quarta-feira, 23 de abril de 2008

“Obrigado, Iowa!”

Ainda que a distância ideológica entre um republicano e um democrata seja zero, com democrata na Casa Branca o mundo é sempre outro
Enquanto no Quênia a deterioração da situação política atinge a barbárie, com centenas de mulheres e crianças, quase todas da tribo do presidente Mwai Kibaki, os kikuyu, sendo estupradas nos confrontos pós-eleições presidenciais, evidenciando a atualidade cruel da prática de guerra de estuprar as mulheres dos inimigos tão-somente para humilhá-los, um descendente de queniano discursava dizendo: “Obrigado, Iowa!”
“Foi a esperança que me trouxe aqui, hoje. Com um pai que nasceu no Quênia, uma mãe que nasceu no Kansas e uma história que só poderia acontecer nos Estados Unidos da América, ouvi muitas vezes que este dia nunca chegaria.”
Era o senador por Illinois (capital: Springfield; a maior cidade é Chicago, que eu amo, com seu misterioso e belo lago Michigan – maior lago de água doce dos EUA e o quinto do mundo) Barack Obama, advogado e professor da Universidade de Chicago, vencedor das prévias de Iowa, que iniciam a corrida rumo à Casa Branca; hoje, único senador negro e, em um século e meio, o terceiro dos EUA. Com 46 anos, em primeiro mandato, é casado com a advogada Michelle e pai de duas meninas.
Barack Obama estudou ciência política na Universidade de Columbia (Nova York), em seguida foi para Chicago e por três anos atuou como “organizador de comunidades”. Em 1988, foi estudar direito em Harvard, onde foi o primeiro norte-americano de origem africana a presidir a “Harvard Law Review”. De volta a Chicago, era uma estrela nascente e cintilante da advocacia que rejeitou propostas de grandes escritórios para ser advogado de direitos civis, focando em vítimas de discriminação no emprego e na habitação. Na Universidade de Chicago, dizem que é uma sumidade em aborto, direitos de gays e ação afirmativa.
O especialista em política norte- americana Frank Unger, da Universidade Livre de Berlim, diz que as últimas eleições presidenciais dos EUA se tornaram “batalhas de personalidades”, pois “o sistema democrático dos norte-americanos é atávico, obsoleto e não reflete a democracia no sentido moderno. Objetivamente, o modo como a democracia dos EUA se desenvolveu não é mais adequado ao século XXI”. Reitero Thomas Bauer, do Centro de Política Aplicada da Universidade de Munique: “Os políticos precisam entender que tudo está realmente conectado a tudo. Não existe mais a opção isolacionista”, logo é crucial entender o “doméstico” da política norte-americana, pois ela repercute no cotidiano de cada ser humano. Até um espirro do presidente dos EUA reverbera em nossas vidas.
Continuo sem entender como pessoas de esquerda nos EUA em geral não votam. Consideram democratas e republicanos “farinhas do mesmo saco”. Têm alguma razão, porém ouso reafirmar que há diferenças, que são a tradução exata entre algo brochante e orgasmos múltiplos e arrebatadores, mesmo que incertos e esporádicos, pois ainda que a distância ideológica entre um republicano e um democrata seja zero, com democrata na Casa Branca o mundo é sempre outro. Nós, as mulheres, soubemos disso no dia da posse do primeiro mandato Bush, com o anúncio da Regra Global da Mordaça – restrição de fundos dos EUA para planejamento familiar e exigência de contrapartida de países e instituições de não uso até de fundos próprios para qualquer ação favorável ao aborto
O Partido Democrata brilha com duas candidaturas alvissareiras: Barack Obama e Hillary Clinton. Todavia, muita água pesada vai rolar até novembro. Obama é negro, senhor de si (um abuso afro!), com senso de humor, perfomance de rock star e história de vida fiel aos valores liberais. É o único que arranha o establishment democrata e republicano e abala o status quo racista dos EUA profundo. Dele se espera, a qualquer momento, que diga: “I have a dream” (eu tenho um sonho), como Martin Luther King Pode virar realidade.

Por Fatima Oliveira.

O medo da Raça

É emblemático o empenho com que alguns intelectuais se manifestam na arena pública para alertar a sociedade sobre os perigos da raça como suporte de políticas públicas de promoção da igualdade racial. Mais curioso ainda é o fato de serem alguns desses intelectuais especialistas em negros. Negros que, enquanto objeto de estudo, alavancaram sólidas carreiras acadêmicas e adquiriram no plano das idéias absoluta realidade científica realizando o sonho de Sílvio Romero, para quem “o negro não é só uma máquina econômica; ele é, antes de tudo, e malgrado sua ignorância, um objeto de ciência. (…) Apressem-se os especialistas, visto que os pobres moçambiques, benguelas, monjolos, congos, cabindas, caçangas… vão morrendo. (…) Apressem-se, senão terão de perdê-lo de todo”.
Porém, o negro real sobrevivente desse vaticínio, ao se tornar alvo de políticas públicas específicas, representa para os especialistas uma ameaça ao “estatuto jurídico republicano” do país. Ou seja, como virtualidade acadêmica, os negros existem; fora desse espaço, é desejável que desapareçam, porque o reconhecimento dessa racialidade, como uma dimensão das desigualdades sociais, promoveria a “racialização” de um Estado supostamente neutro em termos de raça.
A idéia é a de que a institucionalização da raça como categoria possuidora de direitos e oportunidades sociais, negada pelos processos de exclusão racial, resultaria na construção jurídica de um país racialmente apartado, contrário a sua suposta vocação a-racial. Uma tese que passa ao largo dos dois territórios racialmente apartados encontrados pela desagregação do IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) para negros e brancos no Brasil. Aliás, alguém se lembra de ter visto um único menino branco no documentário Vida de Falcão, de MV Bill e César Athaíde?
Como foi possível que essa ideologia a-racial tão decantada por esses especialistas conformasse uma sociedade que é alva em todas as suas dimensões de poder, riqueza e prestígio e escura nas suas instâncias de pobreza e indigência humana? O país real jamais amedrontou as elites políticas e intelectuais. Elas jamais enxergaram nele uma ameaça aos nossos estatutos republicanos. O seu discurso nunca pôs em questão a imperiosa necessidade de romper com o exclusivismo da supremacia branca como condição para a desracialização da sociedade.
Tal como nos aponta Roseli Fischmann, “é mesmo necessário desracializar o debate, mas no sentido inverso: é preciso haver mais negros no debate. É simples constatar que a presença em cena pública é predominantemente branca, de formação européia. Há nuanças de tipo étnico ou religioso, mas de registro semelhante. Se o Brasil tem 46% de afrodescendentes, compreender o país implica compreender quase metade de sua gente, por sua própria voz, sem intérpretes”.
No entanto, a tradição cultural instituída a partir de Romero é a de que a autoridade da fala sobre o negro é do branco. Gilberto Freyre já decretara que “devemos nos considerar uma gente que goza de extraordinária paz e harmonia racial, contraste com aquelas partes do mundo em que ódios raciais existem sob formas, por vezes, as mais violentas, as mais cruas.
Em linha de continuidade, e com as devidas atualizações que os novos tempos exigem, os especialistas recomendam que, se a democracia racial ainda não é uma realidade, a construção de uma sociedade a-racial deve ser um ideal a ser perseguido pela sociedade brasileira. Até que esse ideal seja atingido, os negros que esperem, uma vez que, mais importante do que a eliminação da exclusão e discriminação de que padecem, é a preservação de nosso estatuto republicano, segundo o qual somos todos iguais perante a lei sem distinção de qualquer natureza, apesar de ter sido consagrada, sob a sua égide, a supremacia branca em todas as esferas da vida social.
Mas é Norberto Bobbio que nos mostra sob que condições é possível assegurar a efetivação dos valores republicanos e democráticos. Para ele, impõe-se a noção de igualdade substantiva, um princípio igualitário porque ‘’elimina uma discriminação precedente'’. Bobbio compreende a igualdade formal entre os homens como uma exigência da razão, que não tem correspondência com a experiência histórica ou com uma dada realidade social, o que implica que “na afirmação e no reconhecimento dos direitos políticos, não se pode deixar de levar em conta determinadas diferenças, que justificam um tratamento não igual. Do mesmo modo, e com maior evidência, isso ocorre no campo dos direitos sociais” (Bobbio, 1992: 71).
Contudo, na direção oposta à de Bobbio e em fina sintonia com as elites políticas que, no Brasil, representam os interesses dos racialmente hegemônicos, há especialistas que se perfilam de forma decidida, às vezes contundente, até agressiva, para impedir a aprovação do Projeto de Lei 73/99, que institui a reserva de vagas nas instituições federais de ensino superior para negros, indígenas e estudantes oriundos de escolas públicas. E argumentam que é para não colocar em risco o ideal de uma sociedade a-racial. Parece ser mesmo o Brasil para inglês ver

domingo, 20 de abril de 2008

A raça "indesejável"

Preocupação com racismo contra negros e índios esconde o anti-semitismo histórico e presente da sociedade brasileira
Carlos Haag
Edição Impressa 146 - Abril 2008
Pesquisa FAPESP -
© Miguel Boyayan
Maria Luiza Tucci Carneiro

