Flavia Natércia e Luciano Valente,
para a ComCiência
Para Gilles Lipovtesky, vivemos um período em que as grandes ideologias que marcaram a modernidade, perderam força, forma e estabilidade. Nas sociedades contemporâneas, o interesse por temas públicos tornou-se à-la-carte: os cidadãos podem, eventualmente, mobilizar-se por uma questão ou outra, e logo em seguida deixar de manifestar interesse.
Professor de filosofia da Universidade de Grenoble, pesquisador do Conselho de Análise da Sociedade da mesma instituição, Gilles Lipovetsky é um dos mais conhecidos pensadores de questões acerca da atualidade.
Publicou dez livros sobre uma ampla gama de assuntos, como artes, educação, psicologia, política, luxo, moda, cultura da mídia, consumo e ética. O fio que reúne sua obra é a condição do homem moderno, que vive, segundo ele, na era do hiperindividualismo, hiperconsumismo, perdido em meio ao excesso de informações e sem valores para se apegar. Procurando entender esse homem da sociedade atual, Gilles Lipovetsky, com sua filosofia, dá novos traços na definição do indivíduo hipermoderno, como ele definiu na entrevista que concedeu à ComCiência.
ComCiência - Em 1983, o senhor publicou o livro A era do vazio, no qual diz que nossa sociedade sofre de uma falta de interesse pela esfera pública. O senhor acredita que essa tendência tenha se aprofundado desde então?
Lipovetsky - O que eu quis dizer em A era do vazio era que vivíamos um período em que as grandes ideologias que marcaram a modernidade, como o nacionalismo, o socialismo, a revolução e o progresso, tinham perdido sua força, forma e estabilidade no mundo contemporâneo. Acho que isso continua verdadeiro. Atualmente, a descrição deva ser que, nas sociedades contemporâneas, o interesse por temas públicos é variável, tornou-se à-la-carte. Isto é, os cidadãos podem, eventualmente, mobilizar-se por uma questão ou outra, e logo em seguida deixar de manifestar interesse. Penso que não seja um desinteresse absoluto, um vazio absoluto e niilista. É um estágio em que os cidadãos mobilizam-se em função de seus interesses, e não de maneira sistemática ou em função de uma problemática do dever da cidadania. Hoje, por exemplo, nota-se um grande interesse pelas grandes questões climáticas, como o aquecimento global, mas essas grandes questões afetam diretamente a vida das pessoas. As pessoas voltam-se menos para causas anônimas ou abstratas, pois se mobilizam mais por coisas que podem concernir diretamente à sua existência, como a ecologia e o clima. Elas também se interessam por suas cidades e os lugares onde moram. Penso, por exemplo, no interesse de muitas pessoas pelas associações, que se mobilizam pela defesa de algum aspecto da vida social – os pobres, os portadores de deficiências, as crianças doentes. Entendo, então, que não haja um desinteresse absoluto, e sim um interesse que se manifesta menos em função de perspectivas universalistas.
ComCiência - É por isso que o senhor fala do vazio, e não do nada em seu livro?
Lipovetsky - O vazio era uma metáfora. Não é um vazio absoluto. Hoje, o vazio, se eu tivesse de defini-lo, é antes uma desorientação, um vazio de referências estruturantes que não vem do fato de não existirem, mas de simplesmente terem se tornado flutuantes e muito numerosas. Podemos tomar diversos exemplos. Tomemos um ao acaso: a arte. Por muito tempo houve uma definição clara da arte. Hoje a arte, a não-arte, o marketing, tudo se mistura. O que é arte hoje? Bom, tudo isso se tornou muito vago. Essa perda de referência também se encontra no casamento, por exemplo, hoje há homossexuais que têm o direito de se casar ou reivindicam este direito. Então, o que significa o casamento a partir do momento em que os gays podem se casar e querem adotar crianças? Há também uma mistura na oposição direita x esquerda no plano político. Hoje as pessoas de esquerda aceitam o mercado e o capitalismo. Então, para muita gente, a oposição direita x esquerda já não é mais clara. Estamos, portanto, numa situação de confusão, de complexidade... Não estamos no vazio puro, mas sim perdidos entre tantas referências... Um outro exemplo: a moda. Por muito tempo, no domínio da moda, as coisas eram claras: havia a moda e os démodés. Era uma oposição muito clara e que mudava a cada seis meses. Hoje, a oposição da moda e dos démodés se tornou vaga, confusa, portanto eu diria que, mais do que uma “era do vazio”, vivemos a “era do vago”, a era da confusão, a era da desorientação.
ComCiência - Podemos pensar, então, que as causas comuns, questões como a ecologia ou o aquecimento global, podem se tornar efetivamente uma outra tendência na sociedade de hiperconsumismo?
Lipovetsky - Claro. Há, de um lado, o colapso das grandes ideologias da história, mas ao mesmo tempo elas se recompõem por certos “grandes discursos”. Primeiramente, os direitos do homem; em segundo, a ideologia médica – há uma espécie de obsessão pela saúde hoje em dia – e, por fim, a preocupação com o ambiente e a natureza. É algo extremamente importante. Todo mundo sabe bem que a lógica de hiperconsumismo não poderá ser seguida indefinidamente e que há limites ligados à natureza. Tudo isso foi interiorizado, cada vez mais, as preocupações relativas à natureza vão se tornar essenciais. Agora há toda uma pesquisa motivada pelo aumento do preço do petróleo: motores limpos, motores elétricos que, ao mesmo tempo, vêm para responder a esses custos crescentes, e também às preocupações ligadas ao aquecimento global e emissão de gás carbônico. O ambiente pode ser uma causa mobilizadora. É um bom sinal, quer dizer que o individualismo não é completamente cego e deixa a porta aberta para uma tomada de consciência dos problemas do futuro.
Com Ciência - O homem da atualidade, que persegue um ideal elevado de beleza, que desfruta de uma tecnologia cada vez mais acelerada e que está submetido a um excesso de informação - o qual suscita um sentimento de desinformação - chegará a uma espécie de limite ou crise? Lipovetsky - A crise já existe. Sobre a beleza, a época em que vivemos é marcada por uma espécie de exigência cada vez mais forte dirigida aos padrões corporais, especialmente para as mulheres. Nunca o corpo foi tão solicitado, sendo objeto de trabalho, ginástica, body-building, regimes etc. E isso é vivido como uma forte pressão, como as feministas falam: uma “tirania da beleza”. Mas, ao mesmo tempo, nunca houve tantos casos de pessoas obesas. Nos Estados Unidos quase 40% da população está com sobrepeso. Isso, evidentemente, explica-se em parte pelo aniquilamento das tradições, mas também por um universo de consumo no qual há informações complexas, múltiplas e contraditórias. O consumidor fica perdido. Hoje, muitos não sabem como se alimentar, por exemplo. Aí também há um estado de confusão que se choca frontalmente com as exigências estéticas. Então a crise é, a princípio, subjetiva. Há uma crise, porque muitas pessoas vivem mal, as mulheres ficam mal, por exemplo, por estarem gordas demais, vivem mal quando fazem regimes nos quais fracassam. A situação, de hiperconsumismo na qual estamos, acarreta uma situação de crise, tanto numa escala global, com o problema do ambiente, quanto na escala individual, com a multiplicação das depressões, das ansiedades, das angústias, das tentativas de suicídio. Há, portanto, com a sociedade de hiperconsumo, uma fragilização dos indivíduos que faz com que o bem-estar material cresça, mas ao mesmo tempo a existência se torne mais difícil, mais geradora de ansiedade. As pessoas têm menos defesas pessoais para enfrentar as crises. Então, creio que o século XXI vai ver se desenvolver esse tipo de processo que está ligado à individualização pelo fato de que os planos conectivos tradicionais, religiosos, são menos fortes que antes, menos estruturantes que antes, e isso acarreta uma fragilização das pessoas, uma espécie de desequilíbrio que se traduz por toda essa espiral de problemas subjetivos.
Com Ciência - Na sua análise, as mulheres são as principais vítimas dessa ordem, dessa sociedade de hiperconsumo?
Lipovestky - Sim, primeiramente, porque os estudos mostram que 80% das compras são feitas pelas mulheres. A consumidora majoritária em nossa sociedade é a mulher. Em segundo lugar, a relação com a beleza é muito mais importante para as mulheres. Parece-me que as mulheres são mais vítimas do consumo que os homens. O indivíduo-consumidor, hoje, assim como no começo do século XX, continua sendo a mulher, porque é ela que se ocupa da casa, das crianças. São elas que se ocupam mais delas mesmas, de seus corpos, de sua aparência, portanto, o consumo é um fenômeno muito mais importante para as mulheres do que para os homens. Vale ressaltar que o consumo não envolve somente aspectos frívolos. Hoje há uma sociedade que liga o consumo à causa das questões de saúde. Há uma inquietação sobre o que se come, o que se bebe e o que se respira. Todos os elementos que encontramos numa casa são suscetíveis de fazer mal à saúde e, como as mulheres ocupam-se mais das crianças, há toda uma relação extremamente preocupante com relação a esse domínio de consumo. Portanto, sim, as mulheres são as primeiras vítimas.
