpo não foi livre de constrangimentos, conflitos e escândalos: a bermuda dos escoteiros dos anos 20 foi bastante censurada, uma vez que mostrar as pernas publicamente era um tabu; os biquínis nos anos 1950 gerou muitos conflitos entre pais e filhas; a ousada mini-saia dos anos 1960 escandalizou antes de se tornar moda e o monoquíni dos anos 1970 ainda é tabu. Hoje, nas cidades, os homens adotam a bermuda como traje de passeio, e não raro, usam a camisa aberta ou o tronco nu. É a exposição pública do corpo, que ganha cada vez mais terreno.Não podemos deixar de ressaltar o papel da mídia como importante agente no processo em pauta. No que diz respeito à mídia impressa, vale destacar que a temática corpo ganha cada vez mais espaço desde os anos 1980, quando nascem as duas maiores revistas voltadas ao tema – Boa forma (1984) e Corpo a corpo (1987) – as quais abriram o caminho para um filão que vem sendo habilmente explorado pelas indústrias editoriais.Em decorrência do desenvolvimento dos meios de comunicação de massa, a percepção do corpo na sociedade contemporânea é dominada pela existência de um vasto arsenal de imagens visuais.
O cinema de Hollywood difundiu novos valores da cultura de consumo e projetou imagens de estilos de vida glamourosos para o mundo inteiro. As estrelas de cinema ajudaram a conformar um ideal de perfeição física, introduzindo novos tipos de maquiagem, cuidados com cabelos, técnicas para corrigir imperfeições.Vale lembrar o grande interesse, gerado através da máquina publicitária do cinema e da televisão, pelas vidas privadas das estrelas e celebridades, pelos seus conselhos de beleza, seus exercícios e suas dietas. As revistas especializadas, ao publicarem os "segredos das estrelas" oferecem aos seus leitores a chance de se auto-ajudarem, com anúncios chamando a atenção para providências contra acne, seios grandes, seios pequenos, pele oleosa ou ressecada, celulite, etc. Assim, as imagens trazidas pelas revistas sobre os personagens do cinema e da televisão, acabam por provocar uma revisão da auto-imagem dos leitores, num jogo de reconstruções constantes de identidades, característico da modernidade.Por fim, nesta tentativa de compreendermos o fenômeno do culto ao corpo, cabe ainda ressaltar a tomada da juventude como um valor social.
É perceptível a atual busca de juvenilização pelos idosos em seus estilos de vida, pela prática de esportes, alguns radicais, pelo vestir-se de maneira despojada, pela freqüência aos salões de dança, enfim, pelo que o sociólogo inglês Mike Featherstone identifica como transformações no ciclo da vida. Trata-se de um dos traços mais marcantes da cultura contemporânea, em que as barreiras entre juventude e velhice se esgarçam e "ser jovem" coloca-se como um imperativo. Esta idéia nos leva a pensar que a imagem da juventude, associada ao corpo perfeito e ideal - que envolve as noções de saúde, vitalidade, dinamismo e, acima de tudo, beleza - atravessa, contemporaneamente, os diferentes gêneros, todas as faixas etárias e classes sociais, perpassando e compondo, de maneira diferenciada, diversos estilos de vida.E a fábrica de imagens – cinema, TV e publicidade – tem, certamente, contribuído para isso.
Em nenhum outro momento da história houve tão intensa produção e difusão de imagens do corpo humano como hoje podemos perceber. A associação entre a produção de imagens corporais pela mídia (com destaque para o cinema e a televisão) e a percepção dos corpos/construção de auto-imagem, por parte dos indivíduos, é imediata.É curioso observarmos que o momento em que o culto ao corpo ganha espaço no interior da vida social é, coincidentemente, próximo do apontado como o ponto de inflexão das sociedades capitalistas ocidentais, que passam a ter uma nova configuração. Se a modernidade, a partir do pós-guerra, entra numa nova etapa e ganha contornos diferenciados, o mesmo ocorre ao culto ao corpo, ou à relação dos indivíduos com seus corpos. Evidentemente, a existência de técnicas de manipulação e cuidados com o corpo não é exclusividade das sociedades contemporâneas. Elas existiram em outras espacialidades e temporalidades, como nos atesta Marcel Mauss, autor pioneiro nas ciências sociais a tomar o corpo como objeto de análise.
Em seu pioneiro ensaio, Mauss define como técnicas corporais os modos de tratar, usar, lidar com o corpo e lança a idéia de que essas são descobertas pelas sociedades, transmitidas e modificadas no decorrer do tempo. Partindo dessa definição de Mauss, podemos afirmar que a atual busca de cultuar e modelar o próprio corpo é caracterizada por diversas técnicas corporais legitimadas por nossa sociedade e está localizada dentro de um movimento social mais amplo, que vem se acentuando no contexto contemporâneo, no qual a técnica vem representando o principal artifício de controle da natureza e o consumo o espaço privilegiado de constituição de vínculos identitários e de sociabilidade.* Ana Lúcia de Castro é professora do Departamento de Antropologia da Unesp (Campus de Araraquara) e do Programa de Pós-Graduação em Moda, Cultura e Arte do Centro Universitário Senac.