Eles se fingem de católicos, com cruzes e santinhos, tudo hipocrisia. Estou apavorado com o progresso dessa gente e revoltado com a displicência das autoridades, não só do Brasil como das Américas”, escreveu um cidadão comum ao Deops avisando sobre a presença de judeus no país. Detalhe: o ano da denúncia é 1947, dois anos após o fim da Segunda Guerra Mundial e da derrocada do nazismo e do Estado Novo. Ainda assim, ajudar refugiados judeus era visto como “crime contra a nação”. Ao mesmo tempo, ao longo da guerra, figuras corajosas como o embaixador brasileiro em Paris, Luiz Martins Souza Dantas, ou a assistente da Embaixada do Brasil em Berlim, Aracy Carvalho (mais tarde, sra. Guimarães Rosa), desobedecendo ordens do regime varguista, liberaram centenas de vistos para que judeus pudessem vir ao Brasil e sobreviver ao holocausto.
Pouco conhecido, em especial se com­parado com a intensa preocupação com o racismo contra negros ou índios, o anti-semitismo brasileiro só aos poucos vem sendo trazido à luz. Uma das responsáveis por isso é a historiadora Maria Luiza Tucci Carneiro, da USP, au­­­­tora de Preconceito racial no Brasil Colônia: cristãos-novos (Brasiliense, 1982); O anti-semitismo na era Vargas: 1930- 1945 (Brasiliense, 1988, 2ª edição, 1995); O racismo na história do Brasil: mito e realidade (Ática, 1994); O olhar europeu: o negro na iconografia brasileira do século XIX (co-autoria Boris Kossoy, Edusp, 1994). Agora, ela é a organizadora do recém-lançado estudo O anti-semitismo nas Américas (Edusp, 744 páginas, R$ 98), ao mesmo tempo que coor­dena o projeto Arquivo Virtual sobre o Holocausto e o Anti-semitismo no Brasil, que conta com apoio da FAPESP e está baseado no Laboratório de Estudos sobre Etnicidade, Racismo e Dis­criminação (Leer-USP), do qual ela é diretora. Milhares de documentos serão digitalizados e disponibilizados nes­se banco de dados, que registrará depoimentos de sobreviventes dos cam­­pos de concentração.

Leia, a seguir, trechos da entrevista.

O Brasil foi um país racista ou ainda o é ?

- O Brasil sempre foi e ainda é um país racista, apesar do “negacionismo” por parte de alguns segmentos da sociedade brasileira, que insistem na veiculação da imagem do país como um “paraíso racial”. Exatamente por convivermos com um racismo camuflado (e eu entendo o anti-semitismo como uma forma de racismo) é que devemos estar atentos aos subterfúgios. Desinformação, interesses políticos, alianças de compadrio, pesquisas históricas distorcidas e a mídia têm contribuído para fortalecer o senso comum, dificultando o exercício da crítica e o respeito às diferenças. O fato de não observarmos em nosso cotidiano agressões físicas e públicas contra negros, judeus ou ciganos não quer dizer que não aja racismo no Brasil, que pode variar desde o mais sutil sentimento de desconfiança e de desprezo até o mais violento ato de hostilidade física. A existência em São Paulo de uma Delegacia de Crimes Raciais, de o Direito brasileiro condenar e repudiar a prática do racismo e de constatarmos, cada vez mais, a adoção de cotas para negros nas universidades de­mons­tra que a nossa realidade, ainda que ex­pressiva do fenômeno da mestiçagem, não é tão cordial assim. Temos o diagnóstico, mas não chegamos ainda à pro­filaxia adequada, pontual.

Como analisar o desenvolvimento do anti-semitismo ao longo da história nacional, em especial se comparado ao ódio aos judeus em países do Primeiro Mundo, onde o sentimento é, em geral, mais “abertamente” declarado? A nossa “hipocrisia” racial também se repete no anti-semitismo?

- Acredito que o anti-semitismo deve ser analisado a partir de três vertentes: das relações de interação/conflito entre judeus e não-judeus; enquanto um fenômeno psicológico-cultural característico dos tempos modernos; e em fases distintas cujas características, muitas vezes, se superpõem. Esta abordagem é válida para qualquer país, guardadas as devidas especificidades históricas. As formas e graus de manifestação do anti-semitismo variam de acordo com as visões de mundo herdadas de um passado remoto e da persistência dos mitos políticos que interferem nas formas de manifestação. É nos momentos de crise aguda que o anti-semitismo encontra condições para se manifestar, seja através de um discurso forjado, seja explicitamente, como ocorre em alguns países do Primeiro Mundo. Em meus livros e pesquisas mais recentes tenho procurado demonstrar que o anti-semitismo é um fenômeno, por excelência, multifacetado, com capacidade de deformar realidades e de se metamorfosear como um camaleão. Mentira e dubiedade são componentes comuns aos discursos racistas, que transformam o ódio em normas que todos devem observar. É nesta camuflagem que vejo instalada a “hipocrisia”, atitude característica dos racistas em geral; sendo que a hipocrisia sempre se apresentou como uma ótima aliada da mentira.

Quais são as peculiaridades do anti-semitismo brasileiro e quais suas raízes? Como ele se desenvolveu do anti-semitismo colonial, calcado no catolicismo da Inquisição, até um modelo mais “moderno” de segregação?

- Para entendermos as tais peculiaridades do anti-semitismo brasileiro considero importante ressaltar que nem sempre é necessário que haja segregação para caracterizarmos um fenômeno como anti-semita. A mentira, o exagero, a generalização e a deturpação dos fatos históricos se fazem sempre presentes quando o intuito é atiçar o ódio contra os judeus. Daí o emprego de múltiplos conceitos para se caracterizar o anti-semitismo como cristão, econômico, popular, científico, político etc. Quando endossado pelo Estado, o anti-semitismo presta-se como instrumento político, tendo condições até mesmo de subsidiar um plano de extermínio por métodos científicos, como aconteceu na Alemanha nazista entre 1933 e 1945, fato único na história da humanidade. No Brasil, essa modalidade – do anti-semitismo político – existiu enquanto política de bastidores nos governos Vargas (1937-1945) e Dutra (1946-1950), que consideravam o judeu como “raça indesejável” para compor a população brasileira. Para compreendermos o caso do Brasil devemos buscar as raízes deste fenômeno na península Ibérica do século XIV, tema que desenvolvo em meu livro Preconceito racial em Portugal e Brasil Colônia. Foi com o desejo de abortar o desenvolvimento da burguesia cristã-nova que, em 1449, foi proclamada a Sentencia Estatuto de Toledo, que serviu de base para a construção do mito ariano, expressão da modernidade. Apoiado por homens letrados e pela Igreja Católica, institucionalizou-se o conceito de pureza de sangue responsável pela distinção entre “raças infectas” e “raças limpas de sangue”. Foi com base nesta crença que a Inquisição portuguesa e espanhola mandou prender e/ou queimar milhares de cristãos-novos alegando que esses descendentes de judeus eram perniciosos pelo “sangue que lhes corria nas veias”. Entre 1500 até 1774, portanto durante o período colonial, persistiu no Brasil esse anti-semitismo tradicional, de fundamentação teológica. Até 1808 percebemos uma retração deste discurso anti-semita sustentado pelo Estado absolutista e Tribunal da Inquisição portugueses, culminando com a diluição do mito da pureza de sangue. Considero o período de 1808 a 1860 como um estado de hibernação do anti-semitismo, que entre 1860 e 1916 reaparece na sua faceta “moderna”, subsidiado por obras teóricas européias que introduzem no Brasil o dar­winismo social, o evolucionismo, o arianismo e a eugenia. Estes princí­pios serão retomados nas décadas de 1930- 1940 sob a influência do ideário nazi-fascista. Podemos afirmar que entre 1937 e 1948 se processou a radicalização do pensamento anti-semita moderno no Brasil, adotado como instrumento de po­der pelo Estado nacional. Este momento condiz, exatamente, com a adoção de circulares secretas pelos governos de Vargas e Dutra.

No livro Anti-semitismo nas Américas, a pesquisadora Pilar Rahola culpa a mídia e a universidade pelo que chama de “novo anti-semitismo”. Como entender essa culpa?

- O anti-semitismo citado por Pilar Rahola deve ser interpretado como uma nova forma de intolerância, que se expande pela Europa, Oriente Médio e países das Américas. É um fenômeno distinto daquele sustentado pe­los nazistas que propunham o extermínio das raças impuras fundamentados nos princípios da ciência moderna. Hoje fala-se numa Alemanha para os alemães e não mais, como nos anos de 1930 e 40, numa Alemanha para os arianos, símbolos da raça pura. Se propaga a idéia de uma França só de franceses, de uma Espanha sem africanos etc. O Irã propõe uma Palestina “livre de judeus”, ameaça que beira o genocídio político e cultural. Enfim, defende-se a exclusividade da região para um único grupo que não respeita as diferenças, sejam elas étnicas, religiosas ou políticas. Retoma-se, de certa forma, o antigo conceito romano de bárbaro: “Aquele que não pertence ao Império e por isso não tem direito de usufuir de seu convívio e de seus benefícios”: é um “invasor”.

De que forma se organiza esse novo anti-semitismo e como ele se diferencia do tradicional?

