terça-feira, 8 de abril de 2008

Obama para todos os gostos

A onda de mudanças políticas que parecia fenômeno latino-americano atinge as eleições presidenciais dos EUA. Em cada lugar ela se manifesta de diferentes maneiras guardando respeito às características culturais e políticas de cada país ou região, mas elas têm em comum os ventos de mudança. Nada mais emblemático do que a polarização das candidaturas do senador negro Barack Obama e a senadora Hillary Clinton pela indicação do Partido Democrata para a sucessão do presidente George Bush na Casa Branca.
Gênero e raça são temas importantes na sociedade norte-americana porque representam um desafio para a realização da igualdade. E a possibilidade de um homem negro ou uma mulher branca se tornarem presidente dos EUA renovam a confiança na vitalidade da democracia americana, na sua capacidade de se renovar e se reinventar. Os que simbolizam grupos historicamente excluídos ou discriminados são chamados a ofertar originalidade, renovação, mudança e esperança na (des)ordem do mundo.
Além do interesse que desperta, a simbologia que cada candidato carrega presta-se a variadas apropriações, em diferentes contextos, que extrapolam os limites geográficos e os interesses em jogo naquele país. A candidatura de Obama, com alto grau de adesão da população branca norte-americana, é vista por analistas como sintoma do progresso nas relações raciais nos EUA que nessa leitura significaria ter ele se tornado opção eleitoral efetiva para grandes parcelas dos norte-americanos a despeito de sua cor para uns, ou, para outros, da suposta “neutralidade racial”.
No Brasil, em razão dessas supostas características, Obama tornou-se a nova arma dos formadores de opinião que combatem as políticas de igualdade racial, em especial as cotas nas universidades brasileiras. Em chamadas de matérias da imprensa nacional sobre as prévias nos EUA, lê-se, que “Obama tornou cor irrelevante na campanha”. Outras reiteram como aspecto mais interessante de sua candidatura o que analistas consideram ser a sua “laicidade” ou “desenraizamento ” racial. Há os que atribuem as características ao pertencimento birracial. Outros artigos destacam trechos de seu livro A audácia da esperança, em que ele discorre sobre a necessidade de ajustes nas políticas raciais norte-americanas.
Curiosamente, a inferida neutralidade racial atribuída a Obama e tão enfatizada por certos analistas nacionais, tanto quanto o fato dele ser filho de mãe branca e pai negro e ter parentes de diferentes tonalidades, não são capazes de fazer que ele seja percebido dentro e fora dos EUA como apenas um candidato à Presidência dos EUA. Ele é sempre referido como candidato negro e só seria viável por não se fazer perceber como tal.
Tem-se, nesse caso, uma perversão daquela sentença que diz que à mulher de César não lhe basta ser honesta. Ela deve também parecer honesta. No caso dos negros essa idéia adquire bizarra formulação: pode-se até ser negro, mas não se deve parecer negro.Em outra dimensão, as abordagens sobre a candidatura de Obama expõem também as contradições em que são enredadas as candidaturas negras lá e cá. De um lado, ser um negro que faz da política de identidade racial o motor do posicionamento político é visto como limitador ou impeditivo para que o candidato possa alcançar um universo mais amplo de eleitores ou representar interesses coletivos. De outro, relativizar a política de identidade numa estratégia política tornaria o candidato um desenraizado, menos negro. No entanto, em qualquer desses enquadramentos, o candidato permanece sempre negro. A reiteração constante da negritude de Obama presta-se para negá-la.
Porém, o senador negro não cai facilmente na armadilha de prestar-se ao velho jogo, sempre proposto pelo poder branco, de usar um negro de sucesso para reiterar os estigmas que pesam contra os outros e barra-lhes as reivindicações. No livro A audácia da esperança, ele descreve o que denomina de “ritual de mesquinharias” que todo homem negro tem que suportar: de segurança que o seguiram em lojas de departamentos, casais brancos entregando a chave do carro a ele do lado de fora de restaurantes, confundindo-o com o manobrista. “(…) Eu sei como é quando as pessoas me dizem que não posso fazer algo por causa da minha cor e eu sei o gosto amargo do orgulho negro engolido.”
Como ele declarou num programa de TV: “Na calada da noite, em uma rua deserta de qualquer grande cidade, um motorista de táxi iria vê-lo com certa suspeita em vez de exclamar olha aí, um cara legal, meio branco, meio negro. Os que preferem ver em Obama “neutralidade racial” são os que nos propõem a dissolução da negritude num universalismo que suprime, autoritariamente, as nossas identidades.
Desvendando essa trama, Aimée Cesaire ensinou que “há duas maneiras de se perder: por segregação na particularidade ou por diluição na universalidade”. Há muitas formas de viver e politizar a negritude. Obama é uma delas.

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