quarta-feira, 11 de junho de 2008

Obama ajudou a melhorar a imagem dos EUA no exterior

Esta coluna provavelmente colocará Barack Obama em apuros, mas não é problema meu. Eu não posso mentir: muitos egípcios e outros muçulmanos árabes realmente gostam dele e esperam que ele conquiste a presidência.Eu tive a chance de observar várias eleições americanas do exterior, mas tem sido incomumente revelador estar no Egito enquanto Barack Hussein Obama se torna o candidato dos democratas para presidente dos Estados Unidos.
Apesar de Obama, que foi criado como cristão, estar constantemente assegurando aos americanos que não é um muçulmano, os egípcios estão espantados e empolgados com a possibilidade dos Estados Unidos poderem eleger um homem negro cujo pai era de tradição muçulmana.
Eles realmente não entendem a árvore da família de Obama, mas o que sabem é que se os Estados Unidos -apesar de terem sido atacados por militantes muçulmanos no 11 de Setembro- elegerem como presidente um sujeito com nome do meio "Hussein", isso marcaria uma mudança nas relações entre os americanos e o mundo muçulmano.Toda entrevista parece terminar com a pessoa que estou entrevistando me perguntando: "Agora eu posso lhe fazer uma pergunta? Obama? Você acha que vão deixá-lo vencer?" (É sempre "deixá-lo vencer", não apenas "vencer".)Não seria um exagero dizer que a indicação pelos democratas de Obama como seu candidato à presidência fez mais para melhorar a imagem dos Estados Unidos no exterior -uma imagem arranhada pela guerra no Iraque, pela invocação pelo presidente Bush de uma "cruzada" pós-11 de Setembro, Abu Ghraib, Guantánamo e a oposição xenófoba à Dubai Ports World administrar portos americanos- do que todo o esforço diplomático de Bush por sete anos.
É claro, os egípcios ainda têm suas queixas em relação aos Estados Unidos, e terão no futuro independente de quem seja o presidente- e também temos algumas queixas em relação a eles. Mas de vez em quando os Estados Unidos fazem algo tão radical, tão fora do comum -algo que as sociedades antigas, incrustadas, tradicionais como as do Oriente Médio simplesmente nunca poderiam imaginar- que ela revive a "marca" revolucionária dos Estados Unidos no exterior de uma forma que nenhum diplomata poderia ter concebido ou planejado.
Eu acabei de jantar em um restaurante à margem do Nilo com duas autoridades egípcias e um empresário, e um deles citou um de seus filhos como tendo perguntado: "Algo assim poderia algum dia acontecer no Egito?" E a resposta de todos à mesa foi, é claro, "não". Não poderia acontecer em nenhum lugar nesta região. Um copta poderia se tornar presidente do Egito? Nenhuma chance. Um xiita poderia se tornar líder da Arábia Saudita? Nem em cem anos.
Um presidente bahaísta do Irã? Apenas em sonho. Aqui, o passado sempre enterra o futuro, não o contrário.Estas autoridades egípcias estavam particularmente empolgadas com a indicação de Obama, porque poderia significar que ser rotulado de reformista "pró-americano" poderia deixar de ser um insulto aqui, como tem sido nos últimos anos.
Como um diplomata americano colocou para mim: a postura de Obama sugere aos estrangeiros que ele não apenas escutaria o que eles têm a dizer, mas que poderia até levar em consideração.
Eles antecipam que um presidente americano que passou parte de sua vida olhando para os Estados Unidos de fora -como ocorreu com John McCain enquanto era prisioneiro de guerra no Vietnã- estará muito mais harmonizado com as tendências globais.Meu colega Michael Slackman, chefe da sucursal do "Times" no Cairo, me falou sobre um recente encontro que teve com um operário na famosa Mesquita Azul do Cairo: "Gamal Abdul Halem estava sentado em um tapete verde. Quando ele viu que éramos americanos, ele disse: 'Hillary-Obama empatados?' em um inglês rudimentar. Ele me disse que morava no Delta do Nilo, viajava duas horas todo dia para chegar ao trabalho, e ainda assim encontrava tempo para acompanhar a disputa presidencial. Ele não tinha nada ruim a dizer sobre Hillary, mas sentia que Obama seria muito melhor, por ter pele escura, como ele, e por causa de sua herança muçulmana. 'Para mim, minha família e amigos, nós queremos Obama', ele disse.
'Nós todos gostamos do que ele diz.'"Sim, toda esta Obamamania é excessiva e o balão inevitavelmente será furado caso ele conquiste a presidência e comece a tomar decisões difíceis ou cometer grandes erros. Mas por ora, o que ela revela é quanto muitos estrangeiros, após todo o ressentimento dos anos Bush, ainda anseiam pela "idéia da América" -este lugar aberto, otimista e, de fato, revolucionário, tão radicalmente diferente de suas próprias sociedades.Em sua história dos Estados Unidos do século 19, "What Hath God Wrought", Daniel Walker Howe cita Ralph Waldo Emerson como tendo dito em um encontro da Associação da Biblioteca Mercantil, em 1844, que "a América é o país do futuro. É um país de inícios, de projetos, de vastos planos e expectativas".
Esta é a América que foi engolida pela guerra contra o terrorismo. E é a América que muitas pessoas querem de volta. Eu não sei se Obama vencerá em novembro. Mas independente dele vencer ou não, o simples fato de sua indicação fez algo muito importante. Nós surpreendemos a nós mesmos e surpreendemos ao mundo e, ao fazê-lo, lembramos a todos que ainda somos um país de novos inícios.
Tradução: George El Khouri Andolfato
Visite o site do The New York Times