- Este é um racismo diferente daquele que norteou a escravidão colonial e o nazismo. O argumento utilizado não é mais o da preservação da raça pura ou superior. Defende-se o direito que cada um tem de ser diferente, mas com um sentido discriminatório: cada um no seu lugar, cada povo no seu país. Sob fundamentos étnicos-políticos argumenta-se que alguns grupos não têm direito ao território ou que são culpados pelas mortes e pela miséria do “outro”, como acontece nos atuais conflitos no Oriente Médio, onde esse novo anti-semitismo (travestido de anti-sionismo) serve de argumento para atos terroristas. Nestes momentos o anti-semitismo emerge como reação e solução para a instabilidade política, para interesses de hegemonia na região e para a explosão demográfica. Como nos velhos tempos inquisitoriais ou nazistas, convém, para alguns poucos, manter viva a imagem de Israel como o “inimigo político”, apresentado como invasor, usurpador. Por trás está o comércio de armas, as propinas e outros expedientes lucrativos em tempos de guerra. Nem sempre a paz é interessante! Tanto é que algumas nações ocidentais e outras do Oriente Médio reabilitaram a imagem do judeu como eterno caminhante sem direito a um território, conceito interpretado à luz dos regimes antidemocráticos com conotações políticas. Portanto, é através da mídia e da educação que essa e outras tantas mentiras se multiplicam reafirmando a força que as imagens (mentais e visuais) e as palavras têm de interferir na realidade. É neste contexto que, como Rahola, vejo a mídia, que, em muitos casos, expressa as condições limitadas de alguns. Podemos falar em “imagens negociadas” deturpadas pela ignorância, por interesses econômicos e políticos, implicando na parcialidade de julgamentos. Quanto à universidade, não podemos ignorar a postura de alguns intelectuais da academia que não conseguem separar anti-semitismo de anti-sionismo e antiamericanismo. Lembro que, no passado, os intelectuais alemães foram os primeiros a apoiar Hitler e que importantes institutos de pesquisa louvaram a expulsão dos judeus de seus cargos colocando a ciência a serviço do III Reich.

O Estado brasileiro foi o grande promotor do anti-semitismo no Brasil. Podemos pensar que o anti-semitismo nacional é mais um produto estatal do que um genuíno sentimento difundido pelos indivíduos da população brasileira?

- Podemos afirmar que a Igreja Católica e o Estado brasileiro foram realmente um dos promotores do anti-semitismo que, entre 1917 e 1932, extrapolaram as fronteiras do discurso literário folhetinesco e da doutrinação católica, alcançando o saber técnico dos burocratas brasileiros. Neste período autoridades do Estado republicano – preocupadas com os projetos de colonização judaica e com o crescente número de imigrantes judeus russos, tchecos e poloneses interessados em entrar no país – deram início a uma política restritiva anti-semita, mas ainda assistemática. Após 1937 esse anti-semitismo foi endossado pelas elites política e diplomática brasileiras que não se tornaram coniventes ou omissas fem face das práticas de extermínio nazista. Mas este, infelizmente, não era um “produto genuíno estatal”. O fel dessa intolerância brotava também do pensamento conservador e nacionalista da direita católica, que, através de seus escritos e sermões, alimentou o ódio contra a comunidade judaica brasileira. Inúmeros são os intelectuais católicos e também integralistas brasileiros que produziram uma larga literatura anti-semita de matrizes francesas, alemãs e portu­guesas. Durante séculos a Igreja Católica pregou o anti-semitismo através de uma pedagogia própria e de uma literatura instigadora da desconfiança e do desprezo aos judeus. E quanto à população: expressivas são as cartas de delação contra os judeus refugiados do na­zi-fascismo radicados no Brasil. Nem mesmo a comunidade judaica brasileira tem a devida dimensão do quanto ela foi discriminada, vigiada e excluída pelas autoridades do Deops/SP e da diplomacia brasileira. Muitos continuam ofuscados pelos mitos da cordialidade e da hospitalidade brasileira que, por sua vez, mantêm vivo o mito da democracia racial. Em síntese ao nível do imaginário coletivo, o anti-semitismo cristão e popular jamais deixou de se manifestar no Brasil.

O governo Lula foi sempre visto com desconfiança pela comunidade judaica por suas simpatias pelo movimento palestino. Como a senhora analisa as relações atuais entre Brasil e Israel?

- A desconfiança da comunidade judaica tem razão de ser, pois o governo Lula tem se comportado com dubiedade em relação ao Oriente Médio e principalmente quando o tema diz respeito a Israel e aos países árabes, dentre os quais o Irã. Mas, para entendermos esta posição dicotômica do atual governo, devemos levar em consideração a posição histórica do Brasil ante o Estado de Israel. Um constante clima de tensão marcou, desde o início da Guerra Fria, a postura do governo brasileiro, comprometido, de um lado, com sua tradição anti-semita e, de outro, com os ideais democráticos defendidos pelos Estados Unidos. Era explícito que o governo do presidente Eurico Dutra (sucessor de Vargas) não via com bons olhos os rumos tomados pelo recém-criado Estado de Israel, candidato a “satélite comunista”. Incomodava-o a criação de kibutzim modelados pelas práticas socialistas, da mesma forma que estranhava o reconhecimento imediato da URSS a Israel, em 1948. A esses fatos somou-se o auxílio armamentista dado pela Tchecoslováquia, aliada dos israelenses contra os árabes insatisfeitos com a partilha da Palestina. Esse contexto pres­sionou o Brasil a retardar para 7 de fevereiro de 1949 seu reconhecimento oficial ao Estado de Israel e para 1952 o estabelecimento de delegações diplomáticas. Em maio de 1949, durante a Assembléia-geral da ONU, o Brasil se absteve na votação pela Resolução nº 273, condicionando seu voto à “estrita implementação de Israel das resoluções relativas à internaciona­lização de Jerusalém e à questão dos re­fugiados árabes”. O Brasil, país católico por tradição, não estava interessado em se opor ao Vaticano, favorável à internacionalização de Jerusalém; da mesma forma que não pretendia desagradar aos países árabes, cujas relações comerciais seriam intensificadas ao longo dos anos 1960 e 70. Em 1975, diante da crise mundial do petróleo, optou por uma postura radical: votou na Assembléia da ONU a favor da Resolução nº 3.379, que qualificava o “sio­­­­nismo como forma de racismo e discriminação racial”.

O anti-semitismo diz muito sobre como uma nação vê o estrangeiro, o “outro”. A partir desse contexto, como a senhora avalia o Brasil?

- Durante séculos o Estado brasileiro manteve uma postura xenófoba contra determinados grupos de estrangeiros que, por sua “raça” ou idéias políticas, eram considerados “indesejáveis” para compor a população brasileira. Dentre estes estavam os judeus, os negros, os ciganos e os japoneses, que, em distintos momentos da história republicana, enfrentaram uma política imigratória restritiva, de cunho racista, fundamentada nas teorias eugenistas que pregavam a homogeneização da população idealizada como branca e católica. Uma farta literatura antinipônica e anti-semita foi produzida por intelectuais brasileiros entre 1917-1950, registrando a persistência de uma mentalidade intolerante por parte das nossas elites políticas e intelectuais. Esta documentação está sendo inventariada por pesquisadores do Leer e que dará origem ao dicionário histórico-biográfico de obras e autores racistas do Brasil.

Um brasileiro, Oswaldo Aranha, participou ativamente da criação do Estado de Israel. Quais eram as reais motivações por trás desse apoio brasileiro na ONU?

- Oswaldo Aranha tem aqui um mérito: de ter garantido, enquanto americanófilo convicto, que o Brasil – durante a Segunda Guerra Mundial – não “caísse para o outro lado”, já que a maioria dos homens do governo Vargas, assim como o próprio Vargas, não ocultava suas simpatias pela política do III Reich e seu ideário anti-semita. Enquanto embaixador do Brasil em Washington (1934-1937), chanceler do Itamaraty (1938-1944), representante do Brasil na ONU (1947) e empresário da Gastal S.A. (desde 1946), Aranha foi um fiel aliado dos Estados Unidos. Tal postura talvez explique o fato de ele ter mantido secretas, enquanto ministro das Relações Exteriores, as circulares anti-semitas em prática desde 1937 a 1948. Não se esforçou para eliminá-las ou denunciá-las, nem favoreceu a ação humanitária daqueles que descumpriam tais regras anti-semitas. Haja vista que, durante a sua gestão, um processo administrativo “afastou” a bem do serviço público o embaixador Luiz Martins de Souza Dantas, hoje reconhecido como um dos justos pelo Yad Vashem. Tanto Vargas como Dutra preferiram investir na imagem idílica da Palestina enquanto “Terra Prometida” do que favorecer o acolhimento de judeus no território brasileiro. Para o governo brasileiro, a formação de um Estado judaico na Palestina extrapolava a idéia de esta ser apenas uma solução para a questão judaica. Os benefícios eram múltiplos: além de expressar o endosso do Brasil às iniciativas humanitárias dos Estados Unidos, também se apresentava como uma solução para o fluxo de “judeus indesejáveis”, (re)direcionados para o novo lar judaico, o futuro Estado de Israel.

A senhora acredita no recrudescimento recente do anti-semitismo global? A que atribuir esse incremento? Ao mesmo tempo, há um fascínio crescente pelo nazismo, por Hitler e seus símbolos. Como a senhora vê isso dentro do contexto do anti-semitismo crescente?

- Nestas últimas décadas o mundo foi sacudido por novas ondas de anti-semitismo propagado amplamente através de sites na internet a serviço de gru­pos neonazistas que têm também seus representantes aqui no Brasil. A intolerância apregoada pelo nazismo foi redimensionada por grupos, partidos e organizações contemporâneas de extrema direita e ultradireita, colocando em perigo nossas conquistas democráticas, ainda frágeis e em processo de afirmação. Enquanto partidários de um discurso nacionalista e racista fundado no culto à violência, no autoritarismo, na oposição à democracia e ao pluralismo racial devem ser vistos como um perigo real, e muito próximo de todos nós.

Uma escola de samba, a Viradouro, tentou levar para a avenida o tema do holocausto e foi proibida. Qual sua visão disso? Foi um ato de censura? Não seria importante levar o tema para mais pessoas?

- Não concordo com a proposta da escola de samba Viradouro nem vejo a proibição como um ato de censura. A escola poderia ter pensado outras formas de divulgar o holocausto, cuja rememoração não cabe na alegria do sambódromo. Por que não financiar ações positivas como, por exemplo, promover cursos sobre o tema direcionados aos seus jovens sambistas ou financiar livros paradidáticos sobre o holocausto e racismo para serem distribuídos nas escolas da periferia do Rio de Janeiro?