ComCiência – Mas é possível dizer que uma nova revolução individualista está sendo gestada? Lipovetsky – Não, a revolução individualista coincide com a modernidade, em meados do século XVIII. Vivemos uma segunda revolução individualista depois nos anos 1960, 1970, que chamo de hipermoderna para distingui-la da primeira, que era moderna. Acredito que haverá um aprofundamento da lógica individualista, que vai mudar coisas muito contraditórias ao mesmo tempo: todas as demandas de diversão, de consumo, de jogos, de atividades lúdicas, de viagens, as demandas de participação, de atividade... O consumo não pode satisfazer completamente às pessoas. No século XXI, haverá todo um conjunto de comportamentos nos quais vamos ver pessoas que querem fazer mais por elas mesmas. Fotos, filmes, escrever blogs na internet, participar de associações... Não creio que haja uma nova revolução individualista sendo preparada, e sim um aprofundamento dessa segunda revolução individualista, que irá - como eu dizia antes - produzir muita inquietude. Cada vez mais as pessoas procuram soluções individuais para seus problemas, sofrimentos, para suas existências e não vejo nenhum discurso, nenhum programa capaz de colocar fim a essa dinâmica. Não entendo que a modernização ou que os problemas do ambiente vão parar a lógica individualista. Todos esses fenômenos podem, de certa maneira, responsabilizar mais o individualismo, torná-lo mais ansioso e, sem dúvida, medicalizado. Por muito tempo buscaram-se soluções políticas para as desgraças da modernidade e, hoje, buscam-se soluções... talvez pela educação, pelos remédios, terapias, até por novas formas de religião. Mas creio que todas essas dinâmicas aprofundam a dinâmica individualista, e não preparam uma nova revolução.
Com Ciência - Nossa sociedade desprovida de valores morais coletivos reflete-se na educação das crianças. Qual é o desafio da educação das crianças neste momento de crise?
Lipovetsky - Inegavelmente, há uma crise múltipla na educação. No primeiro nível, há um fracasso geral na aquisição dos saberes mais elementares. Mesmo nos países ricos da Europa e da América, há entre 10 e 20% da população que não escrevem e nem lêem corretamente. É um fracasso escandaloso. Há, portanto, um desafio enorme a se enfrentar. É preciso que a escola saiba encarar tais desafios, já que não há nada de impossível. Não devemos aceitar que os cidadãos das sociedades desenvolvidas não dominem saberes tão fundamentais. Há uma crise da escola, porque a escola se choca agora contra os mass media. Antes, a escola laica chocava-se com a religião. Hoje, a escola laica choca-se com a televisão e a internet. E nós vamos ter de transformar muito os métodos da educação a fim de que a escola integre a capacidade que temos hoje de ter uma informação ilimitada e fácil. Portanto, um dos novos desafios é recompor o que devem saber os cidadãos. Isso não está claro, pois os saberes e as informações são superabundantes, pode-se ter tudo no plano da informação. A escola ainda não compreendeu isso. Portanto, é preciso repensar o que deve ser uma cultura geral, para se orientar dentro do saber e para permitir ter algumas grandes linhas referenciais importantes, para poder depois orientar-se dentro da superabundância de informação. A escola também deve oferecer aos jovens não somente saberes, mas também experiências que ampliem seus horizontes. A época em que escola só transmitia saberes fundamentais corresponde a um período passado. Hoje é mais complicado, porque tudo está aberto às pessoas. Deveríamos abrir a escola para o mundo exterior. As pessoas mudam muito em função das experiências, dos encontros com outras pessoas e com coisas que elas não conhecem. E assim teríamos uma escola mais dinâmica e estimulante, por exemplo, se as profissões diversas pudessem chegar à escola para mostrar aos jovens todas as possibilidades que há de viver neste mundo. Os jovens conhecem, de fato, um mundo bem pequeno, o mundo em torno deles, de seus pais e de seus amigos. A escola deve fazê-los experimentar outras coisas. Esse é o grande desafio que transformará os métodos fundamentais da escola. A escola não sofre de falta de valores, mas de referências para construir o século XXI. Ela deve ser mais aberta, mais experimental.
Com Ciência - Pode-se dizer que, com o excesso de informações e imagens no mundo, o que diversos filósofos assinalaram, a escola deve se tornar um espaço para vivência, experimentação, e não somente para conhecer as coisas abstratamente?
Lipovetsky - Exatamente. A experimentação, eu esclareço, evidentemente não é a única função da escola. Se a escola trouxesse pessoas de fora para falar de seus trabalhos, levasse os jovens às diferentes empresas para ver como é a vida exterior, poderia contribuir muito para ampliar horizontes. A escola deve, a princípio, fornecer ferramentas conceituais e teóricas, mas apenas isso não basta, pois o mundo hoje é aberto, variado, mutante. Creio que uma escola mais aberta a experiências mais humanas – e não somente teóricas – seria mais estimulante. Um lugar de vida, e não simplesmente um lugar onde se aprende a base para situar-se no futuro. Não quero voltar aos erros da educação permissiva, em que se permitia que as experiências fizessem qualquer coisa com os jovens, o que para mim foi um erro. Nós devemos, ao contrário, restabelecer a disciplina nas escolas. Devemos ensinar os jovens a ver que ser um adulto é respeitar determinado número de regras, é aprender, é progredir e, para isso, é preciso trabalhar. A escola deve colocar isso, mas não por meio da violência ou do terror, simplesmente porque essa é a condição para ser um adulto responsável. É preciso fazê-lo. É preciso impor aos jovens um certo número de planos para que eles se construam, porque não se pode educar uma criança somente em função do prazer, isso não existe e não é possível. Há necessidade de limites, de restrições e de disciplina para que se forme alguém capaz de dominar seu ambiente. Mas também é preciso abrir a escola às novas dimensões do mundo e ampliar os horizontes dos jovens. O caminho não está unicamente nos livros. No caso da escolha das profissões, por exemplo, para proporcionar paixões aos jovens, deve haver contatos, encontros. Não há paixão sem encontros. É essa situação que cria a paixão. E, tendo contato, experiência com encontros, com pessoas que não são seus professores. Isso seria enormemente rico para o futuro.
(Envolverde/ComCiência)
domingo, 14 de setembro de 2008
Na sociedade de consumidores, tudo o que vai deveria voltar
Naná Prado, do Mercado Ético
Tudo o que vai, volta! Além do sentido popularmente difundido dessa expressão, parece que o caminho é mesmo mostrar que a reação é em cadeia.
Bom, pelo menos quando pensamos na quantidade de resíduos que geramos, essa máxima pode ser aplicada. Quando usamos a palavra "geramos", pretendemos ir além do sentido do consumo individual, que certamente deve ser levado em conta. E, quando falamos em resíduos, estamos nos referindo a todo o lixo doméstico, efluentes industriais, rejeitos perigosos, entulhos da construção civil e materiais hospitalares usados. Anualmente, o Brasil produz 61,5 milhões de toneladas de resíduos urbanos, das quais 54,4 milhões são coletadas. Mas, de acordo com a Abrelpe (Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais), dos 5.563 municípios, 3.406 não tem uma destinação adequada do lixo.
Vemos que há hoje um estímulo crescente à reciclagem de materiais e, mais do que isso, há forte tendência a responsabilizar as empresas pelo ciclo de vida dos produtos que elas geram, mas que, por outro lado, os consumidores – claro – consomem. Pensando nesse cenário da reciclagem com vários setores lucrando – e muito –, com segmentos sendo prejudicados, com outros sendo beneficiados e com praticamente todos gerando impactos, o Mercado Ético inicia uma série de reportagens sobre essa cadeia. É clara a importância de todo o investimento que vem sendo feito em reciclagem e já é de conhecimento de muitos que o Brasil ocupa uma posição interessante em relação a outros países do mundo.
Mas, é claro também, que sem uma mudança cultural, de nada adianta reciclar, reciclar e reciclar se a produção e o consumo continuarem ganhando proporções gigantescas. A gestão adequada de resíduos sólidos é uma tendência mundial e parece não ter mais volta. Então, será que nem tudo que vai, volta? Com essas questões em mente, pretendemos traçar um panorama do setor, mostrando o que vem sendo feito na área pública, privada e por organizações da sociedade civil.
Quem faz o que para quem?
Toda essa onda de preocupação com o ambiente, com os impactos da produção, do consumo e com o ciclo de vida útil dos produtos é perfeitamente visível. Mas, avançando um pouco na discussão e pensando em questões como a da logística reversa pós-consumo, parece que algumas perguntas não são tão claras. Quem financia esta história toda? O Estado? A indústria? O consumidor? Quando uma empresa paulista produz pilhas, que são, por exemplo, consumidas no nordeste, quem seria o responsável por elas?
O consumidor? Quem as embalou? Quem produziu? Como fazer essa pilha voltar para a cadeia produtiva e, assim, atender aos princípios da logística reversa? Nos últimos anos, a logística das empresas sofreu evoluções, sendo considerada fundamental na elaboração do planejamento estratégico e, muitas vezes, responsável por enorme geração de vantagens competitivas às empresas.
A partir dos anos 90, com a constante preocupação sobre a utilização dos recursos naturais, assim como o acúmulo de produtos industrializados nos centro urbanos, as grandes empresas ganharam a fama de ‘culpadas’. Será que foi só fama? Bom, o que importa é que grandes organizações passaram a ter uma nova preocupação: tiveram que buscar soluções e não queriam gerar aumento de custos e despesas – ou seja, não queriam colocar a mão no bolso.
É possível dizer que foi neste cenário que surgiu o conceito de logística reversa.
Na teoria, logística reversa é planejar, operar e controlar o fluxo e as informações logísticas correspondentes ao retorno dos bens de pós-venda e de pós-consumo ao ciclo de negócios – ou ao ciclo produtivo – através dos canais de distribuição reversos, agregando-lhes valor de diversas naturezas: econômico, ecológico, legal, competitivo, de imagem corporativa, entre outros.
Enquanto isso, na sociedade de consumidores...