Foco na Amazônia prejudica Cerrado e demais biomas brasileiros

Por Sabrina Domingos, do Carbono Brasil
Enquanto o mundo está preocupado com o desmatamento e as queimadas na Amazônia, responsável por 59% das emissões brasileiras de gases do efeito estufa; a destruição do Cerrado (onde ocorre a maior parte dos outros 41%) é praticamente ignorada. O bioma que abriga um terço da biodiversidade brasileira, com mais de 10 mil espécies de plantas (sendo 4 mil exclusivas), sofre com a falta de regras claras para sua preservação.Depois de receber críticas de vários setores da sociedade por alterar a resolução do Conselho Monetário Nacional (CMN) que restringe o crédito na Amazônia, o ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc, considera agora a edição de novas resoluções que cortem os créditos oficiais de quem desmatar áreas de Cerrado, Mata Atlântica, Caatinga e Pantanal.No último dia 30, o governo alterou as regras de aplicação da resolução do CMN que restringirá, a partir de 1º de julho, a concessão de financiamento agrícola para quem não cumpre critérios ambientais. Nem todas as propriedades localizadas em municípios do bioma amazônico serão punidas, pois a restrição de crédito vai valer apenas para aquelas que ficam em áreas de floresta.
Esclarecendo os termos de resolução do Banco Central, a portaria permite a concessão de crédito a produtores de 96 dos 527 municípios onde fora registrado forte desmatamento, localizados na transição entre os biomas amazônico e do Cerrado.“Mesmo as propriedades que estiverem incluídas nos 36 municípios críticos [que mais desmataram a Amazônia em 2007], mas cumprem as exigências, estão legais, não terão problemas para ter acesso ao crédito”, afirma o secretário de extrativismo e desenvolvimento rural sustentável do Ministério do Meio Ambiente, Egon Krakhecke.RepúdioEm nota, os servidores da carreira de Especialista em Meio Ambiente lotados no Ibama e no Instituto Chico Mendes repudiam a portaria assinada por Minc. Eles defendem que o Cerrado é hoje o mais ameaçado de todos os biomas brasileiros, sem normas especiais de proteção e que, ao contrário da Amazônia, não desperta o interesse de organismos internacionais ou de organizações não-governamentais."
Mais de 50% do Cerrado já desapareceu silenciosamente em função dos interesses do agronegócio e da indústria de alimentos, e os outros 50% estão ameaçados e sob pressão para uso predatório", diz nota dos servidores."A nova portaria é um retrocesso e representa uma ameaça para o Cerrado, que é um dos biomas mais ricos do país", afirma Jonas Corrêa, presidente da Associação dos Servidores do Ibama.DefesaO ministro Minc nega que governo tenha afrouxado a restrição ao crédito. “Não voltamos atrás, não flexibilizamos. Eu nem tenho poder para mexer numa resolução do Banco Central. Apenas expliquei na portaria como poderá ser comprovado aqueles que estão dentro ou fora do bioma amazônico”.Segundo ele, as mudanças vão ajudar a orientar os bancos que concedem o financiamento agrícola. “A restrição só vale para o bioma amazônico. Tem vários municípios em que parte das propriedade está dentro do bioma amazônico e outra parte, fora [Cerrado e área de transição]. A parte fora já estava de fora da resolução, mas não tinha como explicar isso aos bancos.”Quem define a linha que separa os biomas da Amazônia e do Cerrado é o IBGE. O Ministério do Meio Ambiente vai preparar uma instrução normativa com o objetivo de orientar os governos estaduais na tarefa de estabelecer quais propriedades estão dentro ou fora do Cerrado nas 96 cidades de três estados: Mato Grosso, Maranhão e Tocantins.