Num outro registro, a senhora defende a colocação do tema do holocausto na sala de aula. De que forma isso é importante e como se pode fazer isso sem misturas ideológicas?

- Acredito na educação como forma de criarmos um mundo melhor e uma sociedade mais justa e pluralista. Daí a educação ser uma das frentes de luta para combater a ignorância, estágio da (des)razão propício à fomentação do ódio racial. Desde 2004 temos procurado introduzir a história do holocausto nas salas de aula através da rea­lização de jornadas interdisciplinares em parceria com a B’nai B’rith do Brasil, o Programa de Estudos Judaicos da Uerj e as secretarias municipais de Educação de São Paulo, Rio de Janeiro e, dessa vez, somando com Curitiba. Através do Programa Educando para a Democracia e a Cidadania procuramos conscientizar diretores, professores e pais de alunos da necessidade emergente de incorporarmos o debate sobre racismo e anti-semitismo como temas transversais sugeridos pelos Parâmetros Curriculares Nacionais. Temos sugerido conteúdos e material didático para subsidiá-los na criação de seu planejamento de trabalho e de uma prática educativa coerente com o compromisso que as escolas têm de favorecer a construção da cidadania. Cabe, através dessas jornadas, eleger a dignidade da pessoa humana e a igualdade de direitos como princípios que devem orientar a educação escolar. Enfim, consideramos importante transformar a escola não apenas em um espaço de reprodução de conhecimentos, mas também em espaço de transformação social.

Muitos intelectuais e cientistas judeus vieram (ou tentaram vir) para o Brasil durante o nazismo. Qual foi a contribuição do pensamento judeu à cultura e ciên­cia nacionais por causa disso? O quanto também perdemos em razão do anti-semitismo velado do governo Vargas, que impediu a vinda de mais cabeças pensantes judaicas?

- Centenas de judeus refugiados do nazismo conseguiram visto para o Brasil burlando as regras impostas pelas Circulares Secretas sustentadas pelo Itamaraty entre 1937 e 1948. Muitos entraram com vistos de turistas, vistos capitalistas e, até mesmo, com falsos atestados de batismo de católicos. Cabe aqui ressaltar alguns nomes cuja produção acrescentou créditos para a cultura brasileira: Alice Brill, Axl Leskoschek, Claúdia Andujar, Erick Brill, Ernesto de Fiori, Eva Lieblich, Fayga Ostrower, Frans Krajcberg, Franz Josef Weismann, Georg Rado, Gerda Bretani, Samson Flexor, Walter Lewy, Nydia Lícia Pincherle Cardoso, Curt Schulze, Fredi Kleemann, Hans Günter Flieg, Peter Scheier, Anatol Rosenfeld, Otto Maria Carpeaux, Hebert Caro, Stefan Zweig, Paulo Rónai, Paul Frischauer, Fritz Pinkuss, Mathilde Maier, Paula Ludwig, dentre outros. Outras centenas tiveram seus pedidos de entrada no Brasil indeferidos por serem da “raça semita” e como tais indesejáveis. Perdemos sempre que o anti-semitismo é acionado como instrumento de poder.

Qual é o sentido da formação hoje de um arquivo brasileiro do holocausto, já que, para muitos, ocorreu há tanto tempo e em lugares distantes de nós?

- Desde agosto de 2007 desenvolvemos, com recursos da FAPESP, o projeto de criação de um arquivo virtual sobre holocausto e anti-semitismo. A idéia é de disponibilizarmos on-line cerca de 10 mil documentos diplomáticos expressivos da postura do governo brasileiro diante do holocausto e dos judeus refugiados do nazi-fascismo (1933-1948). Pretendemos também registrar os nomes e as trajetórias daqueles que fizeram do Brasil a sua terra de acolhimento, registrando neste inventário os sobreviventes dos campos de concentração e refugiados radicados no Brasil. A reconstituição das rotas de fuga, das ações anti-semitas e genocidas praticadas pelos nazistas e países colaboracionistas, os livros de memórias dos sobreviventes podem nos ajudar a combater a ignorância, além de alertar para a fragilidade das democracias que, na contramão da história, se deparam, muitas vezes, com sistemáticas violações dos direitos humanos. Informações podem ser enviadas para o arqshoah@usp.br – um espaço on-line dedicado à história e à memória do holocausto a partir de do­cumentos e testemunhos existentes no Brasil.

Expressões preconceituosas alertam para o racismo na infância

“Quando tinha uns seis anos de idade ouvi de vários colegas que eu tinha nascido na torradeira. Lembro de ter perguntado a minha mãe várias vezes de onde eu vim por ser diferente deles”, conta a universitária M., hoje com cerca de 20 anos, que estudou em uma escola particular de São Paulo (SP), na qual os colegas eram predominantemente brancos. “Parece brincadeira, mas tenho medo de me expor a situações onde comentários desse tipo possam surgir”, complementa. A situação vivida pela jovem negra, que preferiu não se identificar, não é exceção. Segundo os dados da tese de doutorado da socióloga Rita Fazzi, professora da Pontifica Universidade Católica de Minas Gerais, em discussões nas salas de aula, as crianças são capazes de reverberar extenso repertório racista, com xingamentos que vão de “tição” a “leite azedo” e poucas passam ilesas pelo período. No contexto internacional, segundo a Anti-Defamation League (em português, Liga Antidifamação) dos Estados Unidos, até os seis anos de idade cerca de 50% das crianças já apresentaram atitudes preconceituosas. Segundo os textos da organização, as práticas discriminatórias que começam cedo muitas vezes vêm disfarçadas de supostas brincadeiras, travestidas de uma certa inocência. Para a psicóloga da Equipe de Diagnóstico e Atendimento Clínico (Edac), Mariana Ticahuer, o valor do ato de apontar as diferenças está relacionado à idade da criança. “Quando uma criança é muito pequena e acontece algum episódio em que ela aponta uma diferença, como, por exemplo, ao entrar em um elevador, ela comenta com a mãe que a vizinha ali presente é gorda, ela dificilmente sabe que está agredindo ou magoando tal pessoa. Porém, as crianças mais velhas, que apontam as diferenças de forma pejorativa, por certo, têm consciência do mal que estão fazendo, mesmo sem saber precisar a intensidade das suas ações”, explica. De acordo com estudos internacionais, as crianças começam a perceber as diferenças raciais dos três aos cinco anos de idade e, ao passar do tempo, passam a julgá-las moralmente. Para a psicóloga Mariana, a educação e os valores que são passados em casa influenciam no modo com a criança se relaciona com o ambiente e com as pessoas que estão a sua volta. “Por isso o educador e a escola devem trabalhar com as diferenças mesmo antes que a discriminação aconteça. Explicar o porquê das diferenças e como é importante o contato com elas pode prevenir situações como a de M.”, explica. “Contudo, se a discriminação ocorre, é importante que haja o diálogo com a criança e muita orientação, além de uma importante conversa com os pais”, complementa. Mídia Com a perspectiva de informar, sem orientar para determinada linha ideológica ou educacional, o Canal Kids, site especializado em atividades para crianças, busca publicar matérias alertando para o racismo na escola. “Nossa preocupação não é guiá-los e sim oferecer ferramentas para que as crianças possam observar por si próprios suas ações”, explica o diretor executivo do veículo, Felipe Dianese. Porém, para ele, a infância é uma faixa etária muito heterogênea. “Hoje, vejo muito maior que o preconceito racial, o preconceito social entre as crianças. Não há muita distinção no ser e sim no ter. Mas, é claro que todos como sociedade devemos nos preocupar se a criança exibe um comentário de cunho discriminatório para assim com ela dialogar”, complementa. Em discurso especial proclamado em 2006, o ex-secretário-geral da Organização das Nações Unidas (NOU) Kofi Annan indicou que o combate ao preconceito começa cedo, antes mesmo que ele surja. “Nenhum de nós nasceu para odiar. A intolerância aprende-se e, portanto, é possível desaprendê-la. As garantias jurídicas são uma parte fundamental desta luta, mas a educação deve estar em primeiro plano. A educação pode favorecer a tomada de consciência e cultivar a tolerância. Deve começar em casa - onde, afinal de contas, têm origem muitas das atitudes racistas -, continuar na escola e ser integrada no nosso discurso público. Nesta luta contra a intolerância, os cidadãos devem ser simultaneamente professores e alunos”, concluiu.
Por Julia Dietrich, do Aprendiz
(Envolverde/Aprendiz)

Por que, afinal, existe trabalho escravo no Brasil?