A teoria seria perfeitamente aplicada se não tivéssemos passado da sociedade de produtores para a sociedade de consumidores. Aqui, o consumismo tomou proporções exageradas e já é possível apostar na irracionalidade das pessoas. Claro que existe, em algumas camadas, a preocupação com o meio ambiente. Existem também indícios (é, a meu ver são indícios) de uma preocupação com o ciclo de vida dos produtos. Mas, o que ganha destaque nessa sociedade de consumidores é o excesso e o desperdício econômico.
“O consumismo também é uma economia do engano. Ele aposta na irracionalidade dos consumidores, e não em suas estimativas sóbrias e bem informadas, estimula emoções consumistas e não cultiva a razão”, afirma Zygmunt Bauman, em seu livro ‘Vida para Consumo – a transformação das pessoas em mercadoria’. Basta atentar para o fato de que, no mundo, são gerados mais de 4,2 bilhões de quilos de lixo por dia, ou uma média de 700 gramas por habitante. “Grande parte dos 61 milhões de toneladas geradas em 2007 foi enviada para lixões a céu aberto. Só a cidade de São Paulo produz mais de 12.000 toneladas de lixo por dia, mas apenas 5% são reciclados”, afirma o deputado federal Arnaldo Jardim.
Para o autor da Política Nacional de Resíduos Sólidos e da lei paulista de resíduos sólidos, sancionada em 2006 e que está aguardando decreto de regulamentação desde então, é preciso mais discussão sob a dinâmica metropolitana. “A ótica da metrópole não foi amplamente analisada e, por isso, não há instrumentos claros sobre sua gestão. Como podemos, nesse cenário, tratar tanto lixo gerado desnecessariamente?”, questiona o deputado.
Solução imediata?
A reciclagem aparece nesse contexto como a solução para alguns dos problemas. Reciclar é, originalmente, fazer com que o material utilizado passe novamente pelo ciclo de produção, voltando a ser matéria-prima, mesmo sabendo que parte da energia original se dissipa em forma de energia solta.
Hoje em dia, o termo já faz parte do vocabulário popular para indicar também o reaproveitamento do material para desempenhar outras funções. O lixo dos consumidores conscientes, que antes iria para lixões e aterros sanitários, agora tem um destino mais nobre: vai para Centros de Triagem. Mas, será que isso é suficiente? Segundo o deputado, “com relação aos resíduos urbanos, 65% dos municípios brasileiros tem alguma iniciativa de coleta seletiva, mas que não são de fato atuantes”.
Com a Política Nacional de Resíduos Sólidos, a idéia é criar um inventário que esteja em conformidade com o disposto pelo Conselho Nacional de Meio Ambiente (Conama). “Algo como o Imposto de Renda, em que é preciso declarar o que sobrou da produção, o que não foi utilizado e será resíduo, como aparas de papel, de carpete, etc. Esta declaração é, a meu ver, um instrumento mais estável de controle do que a fiscalização humana. Terá critérios objetivos: o que sobrou foi ‘x’, que foi transportado para tal local em tais condições”, afirma. Isso é o princípio da logística reversa.
“O que vai tem que voltar”, explica o deputado, acrescentando que é preciso acima de tudo uma mudança de postura da sociedade, e de todas as partes envolvidas. Enquanto a logística tradicional trata do fluxo dos produtos fabrica x cliente, a logística reversa trata do retorno de produtos, materiais e peças do consumidor final ao processo produtivo da empresa. Devido à severa legislação ambiental e também por grande influência da sociedade e organizações não governamentais, as empresas estão adotando a utilização de um percentual maior de material reciclado ao seu processo produtivo, assim como também passaram a adotar procedimentos para o correto descarte dos produtos que não possam ser reutilizados ou reciclados. Confira nas próximas reportagens da série quais são as inter-relações entre os setores no que diz respeito a responsabilidade pelo ciclo de vida dos produtos.
Ilustração: Fabiano Vidal(Mercado Ético)
Tudo o que vai, volta! Além do sentido popularmente difundido dessa expressão, parece que o caminho é mesmo mostrar que a reação é em cadeia.
Bom, pelo menos quando pensamos na quantidade de resíduos que geramos, essa máxima pode ser aplicada. Quando usamos a palavra "geramos", pretendemos ir além do sentido do consumo individual, que certamente deve ser levado em conta. E, quando falamos em resíduos, estamos nos referindo a todo o lixo doméstico, efluentes industriais, rejeitos perigosos, entulhos da construção civil e materiais hospitalares usados. Anualmente, o Brasil produz 61,5 milhões de toneladas de resíduos urbanos, das quais 54,4 milhões são coletadas. Mas, de acordo com a Abrelpe (Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais), dos 5.563 municípios, 3.406 não tem uma destinação adequada do lixo.
Vemos que há hoje um estímulo crescente à reciclagem de materiais e, mais do que isso, há forte tendência a responsabilizar as empresas pelo ciclo de vida dos produtos que elas geram, mas que, por outro lado, os consumidores – claro – consomem. Pensando nesse cenário da reciclagem com vários setores lucrando – e muito –, com segmentos sendo prejudicados, com outros sendo beneficiados e com praticamente todos gerando impactos, o Mercado Ético inicia uma série de reportagens sobre essa cadeia. É clara a importância de todo o investimento que vem sendo feito em reciclagem e já é de conhecimento de muitos que o Brasil ocupa uma posição interessante em relação a outros países do mundo.
Mas, é claro também, que sem uma mudança cultural, de nada adianta reciclar, reciclar e reciclar se a produção e o consumo continuarem ganhando proporções gigantescas. A gestão adequada de resíduos sólidos é uma tendência mundial e parece não ter mais volta. Então, será que nem tudo que vai, volta? Com essas questões em mente, pretendemos traçar um panorama do setor, mostrando o que vem sendo feito na área pública, privada e por organizações da sociedade civil.
Quem faz o que para quem?
Toda essa onda de preocupação com o ambiente, com os impactos da produção, do consumo e com o ciclo de vida útil dos produtos é perfeitamente visível. Mas, avançando um pouco na discussão e pensando em questões como a da logística reversa pós-consumo, parece que algumas perguntas não são tão claras. Quem financia esta história toda? O Estado? A indústria? O consumidor? Quando uma empresa paulista produz pilhas, que são, por exemplo, consumidas no nordeste, quem seria o responsável por elas?
O consumidor? Quem as embalou? Quem produziu? Como fazer essa pilha voltar para a cadeia produtiva e, assim, atender aos princípios da logística reversa? Nos últimos anos, a logística das empresas sofreu evoluções, sendo considerada fundamental na elaboração do planejamento estratégico e, muitas vezes, responsável por enorme geração de vantagens competitivas às empresas.
A partir dos anos 90, com a constante preocupação sobre a utilização dos recursos naturais, assim como o acúmulo de produtos industrializados nos centro urbanos, as grandes empresas ganharam a fama de ‘culpadas’. Será que foi só fama? Bom, o que importa é que grandes organizações passaram a ter uma nova preocupação: tiveram que buscar soluções e não queriam gerar aumento de custos e despesas – ou seja, não queriam colocar a mão no bolso.
É possível dizer que foi neste cenário que surgiu o conceito de logística reversa.
Na teoria, logística reversa é planejar, operar e controlar o fluxo e as informações logísticas correspondentes ao retorno dos bens de pós-venda e de pós-consumo ao ciclo de negócios – ou ao ciclo produtivo – através dos canais de distribuição reversos, agregando-lhes valor de diversas naturezas: econômico, ecológico, legal, competitivo, de imagem corporativa, entre outros.
Enquanto isso, na sociedade de consumidores...
A teoria seria perfeitamente aplicada se não tivéssemos passado da sociedade de produtores para a sociedade de consumidores. Aqui, o consumismo tomou proporções exageradas e já é possível apostar na irracionalidade das pessoas. Claro que existe, em algumas camadas, a preocupação com o meio ambiente. Existem também indícios (é, a meu ver são indícios) de uma preocupação com o ciclo de vida dos produtos. Mas, o que ganha destaque nessa sociedade de consumidores é o excesso e o desperdício econômico.
“O consumismo também é uma economia do engano. Ele aposta na irracionalidade dos consumidores, e não em suas estimativas sóbrias e bem informadas, estimula emoções consumistas e não cultiva a razão”, afirma Zygmunt Bauman, em seu livro ‘Vida para Consumo – a transformação das pessoas em mercadoria’. Basta atentar para o fato de que, no mundo, são gerados mais de 4,2 bilhões de quilos de lixo por dia, ou uma média de 700 gramas por habitante. “Grande parte dos 61 milhões de toneladas geradas em 2007 foi enviada para lixões a céu aberto. Só a cidade de São Paulo produz mais de 12.000 toneladas de lixo por dia, mas apenas 5% são reciclados”, afirma o deputado federal Arnaldo Jardim.
Para o autor da Política Nacional de Resíduos Sólidos e da lei paulista de resíduos sólidos, sancionada em 2006 e que está aguardando decreto de regulamentação desde então, é preciso mais discussão sob a dinâmica metropolitana. “A ótica da metrópole não foi amplamente analisada e, por isso, não há instrumentos claros sobre sua gestão. Como podemos, nesse cenário, tratar tanto lixo gerado desnecessariamente?”, questiona o deputado.
Solução imediata?
A reciclagem aparece nesse contexto como a solução para alguns dos problemas. Reciclar é, originalmente, fazer com que o material utilizado passe novamente pelo ciclo de produção, voltando a ser matéria-prima, mesmo sabendo que parte da energia original se dissipa em forma de energia solta.