VisãoEm artigo publicado no jornal O Estado de São Paulo, na última sexta-feira (06), o jornalista Washington Novaes afirma que o Cerrado é encarado por muitos como um bioma de segunda ou terceira categoria; e sendo tal, acredita-se não ter importância devastá-lo se com isso se preservar a Amazônia.“Esquece-se a inter-relação e interdependência dos biomas; deslembra-se que o Cerrado contribui com parcela significativa das águas amazônicas; que ele detém cerca de um terço da biodiversidade brasileira; que em sua maior parte ocorrem no Cerrado (com desmatamento e queimadas) as emissões de gases, fora da Amazônia (que responde por 59% do total), que intensificam o efeito estufa e mudanças do clima; e ainda que o Cerrado está perdendo 1,1% de sua vegetação, 22 mil quilômetros quadrados por ano, e já perdeu 800 mil no total”, acrescenta.O jornalista ressalta as implicações da perda da biodiversidade citando documentos apresentados na recente reunião das partes da Convenção da Diversidade Biológica, na Alemanha. Cerca de 6% a 7% do produto bruto mundial poderá ser perdido ao ano, até 2050, caso não se proteja os ecossistemas. “Para os países mais pobres poderá significar até metade de seu produto e afetar gravemente as populações mais carentes, que dependem dos ecossistemas naturais para obter alimentos, medicamentos, bioenergias, materiais de construção, etc. - e os muito pobres são quase metade da população mundial”, enfatiza.
O tecnologista sênior do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), Mario Eugenio Saturno, também entende que o Cerrado está esquecido e abandonado. “Ao contrário da Amazônia, pouca gente se importa. A destruição já atingiu mais de 50% de sua área. Os responsáveis por isso são a agricultura e a pecuária. Some-se a isso a derrubada de 17,3 mil quilômetros quadrados nos últimos 10 anos para a produção de carvão vegetal para siderurgias de Minas Gerais”.Na peleOs resultados do desmatamento no cerrado também aparecem na saúde pública. O aparecimento da hantavirose na capital federal é um exemplo disso. Os ratos, que transmitem a doença, tinham como habitat as regiões de matas. Com a falta delas, os roedores passam a buscar alimentos nas cidades, levando consigo o vírus da doença.“O homem destruiu o cerrado e os ratos foram procurar lixo nas cidades. Não é só um problema ambiental, é uma questão de saúde pública”, destaca a geógrafa Mônica Veríssimo, da Fundação Sustentabilidade e Desenvolvimento.Novo discursoO ministro Carlos Minc concorda que a restrição ao financiamento agrícola deve ser estendida a outros biomas brasileiros e diz que irá negociar isso com o CMN. “Não é admissível que quem desmatou o Cerrado, a Mata Atlântica e o Pantanal receba crédito fácil do governo. Brevemente vou propôr ao CMN resoluções equivalentes para os outros biomas. A Amazônia foi o primeiro por razões práticas”, justificou o ministro em entrevista à Agência Brasil.Minc afirmou que pretende fortalecer ações para 'separar quem trabalha na legalidade e quem terá que responder à Polícia Federal e à Lei de Crimes Ambientais', ao anunciar que a partir do próximo dia 15, os fiscais do Ibama vão exigir de siderúrgicas, madeireiras e frigoríficos informações sobre os fornecedores para garantir a criminalização da cadeia produtiva e punir quem utiliza matéria-prima obtida com exploração ilegal da floresta.(Envolverde/Carbono Brasil)

