Por Sabrina Domingos, do Carbono Brasil
Enquanto o mundo está preocupado com o desmatamento e as queimadas na Amazônia, responsável por 59% das emissões brasileiras de gases do efeito estufa; a destruição do Cerrado (onde ocorre a maior parte dos outros 41%) é praticamente ignorada. O bioma que abriga um terço da biodiversidade brasileira, com mais de 10 mil espécies de plantas (sendo 4 mil exclusivas), sofre com a falta de regras claras para sua preservação.Depois de receber críticas de vários setores da sociedade por alterar a resolução do Conselho Monetário Nacional (CMN) que restringe o crédito na Amazônia, o ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc, considera agora a edição de novas resoluções que cortem os créditos oficiais de quem desmatar áreas de Cerrado, Mata Atlântica, Caatinga e Pantanal.No último dia 30, o governo alterou as regras de aplicação da resolução do CMN que restringirá, a partir de 1º de julho, a concessão de financiamento agrícola para quem não cumpre critérios ambientais. Nem todas as propriedades localizadas em municípios do bioma amazônico serão punidas, pois a restrição de crédito vai valer apenas para aquelas que ficam em áreas de floresta.
Esclarecendo os termos de resolução do Banco Central, a portaria permite a concessão de crédito a produtores de 96 dos 527 municípios onde fora registrado forte desmatamento, localizados na transição entre os biomas amazônico e do Cerrado.“Mesmo as propriedades que estiverem incluídas nos 36 municípios críticos [que mais desmataram a Amazônia em 2007], mas cumprem as exigências, estão legais, não terão problemas para ter acesso ao crédito”, afirma o secretário de extrativismo e desenvolvimento rural sustentável do Ministério do Meio Ambiente, Egon Krakhecke.RepúdioEm nota, os servidores da carreira de Especialista em Meio Ambiente lotados no Ibama e no Instituto Chico Mendes repudiam a portaria assinada por Minc. Eles defendem que o Cerrado é hoje o mais ameaçado de todos os biomas brasileiros, sem normas especiais de proteção e que, ao contrário da Amazônia, não desperta o interesse de organismos internacionais ou de organizações não-governamentais."
Mais de 50% do Cerrado já desapareceu silenciosamente em função dos interesses do agronegócio e da indústria de alimentos, e os outros 50% estão ameaçados e sob pressão para uso predatório", diz nota dos servidores."A nova portaria é um retrocesso e representa uma ameaça para o Cerrado, que é um dos biomas mais ricos do país", afirma Jonas Corrêa, presidente da Associação dos Servidores do Ibama.DefesaO ministro Minc nega que governo tenha afrouxado a restrição ao crédito. “Não voltamos atrás, não flexibilizamos. Eu nem tenho poder para mexer numa resolução do Banco Central. Apenas expliquei na portaria como poderá ser comprovado aqueles que estão dentro ou fora do bioma amazônico”.Segundo ele, as mudanças vão ajudar a orientar os bancos que concedem o financiamento agrícola. “A restrição só vale para o bioma amazônico. Tem vários municípios em que parte das propriedade está dentro do bioma amazônico e outra parte, fora [Cerrado e área de transição]. A parte fora já estava de fora da resolução, mas não tinha como explicar isso aos bancos.”Quem define a linha que separa os biomas da Amazônia e do Cerrado é o IBGE. O Ministério do Meio Ambiente vai preparar uma instrução normativa com o objetivo de orientar os governos estaduais na tarefa de estabelecer quais propriedades estão dentro ou fora do Cerrado nas 96 cidades de três estados: Mato Grosso, Maranhão e Tocantins.
VisãoEm artigo publicado no jornal O Estado de São Paulo, na última sexta-feira (06), o jornalista Washington Novaes afirma que o Cerrado é encarado por muitos como um bioma de segunda ou terceira categoria; e sendo tal, acredita-se não ter importância devastá-lo se com isso se preservar a Amazônia.“Esquece-se a inter-relação e interdependência dos biomas; deslembra-se que o Cerrado contribui com parcela significativa das águas amazônicas; que ele detém cerca de um terço da biodiversidade brasileira; que em sua maior parte ocorrem no Cerrado (com desmatamento e queimadas) as emissões de gases, fora da Amazônia (que responde por 59% do total), que intensificam o efeito estufa e mudanças do clima; e ainda que o Cerrado está perdendo 1,1% de sua vegetação, 22 mil quilômetros quadrados por ano, e já perdeu 800 mil no total”, acrescenta.O jornalista ressalta as implicações da perda da biodiversidade citando documentos apresentados na recente reunião das partes da Convenção da Diversidade Biológica, na Alemanha. Cerca de 6% a 7% do produto bruto mundial poderá ser perdido ao ano, até 2050, caso não se proteja os ecossistemas. “Para os países mais pobres poderá significar até metade de seu produto e afetar gravemente as populações mais carentes, que dependem dos ecossistemas naturais para obter alimentos, medicamentos, bioenergias, materiais de construção, etc. - e os muito pobres são quase metade da população mundial”, enfatiza.
O tecnologista sênior do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), Mario Eugenio Saturno, também entende que o Cerrado está esquecido e abandonado. “Ao contrário da Amazônia, pouca gente se importa. A destruição já atingiu mais de 50% de sua área. Os responsáveis por isso são a agricultura e a pecuária. Some-se a isso a derrubada de 17,3 mil quilômetros quadrados nos últimos 10 anos para a produção de carvão vegetal para siderurgias de Minas Gerais”.Na peleOs resultados do desmatamento no cerrado também aparecem na saúde pública. O aparecimento da hantavirose na capital federal é um exemplo disso. Os ratos, que transmitem a doença, tinham como habitat as regiões de matas. Com a falta delas, os roedores passam a buscar alimentos nas cidades, levando consigo o vírus da doença.“O homem destruiu o cerrado e os ratos foram procurar lixo nas cidades. Não é só um problema ambiental, é uma questão de saúde pública”, destaca a geógrafa Mônica Veríssimo, da Fundação Sustentabilidade e Desenvolvimento.Novo discursoO ministro Carlos Minc concorda que a restrição ao financiamento agrícola deve ser estendida a outros biomas brasileiros e diz que irá negociar isso com o CMN. “Não é admissível que quem desmatou o Cerrado, a Mata Atlântica e o Pantanal receba crédito fácil do governo. Brevemente vou propôr ao CMN resoluções equivalentes para os outros biomas. A Amazônia foi o primeiro por razões práticas”, justificou o ministro em entrevista à Agência Brasil.Minc afirmou que pretende fortalecer ações para 'separar quem trabalha na legalidade e quem terá que responder à Polícia Federal e à Lei de Crimes Ambientais', ao anunciar que a partir do próximo dia 15, os fiscais do Ibama vão exigir de siderúrgicas, madeireiras e frigoríficos informações sobre os fornecedores para garantir a criminalização da cadeia produtiva e punir quem utiliza matéria-prima obtida com exploração ilegal da floresta.(Envolverde/Carbono Brasil)
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