No ano em que o etanol brasileiro virou vedete internacional devido à busca por alternativas ao petróleo e o presidente Lula disse que os usineiros estavam deixando de ser "bandidos" para se tornarem "heróis", o país bateu o recorde de libertações de escravos em fazendas de cana-de-açúcar. Como era de se esperar, o sucesso econômico ficou na mão de poucos e não se traduziu em melhoria da qualidade de vida dos trabalhadores. Pelo contrário: dos 5.973 libertados da escravidão pelo governo federal em 2007, 52% - 3131 - estava em atividades ligadas à cana-de-açúcar nos Estados do Pará, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, Goiás, São Paulo e Ceará. Em 2006, houve o registro de 289 trabalhadores libertados no setor sucroalcooleiro, e, no ano anterior, apenas em uma das ações 1.003 ganharam a liberdade, na Destilaria Gameleira, em Confresa (MT). Em 2007, a cana ficou em primeiro lugar no número de libertados devido à grande quantidade de mão-de-obra que utiliza. Contudo, os pecuaristas continuam ocupando o topo do pódio em quantidade de fazendas que escravizam. A maior libertação do ano (e de todos os tempos) ocorreu na fazenda e usina Pagrisa, em Ulianópolis (PA). Em junho de 2007, 1.064 pessoas foram resgatadas da propriedade. Políticos, como os senadores Flexa Ribeiro (PSDB-PA) e Kátia Abreu (DEM-TO), e lideranças patronais pressionaram os auditores fiscais para que fosse revista a autuação. Por conta disso, o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) optou por interromper temporariamente as operações dos grupos móveis, levando a manifestações e atos de apoio à fiscalização em todo o país. Na avaliação das instituições da sociedade civil que atuam no combate ao trabalho escravo, o Caso Pagrisa acabou fortalecendo as instituições que atuam nessa área e trouxe novamente para o debate temas como a PEC do Trabalho Escravo, que prevê o confisco de terras em que o crime for encontrado e sua destinação à reforma agrária. Devido ao aumento da produção de etanol, o Ministério do Trabalho e Emprego e o Ministério Público do Trabalho (MPT) promoveram ações especiais para averiguar as condições de trabalho e fiscalizar o setor sucroalcooleiro. Isso resultou em aumento do número de flagrantes. Ou seja, ao mesmo tempo em que a expansão da cana para novas áreas estava gerando um aumento nos casos de trabalho escravo, também uma demanda reprimida passou a ser fiscalizada com mais intensidade neste ano, revelando uma situação precária em regiões em que a cultura tem uma tradição histórica. A incidência do trabalho escravo está concentrada nas regiões de expansão agropecuária da Amazônia e do Cerrado. Contudo, há casos confirmados nos Estados de São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais e Rio Grande do Sul, o que demonstra que a origem desse fenômeno não está vinculada apenas à fronteira agrícola, mas a outro elemento que perpassa realidades sociais diferentes. Que elemento é este? O que garante que práticas que pareciam extintas, vinculadas a modos de produção que aparentemente foram destruídos pelo avanço do capital, continuem existindo? Os relatórios de fiscalização do Ministério do Trabalho mostram que os empregadores envolvidos nesse tipo de exploração não são pequenos sitiantes isolados economicamente do restante da sociedade, mas na maioria das vezes, latifundiários, muitos deles produzindo com tecnologia de ponta. Não importa que a fazenda esteja escondida no meio da fronteira agrícola, ela estará conectada pelo comércio ao sistema global e dele dependente. Prova disso são as pesquisas de cadeias produtivas da ONG Repórter Brasil realizadas em 2004 e 2007: elas mostram como mercadorias produzidas em propriedades que utilizaram mão-de-obra escrava são vendidas para a indústria e o comércio dentro e fora do Brasil. A produção capitalista necessita de espaços não-capitalistas para se desenvolver. Em função de sua natureza e forma de existência, não admite limitações na aquisição de matéria-prima e na criação de mercados. Vale lembrar que ao longo de séculos, países e corporações têm ido à guerra por esse motivo. Em um curto espaço de tempo, de acordo com uma sinalização de demanda pelos centros capitalistas nacionais e globais, os empreendimentos agropecuários são capazes de se expandir sobre áreas, na maioria das vezes, ocupadas por populações que vivem sob um modo de produção não-capitalista. Em questão de anos, surgem grandes fazendas de gado, lavouras de soja, algodão e cana-de-açúcar, além de carvoarias, produzindo matéria-prima e gêneros alimentícios, onde antes viviam populações indígenas, camponeses, comunidades quilombolas ou ribeirinhas. Nessa expansão, coexistem tecnologia de ponta, vendida e financiada pelos mesmos centros capitalistas nacionais e globais, e formas ilegais de trabalho. O que parece contraditório na verdade expressa um processo fundamental para o desenvolvimento desses empreendimentos, acelerando sua capitalização e garantindo a capacidade de concorrência. A utilização de trabalho escravo contemporâneo não é resquício de modos de produção arcaicos que sobreviveram provisoriamente à introdução do capitalismo, mas sim um instrumento utilizado pelo próprio capital para facilitar a acumulação em seu processo de expansão. A superexploração do trabalho, da qual a escravidão é sua forma mais cruel, é deliberadamente utilizada em determinadas regiões e circunstâncias como parte integrante e instrumento do capital. Sem ela, empreendimentos mais atrasados em áreas de expansão não teriam a mesma capacidade de concorrer na economia globalizada. Por conseguinte, o crescimento da oferta de produtos agropecuários no mercado seria mais lento, o que reduziria o ritmo de queda dos preços das matérias-primas em escala global, prejudicando o comércio e a indústria que demandam sempre mais por menos. Há condições sociais que facilitam a disponibilização de mão-de-obra para essa pilhagem constante da força de trabalho. Em verdade, elas são conseqüências do próprio sistema, como o crescimento do exército de reserva de mão-de-obra que resulta da progressiva redução da participação relativa do trabalho na composição do capital. Mas também do processo de grilagem e expulsão de posseiros e de outras populações tradicionais de suas terras na região de fronteira agrícola amazônica - freqüente durante o regime militar nas décadas de 70 e 80 e que se mantém ainda hoje - que serve tanto para aumentar o contingente de mão-de-obra para o campo e as cidades, quanto para ampliar os territórios dos empresários. Isso, estruturalmente, gera um excedente alijado de meios de produção e emprego, diminuindo o valor de mercado a ser pago por um serviço. Os trabalhadores são impelidos a aceitar a oferta de serviço do "gato", mesmo não recebendo garantias de que as promessas dadas no momento do recrutamento serão cumpridas. Baseado nesse contexto de fragilidade social, promovido pelo próprio capital, o capitalista pode utilizar a mão-de-obra necessária pagando o montante que desejar. Que pode ser nada no caso do trabalho análogo ao escravo. As propriedades rurais mais atrasadas do ponto de vista tecnológico tendem a compensar essa diferença através de uma constante redução da participação do "trabalho" no seu custo total. Simulam dessa forma uma composição orgânica do capital de um empreendimento mais moderno, em que a diminuição da participação do custo do trabalho através do desenvolvimento tecnógico. Em outras palavras, há fazendeiros que retiram o couro do trabalhador para poder concorrer no mercado. Outros se aproveitam dessa alternativa não para gerar competitividade, mas para capitalizar-se durante um período de tempo (e depois trocar trabalhadores por colheitadeiras) ou aumentar sua margem de lucro. A escravidão contemporânea não é um desvio, portanto, e sim mais uma aparente contradição do capital que utiliza formas que parecem negar a sua própria natureza, ignorando assalariamento e o contrato social estabelecido entre tomadores e vendedores de força de trabalho. Parte do Estado tem desempenhado um importante papel nesse processo ao garantir as condições estruturais e financeiras e segurança para possibilitar o desenvolvimento econômico em situações e regiões de expansão agropecuária e do extrativismo. Proprietários rurais que utilizaram mão-de-obra escrava possuem representação política ou participam direta ou indiretamente das decisões que protegem esse modelo. Ao mesmo tempo, há setores do Estado qu são atores fundamentais no combate à escravidão. Os grupos móveis de fiscalização, formados pelo Ministério do Trabalho e Emprego, Ministério Público do Trabalho e Polícia Federal, têm atuado constantemente na libertação de escravos. E indenizações milionárias contra fazendeiros vêm sendo concedidas pela Justiça do Trabalho atendendo a ações de procuradores. No acumulado, de 1995 até o final de 2007, quando foi implantado o sistema de combate ao trabalho escravo, 28.508 pessoas foram libertadas. Contudo, isso é pouco. E não por conta da diferença entre denúncias (50.564 entre 1996 e 2007) e libertações, mas porque, em nenhum momento, o Estado tem atuado para desestruturar ou subverter o sistema que produz as condições necessárias ao surgimento de escravos, como a concentração de terras e de meios de produção no campo nas mãos de poucos. No curto prazo, como medida paliativa, pode-se atacar a possibilidade da realização de lucros obtidos através do trabalho escravo, inviabilizando economicamente os empreendimentos que adotam essa prática. Isso pode acontecer através de boicote aos produtos ou vedação de crédito. Bancos públicos (e alguns privados) e empresas já têm evitado relacionamento financeiro e comercial com empregadores que usaram escravos, graças à "lista suja" do governo federal e ao Pacto Nacional pela Erradicação do Trabalho Escravo, que hoje conta com mais de 100 signatários. A questão é comercial. As empresas não querem ter sua imagem associada ao trabalho escravo, considerando que há um mercado global extremamente competitivo em que a vinculação de um ator a um risco desses pode levá-lo a ser preterido comercialmente dentro e fora do país. Ou mesmo receber um um calote porque o proprietário deslocou todo os seus recursos para o pagamento de indenizações por trabalho escravo. O trabalho escravo contemporâneo não é uma doença, mas sim uma febre, o sintoma de um problema maior que se manifesta na expansão ou modernização de empreendimentos. Portanto, a sua erradicação não virá apenas com a libertação de trabalhadores, equivalentes a um remédio anti-térmico - necessária, mas paliativa. Erradicar o trabalho escravo contemporâneo passa por uma mudança profunda que altere a lógica do sistema. Nesse contexto, a Comissão Pastoral da Terra, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, entre outros movimentos sociais, sindicatos de trabalhadores rurais, associações de economia solidária e organizações não-governamentais defendem a realização de uma ampla reforma agrária como elemento fundamental no combate à escravidão. A distribuição de terra não é a panacéia para o problema da exploração do trabalho no país. Mas ela representa uma mudança na estrutura do capital e no modelo de expansão do modo de produção. Mesmo que parcial, a socialização dos meios de produção no campo significaria um pesado golpe no capital que, direta ou indiretamente, se aproveita do exército reserva de mão-de-obra disponível para superexplorá-lo. Uma reforma agrária real não representaria o fim da transformação de seres humanos em instrumentos descartáveis de trabalho. Mas seria um sinal de que não precisaríamos esperar que a expansão do capital absorvesse todas as realidades externas a ele, fechando por fim a última fronteira agrícola do planeta e levando a um colapso do sistema. A classe trabalhadora pode intervir na aparentemente inexorável marcha da história, libertando-se dos que a escravizam e produzindo seu próprio destino.
*Jornalista e doutor em Ciência Política, é coordenador da ONG Repórter Brasil. Este artigo integra o "Caderno Conflitos no Campo Brasil 2007", da Comissão Pastoral da Terra.