quinta-feira, 5 de junho de 2008

O meio ambiente do Brazil ou o Brasil do meio ambiente

Por Adalberto Wodianer Marcondes,
da Envolverde
No dia em que se comemora o meio ambiente, o Brasil tem muito a mostrar, mas ainda não sabe como incorporar o valor da sustentabilidade em seu projeto de País. Governo e sociedade estão em uma encruzilhada do processo civilizatório e os próximos dois anos são fundamentais para a definição do modelo de desenvolvimento. O Brasil conseguiu superar várias de suas limitações e encontrar um caminho que o ajude a trilhar o século XXI como uma nação capaz de assumir sua posição de destaque em um mundo onde a globalização é mais uma forma de colonialismo do que de desenvolvimento sustentável.
Durante os cinco séculos da história brasileira o país foi apenas um exportador de matérias primas e de recursos naturais baratos e sem valor agregado. Isto vem do pau-brasil, passa pela cana de açúcar, muda para o café, vira em direção aos minérios – ouro no início, depois ferro e chega finalmente à sofisticação do alumínio, onde além de exportar matéria prima, envia para o exterior uma imensa quantidade de energia elétrica incorporada ao produto. A pauta de exportação do Brasil é composta em sua maioria de produtos agrícolas, pecuários e minerais, com muito pouco em produtos industrializados e em serviços. Mas, ao mesmo tempo, o País tem uma indústria e um setor de serviços extremamente sofisticado e capaz de atender com qualidade o mercado interno.
Este momento, em que a política ambiental brasileira passa por uma delicada transição, com a saída de Marina Silva e a chegada de Carlos Minc, é, também, o momento de se entender o que significa para o Brasil ter uma pauta de exportação fortemente ancorada em recursos naturais e qual é a posição do País nesta onda de globalização. Muitos jornalistas e gente ligada à economia gostam de comparar o Brasil com a China, onde o crescimento econômico de quase 10% ao ano é baseado na superexploração de recursos naturais e em tecnologias que não seriam aprovadas por nenhum órgão ambiental da Europa, ou mesmo do Brasil. No entanto, a China tem uma pauta muito diferente da brasileira.
Os desafios de distribuição de renda da China e Índia conseguem ser muito mais intrincados do que os do Brasil, além das diferenças políticas marcantes, principalmente em relação ao governo instalado em Pequim. O Partido Comunista governa dentro de um centralismo que o deixa livre para fazer o que bem entender e a sociedade local não têm muitas instâncias para reclamar. As empresas que atuam na China estão sujeitas aos humores do Estado, mas ao mesmo tempo não estão submetidas às regulamentações de mercados articulados dentro de princípios de governança e transparência. Para uma empresa brasileira de grande porte é praticamente impossível passar por cima de leis sociais e ambientais sem ser cobrada por organizações da sociedade civil ou pela mídia. A mesma mídia que, na China, não goza de seu valor fundamental, que é a liberdade de imprensa.
O Brasil cresce e tem nas obras de infra-estrutura seu maior projeto de desenvolvimento. Obras complexas e que precisam de licenciamento ambiental para poder sair do papel. Justamente este capítulo, do licenciamento, é o que já fez grandes estragos na estrutura de gestão ambiental do governo. Mutilou o Ibama em duas instituições distintas (Ibama e Instituto Chico Mendes) e pressionou a ministra Marina até o limite de suas habilidades políticas. Marina deixou o Ministério do Meio Ambiente e reassumiu sua cadeira no Senado Federal, posição privilegiada de onde certamente vai continuar como guardiã dos valores da sustentabilidade no trato das questões ambientais.
Foi substituída por Carlos Minc, também ambientalista histórico, e reconhecido como um hábil político no trato com a mídia e com as empresas que precisam de “flexibilidade” no licenciamento ambiental. Um ex-assessor disse esta semana que sua preocupação é que o novo ministro jogue mais para a mídia do que para os interesses do meio ambiente brasileiro. Afinal, tem muito dinheiro apontado para as grandes obras de infra-estrutura em energia, água, saneamento, transporte e logística, saúde e educação. Recursos que seduzem empresas e políticos e que precisam ser acompanhados de perto pela sociedade em sua destinação e aplicação. Os recursos naturais do Brasil estão em alta.