Hoje em dia, o termo já faz parte do vocabulário popular para indicar também o reaproveitamento do material para desempenhar outras funções. O lixo dos consumidores conscientes, que antes iria para lixões e aterros sanitários, agora tem um destino mais nobre: vai para Centros de Triagem. Mas, será que isso é suficiente? Segundo o deputado, “com relação aos resíduos urbanos, 65% dos municípios brasileiros tem alguma iniciativa de coleta seletiva, mas que não são de fato atuantes”.
Com a Política Nacional de Resíduos Sólidos, a idéia é criar um inventário que esteja em conformidade com o disposto pelo Conselho Nacional de Meio Ambiente (Conama). “Algo como o Imposto de Renda, em que é preciso declarar o que sobrou da produção, o que não foi utilizado e será resíduo, como aparas de papel, de carpete, etc. Esta declaração é, a meu ver, um instrumento mais estável de controle do que a fiscalização humana. Terá critérios objetivos: o que sobrou foi ‘x’, que foi transportado para tal local em tais condições”, afirma. Isso é o princípio da logística reversa.
“O que vai tem que voltar”, explica o deputado, acrescentando que é preciso acima de tudo uma mudança de postura da sociedade, e de todas as partes envolvidas. Enquanto a logística tradicional trata do fluxo dos produtos fabrica x cliente, a logística reversa trata do retorno de produtos, materiais e peças do consumidor final ao processo produtivo da empresa. Devido à severa legislação ambiental e também por grande influência da sociedade e organizações não governamentais, as empresas estão adotando a utilização de um percentual maior de material reciclado ao seu processo produtivo, assim como também passaram a adotar procedimentos para o correto descarte dos produtos que não possam ser reutilizados ou reciclados. Confira nas próximas reportagens da série quais são as inter-relações entre os setores no que diz respeito a responsabilidade pelo ciclo de vida dos produtos.
Ilustração: Fabiano Vidal(Mercado Ético)
Brasil melhora em trabalho decente
Osmar Soares de Campos, para Pnud
Após piorar na segunda metade dos anos 90, o Brasil melhorou a partir do início desta década em alguns dos índices usados pela ONU para avaliar o que chama de "trabalho decente" (leia texto ao lado). É o que aponta um relatório organizado pela CEPAL (Comissão Econômica para América Latina e Caribe), pela OIT (Organização Internacional do Trabalho) e pelo PNUD em que são analisados 28 indicadores de quatro áreas: emprego, proteção social, direitos no trabalho e diálogo social. Nem todos os dados mostraram tendência semelhante, mas em linhas gerais é possível dizer que “o déficit de trabalho decente no Brasil é elevado; aumentou no começo do período analisado [1992] e tem diminuído nos anos 2000”, afirma o estudo, chamado Emprego, Desenvolvimento Humano e Trabalho Decente – A experiência brasileira recente e lançado na segunda-feira. As desigualdades de gênero e de cor/raça em geral diminuíram, mas permanecem altas.
A proporção de trabalhadores informais, por exemplo, era de 53,4% em 1992, passou a 53,8% em 1996, cresceu de maneira constante até 1999, quando atingiu 55,9%, mas vem caindo desde 2002, depois de uma pequena oscilação. Em 2006, o índice era de 51,8%, o menor da série analisada. O acesso à Previdência Social, considerada pelo relatório um "instrumento essencial para a coesão social", oscilou na margem dos 46% entre 1992 e 2002, ano em que teve início uma expansão constante: em 2006, era de 50,5%. "O aumento da proporção de beneficiados reflete, sem dúvida, as melhorias recentes do mercado de trabalho e está fortemente associado ao crescimento do emprego formal", analisa. Tendência semelhante ocorreu com o rendimento.
"O rendimento médio do trabalho subiu após o Plano Real, mas caiu de forma sistemática entre 1996 e 2003, e começou a recuperar-se somente a partir de 2005. Esse movimento recente resulta da diminuição do desemprego, mas também reflete a recuperação do poder de compra do salário mínimo — iniciada na década anterior e intensificada a partir de 2005 —, melhores resultados nas negociações coletivas entre trabalhadores e empregadores e a melhoria relativa da situação das mulheres e da população negra no mercado de trabalho”, afirma o texto. A recuperação do salário mínimo tem sido constante desde 1996, depois de oscilar nos dez anos anteriores. Em 2007, o mínimo do brasileiro era de R$ 419,86, em valores reais.
"Em termos nominais, o salário mínimo subiu de R$ 70,00 em setembro de 1994 para R$ 380,00 em abril de 2007, um reajuste de 442,9%. No mesmo período, a inflação medida pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC), calculado pelo IBGE, foi de 182,4%, o que resultou em um ganho real da ordem de 92,2%. Portanto, nesse período o mínimo quase dobrou em termos reais", destaca o relatório. O aumento dos rendimentos ocorreu paralelamente à diminuição da parcela dos trabalhadores que exercem jornadas excessivas — superiores às 44 horas estipuladas pela Constituição. Na década de 90, cerca de 40% década de da mão-de-obra brasileira trabalhava mais do que esse patamar, mas a proporção vem caindo desde 2001 e em 2006 atingiu 34,7%.
A jornada extensa era mais comum entre os homens (42,4%) do que entre as mulheres (24,5%), mas o quadro muda quando se levam em conta também os serviços domésticos “No país, 109,2 milhões de pessoas de 10 anos ou mais de idade declararam realizar tarefas domésticas; desses, 71,5 milhões (65,4%) são mulheres e 37,7 milhões (34,6%) são homens", afirma o relatório. "Entre a população ocupada, os homens despendem 9,1 horas semanais em atividades desse tipo, e as mulheres, 21,8 horas. Assim, ainda que a carga horária feminina remunerada seja em média menor que a masculina (34,7 e 42,9 horas semanais, respectivamente), a situação se inverte quando se consideram também os afazeres domésticos: as mulheres trabalham em média 11,5 horas por dia útil, e os homens, 10,6."
As mulheres também estão em situação desfavorável nas taxas de desemprego. "Em 2006, a taxa de desemprego para pessoas acima de 16 anos ou mais atingiu 11% entre as mulheres, enquanto para os homens era bem mais baixa (6,3%). Entre 1992 e 2006, o aumento da taxa de desemprego feminina (41%) foi quase o dobro da alta da desocupação masculina (21%)", relata o texto.
Trabalho infantil Um número que tem apresentado avanços expressivos no Brasil é o de redução do trabalho infantil. De acordo com a PNAD (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios) de 2006, o Brasil tinha 37,9 milhões de crianças e adolescentes de 5 a 15 anos. Destes, 2,4 milhões exerciam algum tipo de trabalho na semana de referência da pesquisa. Em 1992, o problema atingia o dobro de pessoas nessa faixa etária — 5 milhões. "A incidência do trabalho infantil diminuiu de 13,6% para 6,2% entre 1992 e 2006.
Desagregado em duas faixas etárias, o indicador mostra que, no mesmo período, a redução foi de 3,7% para 1,3% entre crianças de 5 a 9 anos, e de 21,9% para 10,0% entre os 10 a 15 anos", afirma o relatório, que defende a tese, com base em um estudo da OIT baseado na própria PNAD, de que trabalho infantil gera renda menor na idade adulta. "A pesquisa indica que pessoas que começaram a trabalhar antes dos 14 anos têm uma probabilidade muito baixa de obter rendimentos superiores aos R$ 1.000 ao longo da vida. A maioria daquelas que entraram no mercado antes dos 9 anos têm baixa probabilidade de receber rendimentos superiores a R$ 500", diz o texto.
"Em média, quem começou a trabalhar entre 15 e 17 anos não chega aos 30 anos com uma renda muito diferente de quem ingressou com 18 ou 19 anos. Mas, à medida que a pessoa envelhece, há maior probabilidade de que, se começou a trabalhar entre os 18 e 19 anos, consiga melhor renda do que quem começou a trabalhar entre os 15 e 17 anos", acrescenta.
O que é trabalho decenteTrabalho decente é um trabalho produtivo e adequadamente remunerado, exercido em condições de liberdade, eqüidade e segurança, e que garanta uma vida digna a todas as pessoas que vivem do trabalho e a suas famílias. Também pode ser entendido como emprego de qualidade, seguro e saudável, que respeite os direitos fundamentais do trabalho, garanta proteção social quando não pode ser exercido (desemprego, doença, acidentes, entre outros) e assegure uma renda para a aposentadoria. Também engloba o direito à representação e à participação no diálogo social.
Trabalho decente diz respeito à dignidade humana. Este conceito está embasado em quatro pilares: a) respeito às normas internacionais do trabalho, em especial aos princípios e direitos fundamentais do trabalho (liberdade sindical e reconhecimento efetivo do direito de negociação coletiva; eliminação de todas as formas de trabalho forçado; abolição efetiva do trabalho infantil e eliminação de todas as formas de discriminação); b) promoção do emprego de qualidade; c) extensão da proteção social; e d) diálogo social. Um elemento central e transversal do conceito de trabalho decente é a igualdade de oportunidades e de tratamento e o combate a todas as formas de discriminação — de gênero, raça/cor, etnia, idade, orientação sexual, contra pessoas com deficiência, vivendo com HIV e Aids etc.