quarta-feira, 9 de abril de 2008

O abismo, o vulcão e a [est]ética da periferia

by Israel do Vale*
A passagem de Mano Brown pela televisão, na última segunda- feira, causou estranheza e decepção. E gerou, como reação, um bom arrazoado de bobagens na imprensa vigilante dos interesses de certa classe média/medíocre.Não tenho procuração para defender Brown. E nem intenção disso. Mas cobrar dele o que não é me parece estúpido de saída. Foi assim que reagiram, na média, colunistas e repórteres da mídia "bula de remédio", esta que se presta a mastigar idéias pré-moldadas para que o consumidor de frases de efeito "não raro, preconceituosas" possa digerilas com tranqüilidade, no conforto do seu lar. É do que vivem as revistas semanais, sobretudo. Atacar Brown é fácil. Entrevistálo, não. Mais difícil ainda é dar-lhe o direito de ser contraditório - coisa que ele próprio admite. E entender a complexidade do que ele representa. Os convidados do "Roda Viva" sentiram isso na pele. É preciso reconhecer o mérito da TV Cultura em colocar Mano Brown por duas horas na televisão. Brown é arredio. Avesso à imprensa, deixouse entrevistar raríssimas vezes nas quase duas décadas à frente do mais influente "e contundente" grupo de rap do país, os Racionais MCs. O pecado original, no rol de boas intenções do programa, foi a composição equivocada da banca de entrevistadores.Mais do que um fenômeno musical [apropriado pela indústria, assimilado pelo comércio], o rap é um fenômeno social. Se fez sozinho, do nada, numa extensa rede [subterrânea] de relacionamento, uma espécie de "Internet a carvão", pré-tecnológica, que se expandiu no corpo a corpo, por sinais de fumaça.O elenco de entrevistadores "de grife" girou em falso [intimidado? reverente?] e extraiu pouco de proveitoso do rapper. Pé atrás como de hábito, Brown agiu como um lutador de boxe que fica na defensiva, esperando o bote para desviar-se dele e responder com um cruzado. Mas o bote simplesmente não veio. Não veio pela absoluta falta de intimidade dos entrevistadores com o tema e com o que ele significa, do ponto de vista artístico e social. E pela dificuldade de compreensão de uma lógica particular [e longínqua], que independe do reconhecimentopadrão [da mídia, do mercado formal, do suposto formador de opinião]. O que Brown mostra é que a periferia cansou de esperar. De esperar o ônibus, o hospital, o esgoto encanado, o direito de dizer por si própria quem ela é - para além das estatísticas e dos pré-conceitos. Cansou de esperar e resolveu encontrar saídas próprias, erigindo uma espécie de "second life" da sobrevivência e da ética, de vísceras expostas, para além das convenções morais, sociais e até mesmo da letra da lei. Brown precisa ser desvendado pelo que não disse. Desconfortável, expôs suas limitações como orador - e decepcionou aqueles que sempre tentaram tatuar nele a imagem de messias. Brown não quer comandar nada. Não quer conclamar a nada. Não quer ser líder da periferia. Se é influente [e isso, sim, ele é!] é porque fala de igual para igual para seus pares. E não se trata de oratória, mas de legitimidade.Mano Brown é, em minha modesta opinião, um dos maiores compositores da música popular brasileira de todos os tempos. Um artista pleno, senhor do seu tempo. Está para a periferia como Chico Buarque e Caetano Veloso estão para a classe média. Basta se debruçar com calma sobre qualquer das suas letras [quase palpáveis de tão visuais] para decifrar sua capacidade narrativa, de superpor dois níveis paralelos de elaboração, do descrito e do imaginado.Uma letra dos Racionais diz mais sobre este país que a maior parte da produção acadêmica de fundo social- sociológico, antropológico. E é assim porque diz de dentro, com a crueza "e a poesia embrutecida" que só quem vive é capaz de forjar. Brown é inteligentíssimo, para além da capacidade de elaboração do raciocínio em linha reta que se possa cobrar dele. Fala sinuosamente sim, de maneira entrecortada, em espiral. É fruto de uma formação truncada, do aprendizado das ruas, da leitura esparsa de referências como Malcolm X, a partir de uma biografia que lhe foi entregue por um cara essencial no rap nacional chamado Milton Salles "o [homem por trás da banda", sempre incógnito, que batizou o grupo e pegou Brown pela mão - a quem conheci nos idos de editor deste caderno, por uma ligação espontânea dele para a redação, entusiasmado pela descoberta da seção Blequitude, dez anos atrás].Mano Brown tem plena consciência do que é estar na mídia. E sempre desdenhou dela. Estive com ele uma boa dúzia de vezes, quase sempre nos camarins do grupo. Desconfiado, embora cordial, nunca se deixou entrevistar. Só se soltava na conversa quando o assunto derivava da música - especialmente para o futebol [santista roxo que é]. Supor que empunharia bandeiras e oficializaria a candidatura a mártir que tantas vezes lhe ofereceram é realmente subestimá-lo. Cobrar uma atitude legalista, politicamente correta, de quem vive no universo paralelo, à margem das contrapartidas sociais mais básicas, é inverter o ônus da culpa. O abismo entre entrevistadores e Mano Brown é sintomático de certo estado de estranhamento. É preciso vencer o apartheid [de relacionamento] social. Estabelecer laços. Criar cumplicidades. Ou a panela de pressão que arde em fogo brando [e dá origem a episódios como o do ataque do PCC, uma "surpresa" que é fruto da absoluta falta de entendimento e interlocução com este segmento da população] se sedimentará em vulcão. E quem controla a fúria do vulcão?

terça-feira, 8 de abril de 2008

Rumo ao passado

Assiste-se um momento de curiosa “revolução” nos estudos sociológicos acerca das características do povo brasileiro. Primeiro foi uma avalanche de matérias noticiando as novas formulações sobre as nossas relações raciais. As suas conclusões são conhecidas: não somos racistas, ninguém é negro ou branco, pois o DNA de nossa população é uma mixórdia, segundo os estudos genéticos, por isso as políticas públicas para a promoção de negros seriam uma aberração além de ameaça à paz racial reinante. Falta demonstrar apenas que nem a escravidão existiu!
Agora outros estudos nos mostram que o povo brasileiro é mais conservador, fatalista e tolerante com a corrupção do que as elites nacionais, dando margem a interpretações de que o país é um descalabro moral por conta de seu povo. São idéias apresentadas como novas, mas que ecoam outras das primeiras décadas do século 20, quando os intelectuais brasileiros se debatiam sobre a viabilidade do país vir a se desenvolver com o povo de que dispunha. O ceticismo racial da época decretava que com essa massa ignorante e escura o país jamais adentraria à modernidade.Ou seja, há uma elite que se pensa divorciada de seu povo. Que entende ser responsabilidade desse povo prover-se, por sua própria conta, de educação, e diante de sua impossibilidade de fazê-lo, vê aí a explicação para o atraso do país como se não fosse obrigação da elite que o governa, e controla os meios de produção, ofertar-lhe educação e emprego.A visita do presidente Lula aos países escandinavos é emblemática sobre o quanto difere a mentalidade de nossas elites das de países desenvolvidos. Diz Clóvis Rossi na cobertura da viagem do presidente Lula aos países nórdicos que a Dinamarca, por exemplo, “acaba sendo um desmentido cabal à crítica mais recorrente sobre exageros, supostos ou reais, do modelo de estado de bem-estar social. Dizem os críticos que as prestações sociais são tão generosas que desestimulam o cidadão desempregado a procurar emprego, porque recebe, sem trabalhar, subsídio tão alto que fica próximo do salário, se trabalhasse.No entanto, diz ainda Rossi, “o desemprego é praticamente residual (3,3%). Melhor ainda: estão conseguindo trabalho até os ‘inempregáveis’ , aqueles que carecem da idade e das habilitações mais demandadas pelo mercado na economia moderna”.No Brasil, as classes média e alta revoltam-se pelo fato de parte dos impostos que o Estado recolhe de seus bolsos serem destinados a programas de transferência de renda para os mais pobres, quando deveriam é se envergonharem do valor irrisório destinado a esses programas e, sobretudo, pela ausência histórica de uma política ampla de proteção social que nos poupasse da vergonha de ver milhões de pessoas vivendo em condição de indignidade humana. Mas, se dirá que os países nórdicos são ricos; como se a riqueza e a qualidade de vida que hoje exibem não fossem produto de opções políticas, econômicas e sociais feitas ao longo de suas histórias.Estive em Oslo, Noruega, e procurei compreender como aquele estado de bem-estar social foi alcançado. A resposta que, em geral, ouvi, foi que no final do século 19 e início do 20 o país era extremamente pobre; esteve sob ocupação da Alemanha durante cinco anos, saindo devastado da 2ª Guerra Mundial. Na década de 60, o boom do petróleo tornou a Noruega o país europeu com as maiores reservas e alavancou o nível de desenvolvimento que hoje desfruta.Mas, segundo eles, esse desenvolvimento teria sido orientado por valores culturais compartilhados pelas elites nacionais e o povo. E o mais importante, o que eles nomeiam de igualitarismo, que vigoraria desde o início do século 20, quando a monarquia e os trabalhadores construíram um tipo de consenso social que politicamente se expressa no repúdio a grandes assimetrias sociais e, numa atitude modesta, diante da riqueza.A primeira ministra da Finlândia indica os parâmetros éticos que os orientam. Diz ela: “Achamos que as decisões que repercutem em várias gerações têm de visar justiça e igualdade social. As crianças não podem escolher seus pais, então o Estado tem que apoiar as famílias com crianças. Investir nas crianças, nos adultos e no meio ambiente (…)”.Ao contrário desses países, a descrença crônica em relação ao povo brasileiro, persistente nas elites, sempre limitou a vontade política de nele investir. É uma constatação presente em obras de diversos estudiosos, que demonstram que o Brasil optou pela desigualdade. O filósofo Paulo Carbonari, em seminário recente, assim sintetiza essa outra corrente de interpretação de nossa realidade social: “O Brasil optou por (não) integrar negros e indígenas. Aqui está uma das raízes da desigualdade. Também optou pela violência como forma de resolução de conflito social”.São as conseqüências dessas escolhas que as elites nacionais e alguns intelectuais insistem em atribuir à “natureza”, ignorância ou reacionarismo do povo. Depois dos ganhos havidos na compreensão da origem de nossas mazelas sociais há os que preferem reiterar idéias do começo do século passado com as quais se desresponsabilizam pelos nossos males no presente.