O País é a potência energética do presente. Tem o maior potencial de geração hidrelétrica instalado e por construir, tem o mais antigo e consolidado projeto de biocombustíveis com escala industrial do mundo e, agora, tem reservas de petróleo em exploração e em reservas provadas que o colocam entre os maiores produtores mundiais. Com tudo isso o Brasil tem o potencial de tornar-se a primeira nação a emergir como econômica e socialmente desenvolvida em um novo modelo de desenvolvimento, mais apropriado ao século XXI, sem as âncoras de um capitalismo sem valores. Dias atrás esteve no Brasil uma das vozes mais coerentes em defesa da sustentabilidade, o empresário Ray Anderson, que criou uma das organizações mais social e ambientalmente responsáveis e equilibradas, garantindo um excelente desempenho econômico, a holding têxtil Interface.
Uma de suas falas foi particularmente impressionante, ele acredita que o lucro não pode ser o objetivo da empresa, mas sim um componente do processo para que a empresa atinja sua “missão”. E a missão deve ser sempre um objetivo compartilhado por todos os envolvidos na geração dos recursos necessários para sua implementação. Esta definição pode parecer ainda muito romântica em tempos de capitalismo industrial, baseado em não reconhecimento dos custos de externalidades, como a poluição do ar e da água e a superexploração de recursos naturais. Mas é um conceito em sintonia com as necessidades das gerações futuras. A humanidade precisa gerar alimentos, energia e tudo o que é preciso para viver confortavelmente, dentro de padrões da civilização da era do conhecimento, sem impedir que o futuro seja um bom lugar para as próximas gerações.
O Brasil está em uma encruzilhada que pode levá-lo a ser o país que conseguiu superar o subdesenvolvimento a partir de padrões civilizatórios do terceiro milênio, ou ser o país que conseguiu ser “desenvolvido” por uma geração, esgotou seus recursos naturais, e retornou ao subdesenvolvimento pré-industrial. Esta decisão está sendo tomada pela presente geração de brasileiros. A Amazônia pode ser uma imensa serraria para exportação de madeira em tábuas e carne de segunda ou ser o maior banco de biotecnologia e vetor de desenvolvimento científico deste século.
Tudo depende de como o País vai manejar as decisões e de como a mídia vai informar a sociedade sobre os processos econômicos, sociais e ambientais em andamento. Existem questões que são fundamentais para a construção do Brasil sustentável e potência ambiental. Muitas destas questões estão vinculadas a “limites”, sejam eles físicos ou éticos. E é preciso que as decisões tenham em mente que os recursos naturais e os valores culturais são finitos. Os primeiros podem acabar e os segundos podem ser extintos. O Brasil tem povos indígenas e por mais que setores da sociedade brasileira se sintam desconfortáveis com isso, são minorias que devem ter seus direitos respeitados.
O Brasil tem um imenso potencial de geração de energia elétrica a partir da força de seus rios, mas é preciso que se discuta onde esta energia vai ser utilizada e não apenas que se aceite uma argumentação genérica: “é energia para o desenvolvimento”. É preciso que se discuta que modelo de desenvolvimento é esse que precisa de cada vez mais energia para produzir e vender cada vez mais quinquilharias fantasiadas de prazer e felicidade. Nesta época, em que o tema ambiental está presente em todas as mídias, empresas, governos, escolas e mentes, é um momento especial para o Brasil lembrar-se que tem nome de árvore e uma bandeira que mostra a riqueza do verde. O potencial brasileiro para a produção de biomassa, seja para alimentos, combustível ou insumos industriais já é espantoso e o coloca em uma posição global de relativo conforto. Não é preciso avançar sobre novas terras na Amazônia e nem extinguir o que resta de cerrado e Mata Atlântica.
O Brasil idealizado por Ignacy Sachs, pensador francês que acredita que não apenas estamos emergindo para a sociedade do conhecimento, mas também para a economia da biomassa, é um país de valores éticos e econômicos compatíveis com uma sociedade desenvolvida. Este Brasil, por quem muita gente gastou músculos, sangue e idéias, um país equilibrado sob o ponto de vista social, ambiental e econômico, é possível. Não é um lugar para pobres de espírito e nem pode se deixar levar por oportunistas. É um país jovem em um mundo que precisa de inovações. O Brazil pode querer ser chinês, europeu ou americano.
Mas o Brasil que foi construído por Zumbi, Tiradentes, Chico Mendes e muitos Josés e Marias é muito mais do que uma barraca de minérios e cereais. É um modelo de democracia que vai amadurecer e se firmar entre as grandes democracias do mundo. E na democracia não há vencedores e perdedores, apenas direitos e deveres da cidadania.
(Envolverde)