Leia: Emprego, Desenvolvimento Humano e Trabalho Decente – A experiência brasileira recente
(Pnud)
Após piorar na segunda metade dos anos 90, o Brasil melhorou a partir do início desta década em alguns dos índices usados pela ONU para avaliar o que chama de "trabalho decente" (leia texto ao lado). É o que aponta um relatório organizado pela CEPAL (Comissão Econômica para América Latina e Caribe), pela OIT (Organização Internacional do Trabalho) e pelo PNUD em que são analisados 28 indicadores de quatro áreas: emprego, proteção social, direitos no trabalho e diálogo social. Nem todos os dados mostraram tendência semelhante, mas em linhas gerais é possível dizer que “o déficit de trabalho decente no Brasil é elevado; aumentou no começo do período analisado [1992] e tem diminuído nos anos 2000”, afirma o estudo, chamado Emprego, Desenvolvimento Humano e Trabalho Decente – A experiência brasileira recente e lançado na segunda-feira. As desigualdades de gênero e de cor/raça em geral diminuíram, mas permanecem altas.
A proporção de trabalhadores informais, por exemplo, era de 53,4% em 1992, passou a 53,8% em 1996, cresceu de maneira constante até 1999, quando atingiu 55,9%, mas vem caindo desde 2002, depois de uma pequena oscilação. Em 2006, o índice era de 51,8%, o menor da série analisada. O acesso à Previdência Social, considerada pelo relatório um "instrumento essencial para a coesão social", oscilou na margem dos 46% entre 1992 e 2002, ano em que teve início uma expansão constante: em 2006, era de 50,5%. "O aumento da proporção de beneficiados reflete, sem dúvida, as melhorias recentes do mercado de trabalho e está fortemente associado ao crescimento do emprego formal", analisa. Tendência semelhante ocorreu com o rendimento.
"O rendimento médio do trabalho subiu após o Plano Real, mas caiu de forma sistemática entre 1996 e 2003, e começou a recuperar-se somente a partir de 2005. Esse movimento recente resulta da diminuição do desemprego, mas também reflete a recuperação do poder de compra do salário mínimo — iniciada na década anterior e intensificada a partir de 2005 —, melhores resultados nas negociações coletivas entre trabalhadores e empregadores e a melhoria relativa da situação das mulheres e da população negra no mercado de trabalho”, afirma o texto. A recuperação do salário mínimo tem sido constante desde 1996, depois de oscilar nos dez anos anteriores. Em 2007, o mínimo do brasileiro era de R$ 419,86, em valores reais.
"Em termos nominais, o salário mínimo subiu de R$ 70,00 em setembro de 1994 para R$ 380,00 em abril de 2007, um reajuste de 442,9%. No mesmo período, a inflação medida pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC), calculado pelo IBGE, foi de 182,4%, o que resultou em um ganho real da ordem de 92,2%. Portanto, nesse período o mínimo quase dobrou em termos reais", destaca o relatório. O aumento dos rendimentos ocorreu paralelamente à diminuição da parcela dos trabalhadores que exercem jornadas excessivas — superiores às 44 horas estipuladas pela Constituição. Na década de 90, cerca de 40% década de da mão-de-obra brasileira trabalhava mais do que esse patamar, mas a proporção vem caindo desde 2001 e em 2006 atingiu 34,7%.
A jornada extensa era mais comum entre os homens (42,4%) do que entre as mulheres (24,5%), mas o quadro muda quando se levam em conta também os serviços domésticos “No país, 109,2 milhões de pessoas de 10 anos ou mais de idade declararam realizar tarefas domésticas; desses, 71,5 milhões (65,4%) são mulheres e 37,7 milhões (34,6%) são homens", afirma o relatório. "Entre a população ocupada, os homens despendem 9,1 horas semanais em atividades desse tipo, e as mulheres, 21,8 horas. Assim, ainda que a carga horária feminina remunerada seja em média menor que a masculina (34,7 e 42,9 horas semanais, respectivamente), a situação se inverte quando se consideram também os afazeres domésticos: as mulheres trabalham em média 11,5 horas por dia útil, e os homens, 10,6."
As mulheres também estão em situação desfavorável nas taxas de desemprego. "Em 2006, a taxa de desemprego para pessoas acima de 16 anos ou mais atingiu 11% entre as mulheres, enquanto para os homens era bem mais baixa (6,3%). Entre 1992 e 2006, o aumento da taxa de desemprego feminina (41%) foi quase o dobro da alta da desocupação masculina (21%)", relata o texto.
Trabalho infantil Um número que tem apresentado avanços expressivos no Brasil é o de redução do trabalho infantil. De acordo com a PNAD (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios) de 2006, o Brasil tinha 37,9 milhões de crianças e adolescentes de 5 a 15 anos. Destes, 2,4 milhões exerciam algum tipo de trabalho na semana de referência da pesquisa. Em 1992, o problema atingia o dobro de pessoas nessa faixa etária — 5 milhões. "A incidência do trabalho infantil diminuiu de 13,6% para 6,2% entre 1992 e 2006.
Desagregado em duas faixas etárias, o indicador mostra que, no mesmo período, a redução foi de 3,7% para 1,3% entre crianças de 5 a 9 anos, e de 21,9% para 10,0% entre os 10 a 15 anos", afirma o relatório, que defende a tese, com base em um estudo da OIT baseado na própria PNAD, de que trabalho infantil gera renda menor na idade adulta. "A pesquisa indica que pessoas que começaram a trabalhar antes dos 14 anos têm uma probabilidade muito baixa de obter rendimentos superiores aos R$ 1.000 ao longo da vida. A maioria daquelas que entraram no mercado antes dos 9 anos têm baixa probabilidade de receber rendimentos superiores a R$ 500", diz o texto.
"Em média, quem começou a trabalhar entre 15 e 17 anos não chega aos 30 anos com uma renda muito diferente de quem ingressou com 18 ou 19 anos. Mas, à medida que a pessoa envelhece, há maior probabilidade de que, se começou a trabalhar entre os 18 e 19 anos, consiga melhor renda do que quem começou a trabalhar entre os 15 e 17 anos", acrescenta.
O que é trabalho decenteTrabalho decente é um trabalho produtivo e adequadamente remunerado, exercido em condições de liberdade, eqüidade e segurança, e que garanta uma vida digna a todas as pessoas que vivem do trabalho e a suas famílias. Também pode ser entendido como emprego de qualidade, seguro e saudável, que respeite os direitos fundamentais do trabalho, garanta proteção social quando não pode ser exercido (desemprego, doença, acidentes, entre outros) e assegure uma renda para a aposentadoria. Também engloba o direito à representação e à participação no diálogo social.
Trabalho decente diz respeito à dignidade humana. Este conceito está embasado em quatro pilares: a) respeito às normas internacionais do trabalho, em especial aos princípios e direitos fundamentais do trabalho (liberdade sindical e reconhecimento efetivo do direito de negociação coletiva; eliminação de todas as formas de trabalho forçado; abolição efetiva do trabalho infantil e eliminação de todas as formas de discriminação); b) promoção do emprego de qualidade; c) extensão da proteção social; e d) diálogo social. Um elemento central e transversal do conceito de trabalho decente é a igualdade de oportunidades e de tratamento e o combate a todas as formas de discriminação — de gênero, raça/cor, etnia, idade, orientação sexual, contra pessoas com deficiência, vivendo com HIV e Aids etc.
Leia: Emprego, Desenvolvimento Humano e Trabalho Decente – A experiência brasileira recente
(Pnud)
O consumidor ético e as marcas sustentáveis
Ricardo Voltolini, da Revista Idéia Socioambiental
Se, como diz a sabedoria popular, contra fatos não há argumentos, alguns dados recentes contribuem para derrubar as reservas dos céticos do movimento do consumo consciente no mundo. De acordo com um relatório do Cooperative Bank, o valor dos gastos dos britânicos com produtos verdes cresceu em 81% entre 2006 e 2007. Em 1999, os ingleses desembolsavam 9,6 bilhões de libras. Em 2007, as cifras estavam em 32,3 bilhões de libras. O mercado norte-americano de produtos ecologicamente corretos está estimado hoje em 227 bilhões de dólares. E ele só faz crescer, a despeito da crise econômica que tem incomodado o país no último ano.
Um em cada três italianos e franceses considera a questão ambiental em suas decisões de compra. Um em cada cinco alemães e espanhóis valoriza o fator sustentabilidade na hora de escolher um produto ou uma marca. No Brasil, dois em cada dez brasileiros punem ou premiam empresas segundo os seus compromissos sustentáveis. Mas se utilizada uma amostragem de consumidores de classe A, mais escolarizados, essa proporção cresce, aproximando-se do padrão dos europeus e norte-americanos.
Ainda que tais dados careçam de precisão e comparabilidade, na medida em que decorrem de pesquisas pontuais, eles possibilitam, para o que interessa a este artigo, duas conclusões gerais. A primeira: o “apelo verde”, que parecia apenas uma moda politicamente correta, na segunda metade dos anos 1990, transformou-se, com a urgência das mudanças climáticas, em fator determinante no comportamento do novo consumidor deste século 21. A segunda conclusão cabível é que nenhuma empresa com produto voltado para o público final poderá, nos próximos anos, ignorar a variável da sustentabilidade como elemento importante na construção de sua marca, sob pena de perder clientes cada dia menos fiéis em mercados com produtos crescentemente comoditizados. A inclusão da temática socioambiental entre as expectativas dos consumidores é, sem dúvida, uma peça nova no tabuleiro do mercado mundial, que vai mudar a maneira como os profissionais de marketing e os planejadores de branding edificam as marcas.
Uma escola de pensadores ingleses atribui a esse comportamento do consumidor a deflagração de uma espécie de terceira onda da construção de marcas. A primeira, denominada racional, e nascida nos anos 1950, fundamentava-se na apresentação dos atributos do produto. Movido pela razão, o consumidor estabelecia com a marca uma relação de confiança baseada na entrega objetiva do benefício que o produto oferecia.