Obama para todos os gostos

A onda de mudanças políticas que parecia fenômeno latino-americano atinge as eleições presidenciais dos EUA. Em cada lugar ela se manifesta de diferentes maneiras guardando respeito às características culturais e políticas de cada país ou região, mas elas têm em comum os ventos de mudança. Nada mais emblemático do que a polarização das candidaturas do senador negro Barack Obama e a senadora Hillary Clinton pela indicação do Partido Democrata para a sucessão do presidente George Bush na Casa Branca.
Gênero e raça são temas importantes na sociedade norte-americana porque representam um desafio para a realização da igualdade. E a possibilidade de um homem negro ou uma mulher branca se tornarem presidente dos EUA renovam a confiança na vitalidade da democracia americana, na sua capacidade de se renovar e se reinventar. Os que simbolizam grupos historicamente excluídos ou discriminados são chamados a ofertar originalidade, renovação, mudança e esperança na (des)ordem do mundo.
Além do interesse que desperta, a simbologia que cada candidato carrega presta-se a variadas apropriações, em diferentes contextos, que extrapolam os limites geográficos e os interesses em jogo naquele país. A candidatura de Obama, com alto grau de adesão da população branca norte-americana, é vista por analistas como sintoma do progresso nas relações raciais nos EUA que nessa leitura significaria ter ele se tornado opção eleitoral efetiva para grandes parcelas dos norte-americanos a despeito de sua cor para uns, ou, para outros, da suposta “neutralidade racial”.
No Brasil, em razão dessas supostas características, Obama tornou-se a nova arma dos formadores de opinião que combatem as políticas de igualdade racial, em especial as cotas nas universidades brasileiras. Em chamadas de matérias da imprensa nacional sobre as prévias nos EUA, lê-se, que “Obama tornou cor irrelevante na campanha”. Outras reiteram como aspecto mais interessante de sua candidatura o que analistas consideram ser a sua “laicidade” ou “desenraizamento ” racial. Há os que atribuem as características ao pertencimento birracial. Outros artigos destacam trechos de seu livro A audácia da esperança, em que ele discorre sobre a necessidade de ajustes nas políticas raciais norte-americanas.
Curiosamente, a inferida neutralidade racial atribuída a Obama e tão enfatizada por certos analistas nacionais, tanto quanto o fato dele ser filho de mãe branca e pai negro e ter parentes de diferentes tonalidades, não são capazes de fazer que ele seja percebido dentro e fora dos EUA como apenas um candidato à Presidência dos EUA. Ele é sempre referido como candidato negro e só seria viável por não se fazer perceber como tal.
Tem-se, nesse caso, uma perversão daquela sentença que diz que à mulher de César não lhe basta ser honesta. Ela deve também parecer honesta. No caso dos negros essa idéia adquire bizarra formulação: pode-se até ser negro, mas não se deve parecer negro.Em outra dimensão, as abordagens sobre a candidatura de Obama expõem também as contradições em que são enredadas as candidaturas negras lá e cá. De um lado, ser um negro que faz da política de identidade racial o motor do posicionamento político é visto como limitador ou impeditivo para que o candidato possa alcançar um universo mais amplo de eleitores ou representar interesses coletivos. De outro, relativizar a política de identidade numa estratégia política tornaria o candidato um desenraizado, menos negro. No entanto, em qualquer desses enquadramentos, o candidato permanece sempre negro. A reiteração constante da negritude de Obama presta-se para negá-la.
Porém, o senador negro não cai facilmente na armadilha de prestar-se ao velho jogo, sempre proposto pelo poder branco, de usar um negro de sucesso para reiterar os estigmas que pesam contra os outros e barra-lhes as reivindicações. No livro A audácia da esperança, ele descreve o que denomina de “ritual de mesquinharias” que todo homem negro tem que suportar: de segurança que o seguiram em lojas de departamentos, casais brancos entregando a chave do carro a ele do lado de fora de restaurantes, confundindo-o com o manobrista. “(…) Eu sei como é quando as pessoas me dizem que não posso fazer algo por causa da minha cor e eu sei o gosto amargo do orgulho negro engolido.”
Como ele declarou num programa de TV: “Na calada da noite, em uma rua deserta de qualquer grande cidade, um motorista de táxi iria vê-lo com certa suspeita em vez de exclamar olha aí, um cara legal, meio branco, meio negro. Os que preferem ver em Obama “neutralidade racial” são os que nos propõem a dissolução da negritude num universalismo que suprime, autoritariamente, as nossas identidades.
Desvendando essa trama, Aimée Cesaire ensinou que “há duas maneiras de se perder: por segregação na particularidade ou por diluição na universalidade”. Há muitas formas de viver e politizar a negritude. Obama é uma delas.

Pesos e Medidas

Não, não há racismo na demissão de uma gestora pública em nível de ministra sobre a qual pairem suspeitas de uso indevido de dinheiro público ou erro administrativo — tratando-se ou não de pessoa negra. Há, no entanto, racismo e discriminação no tratamento que foi dispensado à ex-ministra Matilde Ribeiro dentro e fora do governo.
A ministra não é chamada pelo presidente da República, de quem seria pessoa de confiança, para se explicar. É sabatinada com direito a muitos “pitos” e aconselhamento para se demitir por outros três ministros supostamente equivalentes a ela. Evidencia-se aí o que parece ser o caráter simbólico do título de ministra. Demitida, é exposta numa patética coletiva de imprensa, jogada aos leões, sem a presença de nenhuma das figuras de expressão do governo ou de seu partido para emprestar-lhe “solidariedade” como houve em outros casos similares.
Na mídia, proliferam charges que extrapolaram, em muito, o objeto central das irregularidades de que era acusada. De forma grotesca, deram plena vazão aos estereótipos. As ilustrações de sua figura nos órgãos de imprensa serviram-se de todos os clichês correntes em relação às pessoas negras. Em uma delas, ela é representada sambando com batas africanas e tranças rastafári, como se esses traços de identidade falassem por si e, portanto, explicassem os erros que lhe custaram o cargo.
Foucault já explicou como se dá esse processo que ele nomeou de “dobrar o delito” acoplando-lhe “uma série de outras coisas que não são o delito mesmo, mas uma série de comportamentos, de maneiras de ser que (…) são apresentadas como a causa, a origem, a motivação, o ponto de partida do delito”. O resultado dessa operação é que a falha cometida se torna a marca, o sinal de uma suposta imperfeição congênita de uma pessoa ou, mais ainda, de seu grupo social.
É como se estivesse inscrito em sua natureza, devendo, por isso, ser objeto de humilhação pública para servir de alerta aos que se esquecem dessa ausência “natural” de qualidade e os elevam a posições para as quais não estariam talhados. Presta-se também como ameaça aos outros, do mesmo grupo inferiorizado, que porventura ousem desejar atingir os mesmos postos. São formas de punição preventivas e educativas em que a estigmatização e a humilhação funcionam para reafirmar a incapacidade e despreparo para assumir função diretiva. Em outras palavras, a necessidade de controle social e tutela desses segmentos sociais.
Adicional e imediatamente promoveu-se a confusão entre a pessoa da ministra e sua pasta. Passaram a pedir não apenas a sua cabeça mas também a extinção do órgão que dirigia. Alguém imagina pedir-se a extinção de qualquer outro ministério ou secretaria especial porque seu titular cometeu um desvio de conduta?
Veiculou-se na imprensa que o presidente Lula estaria “particularmente aborrecido porque lutou muito pela criação da Secretaria da Igualdade Racial, antiga reivindicação do movimento negro, e foi criticado pela decisão de criar mais uma pasta. Para o presidente a atitude de Matilde Ribeiro dá agora argumentos aos adversários para quem a secretaria não tem função”.
Ora presidente, a disfunção da então ministra não pode confundir-se com a função da secretaria como desejam os adversários. A contaminação dos atos da ministra sobre a pasta que estava sob seu comando pode ser justificativa para ceder às pressões daqueles que, dentro e fora do governo, operam para a desestabilização daquele órgão; aqueles que propagam que não somos racistas no Brasil e, portanto, negam as mazelas sociais que o racismo produz e conseqüentemente esvaziam de sentido essa secretaria.
Enquanto Matilde Ribeiro é convidada a se demitir, outros se tornam ministros ou assumem mandatos parlamentares com suspeitas muito graves. Portanto, há discriminação quando as regras não se aplicam igualmente a todos, ou melhor, no fato de que alguns devem ser exemplarmente punidos e outros não. Há racismo na associação entre a negritude da ministra e seus atos. Há racismo no aproveitamento político de falha pessoal de uma gestora pública para a desqualificação da pasta que ela dirigia. Há racismo na utilização das irregularidades cometidas para negar a existência do problema racial e da necessidade de que o seu combate seja objeto de políticas públicas.
A agenda de combate ao racismo e promoção da igualdade racial permanece como compromisso do governo no plano nacional e internacional, gostem ou não gostem os detratores. O presidente Lula da Silva precisa estar atento para que o caso de Matilde Ribeiro não seja usado, indevidamente, como o álibi perfeito para o abandono e negação desses compromissos. A crise na Seppir é também oportunidade de dotá-la das condições políticas e materiais necessárias para estar à altura desses compromissos — sobretudo o de transversalizar o tema da promoção da igualdade racial nas diversas áreas da administração pública.