Dia Mundial do Meio Ambiente e a situação do Brasil

Por Sabrina Domingos, do CarbonoBrasil
Apesar de sermos um exemplo para um mundo em termos de produção de energia limpa, o Brasil fica entre os maiores emissores de gases do efeito estufa do mundo devido ao desmatamento. Nos últimos 12 meses, a Amazônia perdeu 9.495 quilômetros quadrados - o equivalente a mais de seis vezes a área da cidade de São Paulo. Dados divulgados pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) mostram que, só no último mês de abril, foram desmatados 1.123 quilômetros quadrados.
Outro bioma fundamental, a Mata Atlântica, conta com apenas 7,26% da cobertura original no Brasil. Estudo da Fundação SOS Mata Atlântica e do Inpe indica que a alta taxa de fragmentação florestal ameaça a biodiversidade no país. Santa Catarina, Minas Gerais e Bahia são os estados que mais desmataram no período de 2000-2005, em números absolutos. (Leia matéria com os resultados do “Atlas dos Remanescentes Florestais da Mata Atlântica”).
Além de ameaçar a diversidade de espécies, a derrubada e queimadas de florestas, altera significativamente o equilíbrio climático do planeta. As chuvas que caem na região Sul do Brasil, por exemplo, são resultantes da água proveniente da Amazônia. Todos os dias milhares de toneladas de vapor de água migram do Norte do país em direção ao Sul. Essas correntes de ar que carregam a umidade da Floresta Amazônica, conhecidas como “rios voadores”, são responsáveis por 44% das chuvas no Brasil. “Os rios voadores podem conter o maior volume de água doce do mundo”, afirma o pesquisador Gerard Moss, que sobrevoa a região avaliando o fenômeno.
O vapor de água liberado pelas árvores, levado pelo vento para o restante do país, influencia a circulação de ar sobre o Atlântico e o Pacífico. Isso faz da Floresta Amazônica uma peça fundamental para o equilíbrio do clima no Brasil. Moss diz que o desmatamento da região já está diminuindo o volume de chuvas em vários locais do país, alterando a características das estações e prejudicando os meios de sobrevivência de muitos brasileiros. (Leia notícia sobre os "rios voadores").

Energia

Com o aquecimento global sendo o grande problema ambietal, social e econômico do mundo nos últimos anos, o Brasil conseguiu se destacar no cenário internacional pela produção de biocombustíveis. Inicialmente apontados como uma alternativa ambientalmente correta para substituir o uso de combustíveis fósseis, agora são acusados de causar alta mundial no preço dos alimentos. Mas, além da questão agrária, a produção de biocombustíveis tem outros obstáculos a superar. Estudiosos questionam se todo o processo de elaboração é ecologicamente adequado. Em alguns casos, o processamento dos vegetais utiliza mais combustíveis fósseis do que as fontes de deveria substituir.
Duas pesquisas publicadas este ano na revista científica Science apontam que cultivo de grãos para a produção de biocombustíveis resulta na emissão de uma vasta quantidade de dióxido de carbono (CO2) na atmosfera. (Leia três matérias da CarbonoBrasil sobre biocombustíveis).

Destino final

Enquanto o Brasil se destaca por iniciativas bem sucedidas, como os projetos de Mecanismos de Desenvolvimento Limpo em aterros sanitários, que reduzem as emissões do gás metano na atmosfera e ainda geram energia elétrica, os números da quantidade de lixo sem tratamento assustam.
Na Grande São Paulo, o fechamento de quatro aterros clandestinos nesta semana traz à tona a preocupação de que se chegue à situação da cidade de Nápoles, na Itália, tomada pelo lixo. De acordo com a secretaria do Meio Ambiente, mais de 20% dos municípios de São Paulo não têm um local adequado para jogar fora tudo o que é coletado. A estimativa é de que, em média, cada brasileiro gere um quilo de lixo por dia – no total, são 178 mil toneladas diárias, das quais, apenas 140 mil são coletadas. O restante acaba em qualquer lugar, poluindo nascentes e mananciais e trazendo riscos para a saúde da população. Parte do dinheiro para ampliar a rede de esgoto e para construir aterros sanitários poderia vir do próprio lixo. Para isso, seria preciso aumentar a reciclagem, que hoje no Brasil é em torno de 2%. Número que poderia ser aumentado para 30% a 33%, acredita o consultor Sérgio Forini.
“A reciclagem pode representar uma fração importante do total de lixo e resultar em algo útil para o consumo. Todavia, por motivos econômicos e energéticos, o total de reciclagem de lixo não é factível”, afirma o professor da universidade de Vienna, Paul Hans Brunner, especialista na gestão de lixo. A associação sem fins lucrativos Compromisso Empresarial para Reciclagem informa que apenas um milhão de brasileiros têm acesso aos programas municipais de coleta seletiva, um número relativamente baixo diante do tamanho da população brasileira - 183,9 milhões de pessoas. (Leia matéria sobre reciclagem).