A segunda onda, também conhecida como emocional, teria surgido na década de 1970 com a propaganda de uma certa marca de jeans que, em vez de ressaltar as suas características físicas ou funcionais, tentava convencer o consumidor a usar o produto apelando para a projeção aspiracional de liberdade, juventude, energia e rebeldia. A terceira onda, classificada como ética, teria começado nos anos 1990, inaugurando o conceito de “espiritual brand”.
A diferença para as duas anteriores está no fato de que, além identificar os aspectos funcionais do produto ou de aspirar a tê-lo por causa das emoções que evoca, o consumidor ético deseja, sobretudo, comprar produtos de marcas com valores e crenças, de empresas que pensem e ajam como eles. Mais do que falar, os consumidores “éticos” têm demonstrado vontade de agir. Estima-se que, na média mundial, um terço deles já tenha boicotado pelo menos um produto em virtude de uma percepção de baixo compromisso socioambiental.
Engajado, esse tipo de consumidor está, por essa razão, atento ao que dizem as mensagens das chamadas “campanhas verdes.” E também desconfiado delas. No Reino Unido, o Advertiing Standarts Authorithy retirou de circulação, entre janeiro e setembro de 2007, 19 campanhas consideradas enganosas. Nos EUA, há um movimento semelhante. Desse quadro completamente novo emerge uma reflexão importante. Parece não haver dúvida de que a preocupação sustentável consiste em elemento importante no processo de construção de uma marca contemporânea.
O desafio que se coloca aos planejadores de branding é utilizar um marketing também sustentável, que leve em conta quatro princípios afinados com a noção de sustentabilidade: a verdade, a clareza, o não-desperdício e a coerência entre o que a marca promete e o que ele efetivamente entrega. Ricardo Voltolini é publisher da revista Idéia Socioambiental e diretor da consultoria Idéia Sustentável. ricardo@ideiasustentavel.com.br
Se, como diz a sabedoria popular, contra fatos não há argumentos, alguns dados recentes contribuem para derrubar as reservas dos céticos do movimento do consumo consciente no mundo. De acordo com um relatório do Cooperative Bank, o valor dos gastos dos britânicos com produtos verdes cresceu em 81% entre 2006 e 2007. Em 1999, os ingleses desembolsavam 9,6 bilhões de libras. Em 2007, as cifras estavam em 32,3 bilhões de libras. O mercado norte-americano de produtos ecologicamente corretos está estimado hoje em 227 bilhões de dólares. E ele só faz crescer, a despeito da crise econômica que tem incomodado o país no último ano.
Um em cada três italianos e franceses considera a questão ambiental em suas decisões de compra. Um em cada cinco alemães e espanhóis valoriza o fator sustentabilidade na hora de escolher um produto ou uma marca. No Brasil, dois em cada dez brasileiros punem ou premiam empresas segundo os seus compromissos sustentáveis. Mas se utilizada uma amostragem de consumidores de classe A, mais escolarizados, essa proporção cresce, aproximando-se do padrão dos europeus e norte-americanos.
Ainda que tais dados careçam de precisão e comparabilidade, na medida em que decorrem de pesquisas pontuais, eles possibilitam, para o que interessa a este artigo, duas conclusões gerais. A primeira: o “apelo verde”, que parecia apenas uma moda politicamente correta, na segunda metade dos anos 1990, transformou-se, com a urgência das mudanças climáticas, em fator determinante no comportamento do novo consumidor deste século 21. A segunda conclusão cabível é que nenhuma empresa com produto voltado para o público final poderá, nos próximos anos, ignorar a variável da sustentabilidade como elemento importante na construção de sua marca, sob pena de perder clientes cada dia menos fiéis em mercados com produtos crescentemente comoditizados. A inclusão da temática socioambiental entre as expectativas dos consumidores é, sem dúvida, uma peça nova no tabuleiro do mercado mundial, que vai mudar a maneira como os profissionais de marketing e os planejadores de branding edificam as marcas.
Uma escola de pensadores ingleses atribui a esse comportamento do consumidor a deflagração de uma espécie de terceira onda da construção de marcas. A primeira, denominada racional, e nascida nos anos 1950, fundamentava-se na apresentação dos atributos do produto. Movido pela razão, o consumidor estabelecia com a marca uma relação de confiança baseada na entrega objetiva do benefício que o produto oferecia.
A segunda onda, também conhecida como emocional, teria surgido na década de 1970 com a propaganda de uma certa marca de jeans que, em vez de ressaltar as suas características físicas ou funcionais, tentava convencer o consumidor a usar o produto apelando para a projeção aspiracional de liberdade, juventude, energia e rebeldia. A terceira onda, classificada como ética, teria começado nos anos 1990, inaugurando o conceito de “espiritual brand”.
A diferença para as duas anteriores está no fato de que, além identificar os aspectos funcionais do produto ou de aspirar a tê-lo por causa das emoções que evoca, o consumidor ético deseja, sobretudo, comprar produtos de marcas com valores e crenças, de empresas que pensem e ajam como eles. Mais do que falar, os consumidores “éticos” têm demonstrado vontade de agir. Estima-se que, na média mundial, um terço deles já tenha boicotado pelo menos um produto em virtude de uma percepção de baixo compromisso socioambiental.
Engajado, esse tipo de consumidor está, por essa razão, atento ao que dizem as mensagens das chamadas “campanhas verdes.” E também desconfiado delas. No Reino Unido, o Advertiing Standarts Authorithy retirou de circulação, entre janeiro e setembro de 2007, 19 campanhas consideradas enganosas. Nos EUA, há um movimento semelhante. Desse quadro completamente novo emerge uma reflexão importante. Parece não haver dúvida de que a preocupação sustentável consiste em elemento importante no processo de construção de uma marca contemporânea.
O desafio que se coloca aos planejadores de branding é utilizar um marketing também sustentável, que leve em conta quatro princípios afinados com a noção de sustentabilidade: a verdade, a clareza, o não-desperdício e a coerência entre o que a marca promete e o que ele efetivamente entrega. Ricardo Voltolini é publisher da revista Idéia Socioambiental e diretor da consultoria Idéia Sustentável. ricardo@ideiasustentavel.com.br
Análise: cem dias de Carlos Minc
Flávio Bonanome, para Amazonia.org
No último dia 3 de setembro completaram-se cem dias desde que Carlos Minc assumiu o cargo de ministro do meio ambiente, substituindo Marina Silva que renunciou no dia 13 de maio. Já na própria aceitação de Minc ao cargo de ministro, o processo foi conturbado. Da noite para o dia, Marina disse que sairia. Foi convidado então, para assumir o cargo, Jorge Viana, que prontamente rejeitou.
Minc, inicialmente, também não o aceitou. Seu "sim" veio após uma conversa com um representante do governo. Passado esse período conturbado, o ex-secretário do Meio Ambiente do Rio de Janeiro, foi nomeado ministro. Minc assumiu o cargo já se comprometendo à não alteração do Código Florestal, especialmente no que diz respeito à manutenção da área de reserva legal de 80% no bioma Amazônico. A onda de boas decisões prosseguiu com a renovação da Moratória da Soja, que restringe a venda do grão produzido em regiões de Amazônia desmatada (entenda o que é Moratória da Soja), e o decreto que regulamentou a Lei dos Crimes Ambientais.
A deliberação aumentou a agilidade no processo de julgamento e punição dos delitos relativos ao meio ambiente. Porém, com a mesma velocidade que se construiu a idéia de que o novo ministro faria um bom trabalho na luta pelo meio ambiente, essa imagem esvaiu-se. Conhecido por ter feito a maior quantidade de licenciamentos ambientais no governo fluminense, Minc não fez por menos: essa característica foi vista ao dar o aval para a licença de instalação da usina de Santo Antônio, no rio Madeira (RO).
O que estava previsto para acontecer em 2009, foi feita no mês passado: Minc assina a LI da hidrelétrica, sob protestos de ambientalistas e até com o parecer contrário do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais (Ibama).
Outra licença recorde emitida pelo ministro foi a relacionada à construção da usina nuclear Angra 3. Historicamente, Minc sempre foi contra a continuação do Programa Nuclear Brasileiro. A única exigência que fez em troca da concessão foi a construção de um depósito para o lixo atômico. Porém existe grande chance desta condição ser amenizada pela Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEM). Outra medida bastante controversa foi gerada pela parceria de Minc com o ministro dos transportes Alfredo Nascimento.
Os dois divulgaram a concessão para a pavimentação da BR 319, que liga Manaus a Porto velho. Essa decisão veio de encontro com o planejamento do governo do Amazonas de substituir a velha rodovia por uma estrada de ferro, teoricamente menos impactante. Questões políticas, como a futura candidatura de Alfredo Nascimento para o governo do Amazonas, aparentemente influenciaram na decisão final.
Atitudes como estas, somada à falta de diálogo entre ONGs, o ministério e a sociedade civil, fizeram crescer diversas tensões e críticas à gestão Minc, como a do diretor de Políticas do Greenpeace, Sérgio Leitão, publicada no Valor Econômico (veja aqui) Cedendo às pressões, o ministro convocou uma reunião com as instituições do terceiro setor, prometendo reabrir o diálogo. Durante o encontro, Minc tratou de desmentir alguns boatos, como o de um suposto acordo que havia assinado com Reinhold Stephanes, ministro da agricultura, sobre a reposição de reserva legal com espécies exóticas, ou ainda, sobre o planejamento de canaviais na região do pantanal. O ministro conseguiu apaziguar um pouco o clima tenso, mas mesmo assim será necessário muito para sustentar suas palavras e ações. Em cem dias, Minc prova o que já estava praticamente óbvio: não é fácil exercer o comando da pasta do Meio Ambiente, ainda mais quando ela era gerenciada por Marina Silva.