sábado, 5 de abril de 2008

OS VARIOS USOS DO CRISTIANISMO

  1. --------------------------------Vamos descrucificar Jesus ??????---------------------------------Organização racista branca estadunidense. O nome, cujo registro mais antigo é de 1867, parece derivar da palavra grega kuklos, que significa 'círculos, anel', e da palavra inglesa clan (clã) escrita com k. Essa transcrição incorreta pode ter sido intencional, mas parece indicar o baixo nível de escolaridade de seus prováveis fundadores, agricultores brancos pobres hostis à competição com os negros libertos após a Guerra da Secessão. Devido aos métodos violentos da KKK, há a hipótese de o nome ter-se inspirado no som feito quando se coloca um rifle pronto para atirar. A organização buscou manter seu domínio através do terror, estimulando o linchamento de negros e, quando era mais influente, pressionando políticos. Além de pregar o racismo, a KKK defende valores tradicionais do American way of life, como a fé cristã protestante, a fidelidade conjugal, o etnocentrismo e a democracia só para os brancos. Após a Guerra da Secessão (1861-1865), brancos protestantes do sul dos EUA, derrotados na guerra, criaram, em 1866, na cidade de Pulaski, Tennessee, uma organização secreta com este nome afim de manter seu domínio local. Em 1915, na Geórgia, uma organização de mesmo nome e objetivo também foi criada. Pode, assim, não ter havido uma única origem para KKK. A organização que apareceu inicialmente no sul era voltada para a realidade deste. Seu alvo principal era evitar que os negros usufruíssem seus direitos de cidadão. Ela iniciou como uma fraternidade, mas logo passou a vigiar a sociedade local. Militares confederados, como o General Nathan Bedford Forrest, transformaram a KKK numa força paramilitar, em 1867. A ordem difundiu-se rapidamente a partir daí, surgindo nessa época, na Louisiana, um grupo que se denominava Knights of the White Camellia. Os líderes da Klan vinham principalmente da elite, particularmente dos proprietários de terras, embora seus membros estivessem em todos os níveis. A Klan era uma organização de base rural; às vezes, suas vítimas fugiam para a cidade. Os ataques não se limitavam a negros; brancos protestantes inimigos da KKK também podiam ser perseguidos. Hostilizavam também o Partido Republicano, o que levou a conflitos armados entre eles, exigindo às vezes intervenções federais. A "primeira Klan" deve ter encerrado sua existência por volta de 1870. Na passagem do século, porém, ela ressurge, estimulada pelo nacionalismo gerado pela I Guerra Mundial. Dessa vez expande-se pelo país e atinge um número muito maior de membros - em 1920, calcula-se que teria 3 milhões de membros. Chegou ao poder em Indiana, Oklahoma, Oregon e em outros estados. Esta "segunda Klan" era principalmente urbana, de classe média e religiosamente fundamentalista. É, entre outras coisas, anti-indígena, anti-amarela, anti-negra, anti-católica, anti-judia, anti-comunista. A maioria dos membros da KKK não adotava a violência física; muitos a viam como uma sociedade. Apoiavam os candidatos indicados pela Klan e participavam de suas cerimônias. A prática de por fogo em uma cruz parece ter se originado da novela de Thomas Dixon, The Clansman, de 1905. Esta Klan desintegrou-se após 1920, havendo, porém, pequenos grupos remanescente até os anos '40. Uma "terceira Klan" apareceu em 1946, provavelmente como reação ao avanço comunista no mundo e, depois, às campanhas pelos direitos civis promovidas principalmente pelos negros. Seus membros são em sua maioria do sul e da classe econômica baixa. Por volta dos anos '60, seus membros seriam em número de 17 mil. Atualmente ela está dividida em pequenos grupos e sua força política não reflete nem de perto o que já foi no passado. Em 1979, o North Carolina Klansmen uniu-se aos nazistas estadunidenses e formou o United Racist, de curta duração. Tem-se aproximado de outras organizações similares, como a Aryan Nations.

Eu tenho um sonho

Martin Luther King (1929-1968)
____Martin Luther King (1929-1968), pastor norte-americano, Prêmio Nobel, um dos principais líderes do movimento americano pelos direitos civis e defensor da resistência não violenta contra a opressão racial.Foi escolhido líder do movimento a favor dos direitos civis das minorias após organizar o famoso boicote ao transporte público em Montgomery (Alabama), em 1955.
____Lutou por um tratamento igualitário e contribuiu para a melhoria da situação da comunidade negra, mediante protestos pacíficos e discursos enérgicos sobre a necessidade do fim da desigualdade racial. Em 1963, dirigiu uma marcha pacífica do monumento a Washington até o Lincoln Memorial, onde pronunciou seu discurso mais famoso: "Eu Tenho um Sonho".
Formação e início de vidaKing nasceu em Atlanta, Geórgia, no dia 15 de janeiro de 1929. Entrou para o Morehouse College aos 15 anos e foi ordenado pastor batista aos 18 anos de idade. Depois de se formar no Seminário Teológico de Crozer como presidente da turma em 1951, fez pós-graduação na Universidade de Boston. Lá conheceu Coretta Scott, nascida em Marion, Alabama, com quem se casou em junho de 1953. Os estudos de King em Crozer e em Boston levaram-no a analisar os trabalhos do líder pacifista indiano Mohandas Karamchand Gandhi, cujas idéias se tornaram o núcleo da sua própria filosofia sobre o protesto não violento. Em 1954, King aceitou a designação para ser pastor da Igreja Batista da Avenida Dexter, em Montgomery, Alabama.
O boicote aos ônibus de MontgomeryNaquele mesmo ano, a Corte Suprema dos Estados Unidos proibiu qualquer tipo de educação pública segregadora, e no rastro daquela decisão, o Sul segregado logo foi desafiado em todas as áreas da administração pública. Em 1955, King, que havia acabado de terminar o doutorado, foi indicado para coordenar um boicote aos ônibus de Montgomery. Os líderes negros da cidade haviam organizado o boicote para protestar contra a segregação racial em vigor no transporte público após a prisão de Rosa Parks, uma mulher negra que havia se recusado a ceder o seu lugar a uma passageira branca. Durante a ação, que durou 381 dias, King foi preso, a sua casa foi atacada e muitas ameaças foram feitas contra a sua vida. O boicote foi encerrado mediante um mandado da Suprema Corte proibindo qualquer transporte público segregador. O boicote de Montgomery foi uma vitória do protesto pacifista, e King emergiu como líder altamente respeitado. Como conseqüência os clérigos negros de todo o Sul organizaram a Conferência de Lideranças Cristãs do Sul (SCLC), tendo King como presidente.
Liderança quanto aos direitos civis_Em uma visita à Índia em 1959, King pôde compreender melhor o que entendia por Satyagraha, o princípio de persuasão não violenta de Gandhi, que King estava determinado a empregar como o seu principal instrumento de protesto social. Entre seus protestos destacam-se a campanha, em 1963, a favor dos direitos civis em Birmingham, Alabama, a realização do censo para aprovação dos votos dos negros, o fim da segregação racial e a melhoria da educação e de moradia para os negros nos estados do sul. Dirigiu a histórica ”marcha” para Washington, em 28 de agosto de 1963, onde pronunciou o famoso discurso I have a dream (Tenho um sonho). Em 1964 recebeu o Prêmio Nobel da Paz.
Ampliação das preocupações_À medida em que o tempo foi passando, King foi ficando cada vez mais sensível às diferentes formas que a violência poderia assumir. Também havia ficado claro que inúmeras cidades do Norte que haviam enviado participantes aos protestos do Sul estavam apáticas em relação aos acertos necessários quanto à estratégia a ser seguida contra a discriminação racial. As lideranças negras, que estavam passando por uma transformação radical, começaram a desafiar as orientações de King. Após terem apoiado o litígio e a reconciliação, exigiam uma mudança “de qualquer maneira que fosse possível”. Em Chicago, onde foi lançada a primeira grande campanha no Norte, ele recebeu a oposição pública dos batistas negros. Lá os manifestantes negros encontraram brancos, armados, liderados por neonazistas e apoiados por membros da Ku Klux Klan. Quanto à guerra no Vietnã, a maioria dos negros sentia que os seus próprios problemas mereciam prioridade e que as lideranças negras deveriam se concentrar na luta contra a injustiça racial em casa. No início de 1967, entretanto, King se associou ao movimento contra a guerra e às suas lideranças nacionais brancas.
Assassinato___Em abril de 1968 foi assassinado em Memphis, Tenessee, por um branco que havia escapado da prisão. Em 1986, o terceiro domingo de cada mês foi escolhido como a data para a comemoração dos direitos civis dos negros.