Potável

Um dos recursos que mais sofrem com a falta de tratamento adequado do lixo nas cidades brasileira é a água.
Em São Paulo, duas das principais represas que abastecem a cidade estão gravemente afetadas pelo acúmulo de casas às margens dos mananciais e consequentemente pela falta de saneamento básico. Além do esgoto residencial provenientes de loteamentos clandestinos, as fontes costumam receber detritos industriais, o que torna a água imprópria para o consumo, obrigando as empresas de abastecimento a realizarem um pesado tratamento antes de distribuí-la para a população. (Leia matéria sobre o uso de águas subterrâneas como alternativa para o Brasil). "Antes pensávamos que o mundo acabaria com uma bomba atômica, guerras e conflitos armados. Hoje, o mundo acabará pela ação do homem e reação do planeta. A previsão é que se torne um verdadeiro caos se nenhuma providência for tomada em favor do meio ambiente", conclui o presidente da Ecoesfera, Luiz Fernando do Valle.
(Foto: RMA)(CarbonoBrasil)

Proposta de política nacional de mudança climática chega ao Congresso em junho

Por Marcos Magalhães

O governo deverá enviar ao Congresso Nacional ainda durante o mês de junho o projeto da Política Nacional sobre Mudança do Clima.
O anúncio foi feito nesta quarta-feira (4/6) pelo subchefe adjunto de Políticas Governamentais da Presidência da República, Jhaness Eck, durante audiência pública promovida pela Comissão Mista Especial das Mudanças Climáticas. Segundo Eck, o envio da proposta ocorrerá logo depois que forem resolvidas as últimas pendências em relação ao tema dentro do Poder Executivo e que o texto receba o sinal verde do novo ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc.
Ainda durante a tramitação da proposta, adiantou o subchefe adjunto, o governo vai trabalhar na definição do Plano Nacional sobre Mudança do Clima, por meio do qual serão detalhadas as medidas a serem adotadas para reduzir as emissões brasileiras de gases que provocam o efeito estufa.
"O envio da proposta de política nacional ao Congresso não impede o avanço em relação à elaboração do plano. Temos convicção de que a proposta de política terá boa aceitação por parte dos parlamentares. O que vai gerar mais polêmica será o plano", previu Eck. Logo no início da audiência pública, o relator da comissão, senador Renato Casagrande (PSB-ES), cobrou dos representantes do Poder Executivo uma definição a respeito da conclusão dos estudos para a elaboração da política nacional de mudança climática.
Ele observou ainda que os prazos definidos em decreto presidencial que criou a comissão encarregada da tarefa já tinham sido esgotados. O diretor do Departamento de Mudanças Climáticas do Ministério do Meio Ambiente, Ruy de Góes Leite de Barros, disse que a proposta de política nacional a respeito do tema - sobre o qual já há "mais de 90% de consenso" - será um texto "genérico", que definirá os objetivos brasileiros de mitigação da mudança climática e de adaptação ao fenômeno.
Ele ressaltou o envolvimento da sociedade na elaboração da proposta de política nacional, por meio da participação de cientistas e organizações não-governamentais. O primeiro passo para se saber como o Brasil poderá reduzir suas emissões de gases do efeito estufa, lembrou o diretor, é o de conhecer a natureza das emissões do país. Ele informou que 55% das emissões estão ligadas à chamada mudança de uso de solo - onde se inclui o desmatamento - e 25% à agropecuária. Como fatores positivos, ele citou a redução de emissões provocada pelo programa de biocombustíveis e a "matriz energética limpa" do país, onde hidrelétricas respondem por 74% da geração de eletricidade. "Nosso calcanhar-de-aquiles é o desmatamento. Sem ele, nossa emissão per capita de gases de efeito estufa seria de duas toneladas por ano, contra vinte toneladas dos Estados Unidos", comparou Leite de Barros.
O coordenador geral do Fórum Brasileiro de Mudanças Climáticas, Luiz Pinguelli Rosa, confirmou as "vantagens comparativas" brasileiras em relação à matriz energética. Mas defendeu maior ênfase na busca de fontes alternativas, como a bioeletricidade - que usa como insumos o biodiesel e resíduos agrícolas - e a energia dos mares, que vem sendo estudada pelo Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-Graduação e Pesquisa de Engenharia (Coppe/URRJ), do qual é diretor.
"Devemos ainda ter metas internas de redução das taxas de desmatamento e queimadas. Isso é urgente e não pode esperar pela elaboração do plano nacional de mudança climática", sustentou Pinguelli, que terá um encontro na próxima semana com o novo ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc, para tratar do tema.
(Agência Senado/CarbonoBrasil)