terça-feira, 8 de abril de 2008

Rumo ao passado

Assiste-se um momento de curiosa “revolução” nos estudos sociológicos acerca das características do povo brasileiro. Primeiro foi uma avalanche de matérias noticiando as novas formulações sobre as nossas relações raciais. As suas conclusões são conhecidas: não somos racistas, ninguém é negro ou branco, pois o DNA de nossa população é uma mixórdia, segundo os estudos genéticos, por isso as políticas públicas para a promoção de negros seriam uma aberração além de ameaça à paz racial reinante. Falta demonstrar apenas que nem a escravidão existiu!
Agora outros estudos nos mostram que o povo brasileiro é mais conservador, fatalista e tolerante com a corrupção do que as elites nacionais, dando margem a interpretações de que o país é um descalabro moral por conta de seu povo. São idéias apresentadas como novas, mas que ecoam outras das primeiras décadas do século 20, quando os intelectuais brasileiros se debatiam sobre a viabilidade do país vir a se desenvolver com o povo de que dispunha. O ceticismo racial da época decretava que com essa massa ignorante e escura o país jamais adentraria à modernidade.Ou seja, há uma elite que se pensa divorciada de seu povo. Que entende ser responsabilidade desse povo prover-se, por sua própria conta, de educação, e diante de sua impossibilidade de fazê-lo, vê aí a explicação para o atraso do país como se não fosse obrigação da elite que o governa, e controla os meios de produção, ofertar-lhe educação e emprego.A visita do presidente Lula aos países escandinavos é emblemática sobre o quanto difere a mentalidade de nossas elites das de países desenvolvidos. Diz Clóvis Rossi na cobertura da viagem do presidente Lula aos países nórdicos que a Dinamarca, por exemplo, “acaba sendo um desmentido cabal à crítica mais recorrente sobre exageros, supostos ou reais, do modelo de estado de bem-estar social. Dizem os críticos que as prestações sociais são tão generosas que desestimulam o cidadão desempregado a procurar emprego, porque recebe, sem trabalhar, subsídio tão alto que fica próximo do salário, se trabalhasse.No entanto, diz ainda Rossi, “o desemprego é praticamente residual (3,3%). Melhor ainda: estão conseguindo trabalho até os ‘inempregáveis’ , aqueles que carecem da idade e das habilitações mais demandadas pelo mercado na economia moderna”.No Brasil, as classes média e alta revoltam-se pelo fato de parte dos impostos que o Estado recolhe de seus bolsos serem destinados a programas de transferência de renda para os mais pobres, quando deveriam é se envergonharem do valor irrisório destinado a esses programas e, sobretudo, pela ausência histórica de uma política ampla de proteção social que nos poupasse da vergonha de ver milhões de pessoas vivendo em condição de indignidade humana. Mas, se dirá que os países nórdicos são ricos; como se a riqueza e a qualidade de vida que hoje exibem não fossem produto de opções políticas, econômicas e sociais feitas ao longo de suas histórias.Estive em Oslo, Noruega, e procurei compreender como aquele estado de bem-estar social foi alcançado. A resposta que, em geral, ouvi, foi que no final do século 19 e início do 20 o país era extremamente pobre; esteve sob ocupação da Alemanha durante cinco anos, saindo devastado da 2ª Guerra Mundial. Na década de 60, o boom do petróleo tornou a Noruega o país europeu com as maiores reservas e alavancou o nível de desenvolvimento que hoje desfruta.Mas, segundo eles, esse desenvolvimento teria sido orientado por valores culturais compartilhados pelas elites nacionais e o povo. E o mais importante, o que eles nomeiam de igualitarismo, que vigoraria desde o início do século 20, quando a monarquia e os trabalhadores construíram um tipo de consenso social que politicamente se expressa no repúdio a grandes assimetrias sociais e, numa atitude modesta, diante da riqueza.A primeira ministra da Finlândia indica os parâmetros éticos que os orientam. Diz ela: “Achamos que as decisões que repercutem em várias gerações têm de visar justiça e igualdade social. As crianças não podem escolher seus pais, então o Estado tem que apoiar as famílias com crianças. Investir nas crianças, nos adultos e no meio ambiente (…)”.Ao contrário desses países, a descrença crônica em relação ao povo brasileiro, persistente nas elites, sempre limitou a vontade política de nele investir. É uma constatação presente em obras de diversos estudiosos, que demonstram que o Brasil optou pela desigualdade. O filósofo Paulo Carbonari, em seminário recente, assim sintetiza essa outra corrente de interpretação de nossa realidade social: “O Brasil optou por (não) integrar negros e indígenas. Aqui está uma das raízes da desigualdade. Também optou pela violência como forma de resolução de conflito social”.São as conseqüências dessas escolhas que as elites nacionais e alguns intelectuais insistem em atribuir à “natureza”, ignorância ou reacionarismo do povo. Depois dos ganhos havidos na compreensão da origem de nossas mazelas sociais há os que preferem reiterar idéias do começo do século passado com as quais se desresponsabilizam pelos nossos males no presente.

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