(Amazonia.org)
No último dia 3 de setembro completaram-se cem dias desde que Carlos Minc assumiu o cargo de ministro do meio ambiente, substituindo Marina Silva que renunciou no dia 13 de maio. Já na própria aceitação de Minc ao cargo de ministro, o processo foi conturbado. Da noite para o dia, Marina disse que sairia. Foi convidado então, para assumir o cargo, Jorge Viana, que prontamente rejeitou.
Minc, inicialmente, também não o aceitou. Seu "sim" veio após uma conversa com um representante do governo. Passado esse período conturbado, o ex-secretário do Meio Ambiente do Rio de Janeiro, foi nomeado ministro. Minc assumiu o cargo já se comprometendo à não alteração do Código Florestal, especialmente no que diz respeito à manutenção da área de reserva legal de 80% no bioma Amazônico. A onda de boas decisões prosseguiu com a renovação da Moratória da Soja, que restringe a venda do grão produzido em regiões de Amazônia desmatada (entenda o que é Moratória da Soja), e o decreto que regulamentou a Lei dos Crimes Ambientais.
A deliberação aumentou a agilidade no processo de julgamento e punição dos delitos relativos ao meio ambiente. Porém, com a mesma velocidade que se construiu a idéia de que o novo ministro faria um bom trabalho na luta pelo meio ambiente, essa imagem esvaiu-se. Conhecido por ter feito a maior quantidade de licenciamentos ambientais no governo fluminense, Minc não fez por menos: essa característica foi vista ao dar o aval para a licença de instalação da usina de Santo Antônio, no rio Madeira (RO).
O que estava previsto para acontecer em 2009, foi feita no mês passado: Minc assina a LI da hidrelétrica, sob protestos de ambientalistas e até com o parecer contrário do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais (Ibama).
Outra licença recorde emitida pelo ministro foi a relacionada à construção da usina nuclear Angra 3. Historicamente, Minc sempre foi contra a continuação do Programa Nuclear Brasileiro. A única exigência que fez em troca da concessão foi a construção de um depósito para o lixo atômico. Porém existe grande chance desta condição ser amenizada pela Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEM). Outra medida bastante controversa foi gerada pela parceria de Minc com o ministro dos transportes Alfredo Nascimento.
Os dois divulgaram a concessão para a pavimentação da BR 319, que liga Manaus a Porto velho. Essa decisão veio de encontro com o planejamento do governo do Amazonas de substituir a velha rodovia por uma estrada de ferro, teoricamente menos impactante. Questões políticas, como a futura candidatura de Alfredo Nascimento para o governo do Amazonas, aparentemente influenciaram na decisão final.
Atitudes como estas, somada à falta de diálogo entre ONGs, o ministério e a sociedade civil, fizeram crescer diversas tensões e críticas à gestão Minc, como a do diretor de Políticas do Greenpeace, Sérgio Leitão, publicada no Valor Econômico (veja aqui) Cedendo às pressões, o ministro convocou uma reunião com as instituições do terceiro setor, prometendo reabrir o diálogo. Durante o encontro, Minc tratou de desmentir alguns boatos, como o de um suposto acordo que havia assinado com Reinhold Stephanes, ministro da agricultura, sobre a reposição de reserva legal com espécies exóticas, ou ainda, sobre o planejamento de canaviais na região do pantanal. O ministro conseguiu apaziguar um pouco o clima tenso, mas mesmo assim será necessário muito para sustentar suas palavras e ações. Em cem dias, Minc prova o que já estava praticamente óbvio: não é fácil exercer o comando da pasta do Meio Ambiente, ainda mais quando ela era gerenciada por Marina Silva.
(Amazonia.org)
Mudando o jogo no cassino global
Hazel Henderson
Desde a década de 80, quando Margaret Thatcher e Ronald Reagan incentivaram a desregulamentação das finanças globais e os processos de privatização, o fundamentalismo de mercado passou a ser o jogo principal.
Finalmente, o mundo está vendo a diferença entre dinheiro e riqueza, entre as demandas dos mercados e as necessidades reais dos pobres. Omitimo-nos diante das imagens dramáticas de pessoas pobres observando a abundância, buscando comida nos mercados locais em todo o mundo, mas sendo forçadas a seguirem com fome ou alimentarem seus filhos com barro, temperos e restos de comida que conseguem encontrar.
Os jogos dos comerciantes, especuladores, hedge funds, private equity e até mesmo gestores de fundos de pensão, fundações beneficentes e universitárias induzem o aumento dos preços do petróleo e dos alimentos, provocando revoltas e reivindicações por mudanças. A recente Conferência da FAO, em Roma, pediu US $ 10 bilhões para fazer frente à alta desenfreada do preço dos alimentos. Mas sem reformas financeiras, esse dinheiro só engordará ainda mais os jogadores do cassino global.
As falhas do laissez-faire evidenciam-se mais uma vez na nova rodada de desastres financeiros, que já resultou em prejuízos de US $ 100 bilhões, provocados por modelos deficientes de risco e pelo colapso de hedge funds que especulam com petróleo e commodities. Apesar dos esforços dos investidores socialmente responsáveis e gestores patrimoniais para impor transparência, melhor governança corporativa e realismo aos preços, poucos progressos foram feitos para incorporar os custos sociais e ambientais às análises de risco, aos balanços patrimoniais e aos PIBs nacionais.
Esses custos gigantescos e crescentes - da poluição às mudanças climáticas – ignorados durante décadas por financistas, contadores e pelas estatísticas oficiais – agora alimentam as suspeitas de milhões de pessoas de que o mercado financeiro global é realmente um cassino, com regras impostas pelos próprios jogadores. Nas negociações incessantes, e agora informatizadas, entre eles (recentemente reconhecidos no mercado londrino de ações pelo elevado nível de testosterona), os jogos de dinheiro, poder e ego estão mudando novamente – para pior.
• Os agentes do mercado, que se recusam a se submeter à avaliação dos acionistas, analistas e gestores mais rigorosos de fundos, realizam acordos secretos, compram empresas, endividam-nas, esgotam seus ativos e tornam a vendê-las. • As empresas tentam inflar os preços de suas ações , limitando a oferta, como fazem, por exemplo, as empresas petrolíferas, que “bancam” os aumentos gigantescos do petróleo, em vez de investir em produção e logística.
• Os hedge funds (630 deles especulando no setor da energia) totalizaram US $ 2,9 trilhões, propiciando ganhos de US $ 14 bilhões em 2007 aos dez maiores gestores. Eles continuam a proliferar, mesmo após a falência de seus modelos de risco, como grandes investidores gananciosos em busca de lucros cada vez mais elevados. O jogo, tal como acontece com os private equity, é também o de comprar empresas endividadas. Especular com commodities (US$ 8 bilhões de contratos futuros de petróleo só em 2007) eleva os preços de outros bens.
• O jogo "realçando o valor do acionista" frente às outras partes interessadas, desempenhado pelos private equity e hedge fund, tem levado muitos gestores de fundos de pensão, fundações e universidades a participarem desse novo sweepstake da ganância. Muitos trabalhadores estão chocados ao descobrir que seus gestores investem suas aposentadorias neste jogo que contribui para o aumento do gás, dos alimentos e das emissões de carbono.
• O mais recente jogo é a proliferação dos fundos soberanos, que oscilam entre os derivados de petróleo e os excedentes comerciais. A Noruega tem a gestão mais antiga e responsável desse tipo de fundo. Outros são Singapura, China, Kuwait e os Emirados Árabes.
Aqui o jogo não é só dinheiro, mas poder e influência, como comprar ativos reais em vez de especular com dólares. Os Estados Unidos, a maior nação devedora do mundo, são obrigados a cortejarem esses fundos, enviando o secretário do Tesouro Nacional, Henry Paulson, com chapéu na mão, enquanto o presidente Bush implora ao rei Abdullah, da Arábia Saudita, por mais petróleo.
• Os bancos, feridos por investimentos imprudentes na sopa de letrinhas de derivativos esotéricos – CDOs, SIVs, CDSs (US $ 62 trilhões) –, também olham para os fundos soberanos como uma forma de garantia, unindo-se ao mantra dos hedge funds e private equity.
Os contribuintes hesitam em custear a liquidez do banco de investimentos Bear Stearns, de Wall Street, enquanto os bancos centrais exaurem suas reservas, instrumentos e medidas. Os cortes das taxas de juros do US Federal Reserve enfraqueceram ainda mais o dólar, alimentado a inflação e a bolha especulativa com petróleo e commodities.
Quais são os prováveis resultados de todos esses novos jogos no cassino global - ainda não regulamentado desde a quebra das bolsas de valores na Ásia, no final dos anos 90? Em primeiro lugar, estamos vendo os efeitos da criação maciça de crédito pelos bancos centrais que alimentam bolhas como a das empresas ponto.com, habitação, petróleo, alimentos e commodities – resultando numa expansão mundial do “fiat money”. Essa globalização desregulada dos mercados financeiros conduziu a um rápido contágio mundial – acelerado pelas mesas de aplicação baseadas em algoritmos informatizados.
Os "cientistas de foguetes", como são chamados os matemáticos, atraídos pelos hedge funds, acabaram desenhando modelos imperfeitos, que falham por avaliarem os riscos gerados por essa nova condição e por usarem estratégias comerciais que criam novos riscos sistêmicos para os mercados financeiros. Setores financeiros dos Estados Unidos, Inglaterra e de outros mercados estão em processo de metástase, tal como já ocorrera antes do crash de Wall Street, em 1929.
Na Inglaterra, o mercado financeiro representa 25% do PIB e nos Estados Unidos, mais de 20%. Há muitas pessoas empregadas nas corretoras de valores, nos setores de crédito e engenharia financeira – ao contrário da produção de bens e serviços reais. O dinheiro foi uma invenção importante da humanidade, mas só conserva o seu valor quando lastreado na economia real. Pirâmides de papel e agora de “bens” eletrônicos inevitavelmente levam a crises, afetando tanto os especuladores como o resto da economia. Vemos agora como a evolução das teorias dos banqueiros centrais distorceram a economia real, com base em crenças como a de Alan Greenspan, de que as empresas ponto com criaram uma "nova economia", incentivando os endividados americanos a testar taxas ajustáveis de hipotecas, saudando todos os novos derivativos, que difundem o risco exatamente entre os que não são capazes de suportá-lo, como “inovações financeiras”
. As reformas necessárias para conter os excessos no cassino financeiro global incluem:
• taxar os 90% de especulação verificados atualmente nos US$ 2 bilhões que circulam diariamente nos mercados de câmbio;
• cortar os US $ 260 bilhões dos fundos vinculados ao petróleo e outras commodities;
• reduzir a alavancagem “de 16 para 1”, permitida em petróleo e commodities comerciais, por meio do aumento das requisições de margem;
• revogar a "lacuna ENRON", criada em 2001 para desregulamentar o mercado de energia;
• revogar os subsídios e incentivos dos Estados Unidos e da União Européia para o etanol;
• exigir maior transparência e monitoramento dos hedge funds, private equity e fundos soberanos.
Muitas outras reformas são fundamentais: exigir que os bancos centrais se utilizem de instrumentos mais direcionados para conter a manipulação das taxas de juros, como, por exemplo, o aumento das reservas de capital que os bancos são obrigados a manter e das margens exigidas para a compra de ações. É urgente também a reforma das políticas fiscais: taxar as emissões de carbono, a poluição, os resíduos, a obsolescência programada e a superutilização dos recursos naturais, ao mesmo tempo em que se reduz os impostos sobre os salários.
O corte dos subsídios massivos ao petróleo, carvão, gás e às indústrias nucleares pode acelerar o desenvolvimento das energias renováveis, como a solar, eólica, geotérmica, das marés, células de combustível, hidrogênio, bem como a recaptura de 40% da energia atualmente desperdiçada pela economia fóssil dos Estados Unidos – medidas que podem conduzir as sociedades humanas, finalmente, à Era Solar. Ao mudarmos os jogos financeiros e consertarmos os erros contábeis no cassino global, também poderemos mudar os scorecards obsoletos. Já está em andamento uma ampla pesquisa mundial para avaliar os erros de mensuração econômica embutidos no crescimento do PIB, que permitirá corrigir as omissões dos custos sociais e ambientais (www.beyond-gdp.eu). Todos esses fatores, somados aos indicadores de saúde, educação, má distribuição de renda, ambiente e qualidade de vida, podem ajudar a conter o cassino global e recolocar as finanças no seu verdadeiro lugar.
Hazel Henderson é autora de “Mercado Ético: a força do novo paradigma empresarial”. Co-criadora dos Indicadores Calvert-Henderson de Qualidade de Vida (atualizados regularmente em www.calvert-henderson.com). Presidente da Ethical Markets Media, LLC. Líder mundial da plataforma de comunicação Mercado Ético.
Desde a década de 80, quando Margaret Thatcher e Ronald Reagan incentivaram a desregulamentação das finanças globais e os processos de privatização, o fundamentalismo de mercado passou a ser o jogo principal.
Finalmente, o mundo está vendo a diferença entre dinheiro e riqueza, entre as demandas dos mercados e as necessidades reais dos pobres. Omitimo-nos diante das imagens dramáticas de pessoas pobres observando a abundância, buscando comida nos mercados locais em todo o mundo, mas sendo forçadas a seguirem com fome ou alimentarem seus filhos com barro, temperos e restos de comida que conseguem encontrar.
Os jogos dos comerciantes, especuladores, hedge funds, private equity e até mesmo gestores de fundos de pensão, fundações beneficentes e universitárias induzem o aumento dos preços do petróleo e dos alimentos, provocando revoltas e reivindicações por mudanças. A recente Conferência da FAO, em Roma, pediu US $ 10 bilhões para fazer frente à alta desenfreada do preço dos alimentos. Mas sem reformas financeiras, esse dinheiro só engordará ainda mais os jogadores do cassino global.
As falhas do laissez-faire evidenciam-se mais uma vez na nova rodada de desastres financeiros, que já resultou em prejuízos de US $ 100 bilhões, provocados por modelos deficientes de risco e pelo colapso de hedge funds que especulam com petróleo e commodities. Apesar dos esforços dos investidores socialmente responsáveis e gestores patrimoniais para impor transparência, melhor governança corporativa e realismo aos preços, poucos progressos foram feitos para incorporar os custos sociais e ambientais às análises de risco, aos balanços patrimoniais e aos PIBs nacionais.
Esses custos gigantescos e crescentes - da poluição às mudanças climáticas – ignorados durante décadas por financistas, contadores e pelas estatísticas oficiais – agora alimentam as suspeitas de milhões de pessoas de que o mercado financeiro global é realmente um cassino, com regras impostas pelos próprios jogadores. Nas negociações incessantes, e agora informatizadas, entre eles (recentemente reconhecidos no mercado londrino de ações pelo elevado nível de testosterona), os jogos de dinheiro, poder e ego estão mudando novamente – para pior.
• Os agentes do mercado, que se recusam a se submeter à avaliação dos acionistas, analistas e gestores mais rigorosos de fundos, realizam acordos secretos, compram empresas, endividam-nas, esgotam seus ativos e tornam a vendê-las. • As empresas tentam inflar os preços de suas ações , limitando a oferta, como fazem, por exemplo, as empresas petrolíferas, que “bancam” os aumentos gigantescos do petróleo, em vez de investir em produção e logística.
• Os hedge funds (630 deles especulando no setor da energia) totalizaram US $ 2,9 trilhões, propiciando ganhos de US $ 14 bilhões em 2007 aos dez maiores gestores. Eles continuam a proliferar, mesmo após a falência de seus modelos de risco, como grandes investidores gananciosos em busca de lucros cada vez mais elevados. O jogo, tal como acontece com os private equity, é também o de comprar empresas endividadas. Especular com commodities (US$ 8 bilhões de contratos futuros de petróleo só em 2007) eleva os preços de outros bens.
• O jogo "realçando o valor do acionista" frente às outras partes interessadas, desempenhado pelos private equity e hedge fund, tem levado muitos gestores de fundos de pensão, fundações e universidades a participarem desse novo sweepstake da ganância. Muitos trabalhadores estão chocados ao descobrir que seus gestores investem suas aposentadorias neste jogo que contribui para o aumento do gás, dos alimentos e das emissões de carbono.
• O mais recente jogo é a proliferação dos fundos soberanos, que oscilam entre os derivados de petróleo e os excedentes comerciais. A Noruega tem a gestão mais antiga e responsável desse tipo de fundo. Outros são Singapura, China, Kuwait e os Emirados Árabes.
Aqui o jogo não é só dinheiro, mas poder e influência, como comprar ativos reais em vez de especular com dólares. Os Estados Unidos, a maior nação devedora do mundo, são obrigados a cortejarem esses fundos, enviando o secretário do Tesouro Nacional, Henry Paulson, com chapéu na mão, enquanto o presidente Bush implora ao rei Abdullah, da Arábia Saudita, por mais petróleo.
• Os bancos, feridos por investimentos imprudentes na sopa de letrinhas de derivativos esotéricos – CDOs, SIVs, CDSs (US $ 62 trilhões) –, também olham para os fundos soberanos como uma forma de garantia, unindo-se ao mantra dos hedge funds e private equity.
Os contribuintes hesitam em custear a liquidez do banco de investimentos Bear Stearns, de Wall Street, enquanto os bancos centrais exaurem suas reservas, instrumentos e medidas. Os cortes das taxas de juros do US Federal Reserve enfraqueceram ainda mais o dólar, alimentado a inflação e a bolha especulativa com petróleo e commodities.
Quais são os prováveis resultados de todos esses novos jogos no cassino global - ainda não regulamentado desde a quebra das bolsas de valores na Ásia, no final dos anos 90? Em primeiro lugar, estamos vendo os efeitos da criação maciça de crédito pelos bancos centrais que alimentam bolhas como a das empresas ponto.com, habitação, petróleo, alimentos e commodities – resultando numa expansão mundial do “fiat money”. Essa globalização desregulada dos mercados financeiros conduziu a um rápido contágio mundial – acelerado pelas mesas de aplicação baseadas em algoritmos informatizados.
Os "cientistas de foguetes", como são chamados os matemáticos, atraídos pelos hedge funds, acabaram desenhando modelos imperfeitos, que falham por avaliarem os riscos gerados por essa nova condição e por usarem estratégias comerciais que criam novos riscos sistêmicos para os mercados financeiros. Setores financeiros dos Estados Unidos, Inglaterra e de outros mercados estão em processo de metástase, tal como já ocorrera antes do crash de Wall Street, em 1929.
Na Inglaterra, o mercado financeiro representa 25% do PIB e nos Estados Unidos, mais de 20%. Há muitas pessoas empregadas nas corretoras de valores, nos setores de crédito e engenharia financeira – ao contrário da produção de bens e serviços reais. O dinheiro foi uma invenção importante da humanidade, mas só conserva o seu valor quando lastreado na economia real. Pirâmides de papel e agora de “bens” eletrônicos inevitavelmente levam a crises, afetando tanto os especuladores como o resto da economia. Vemos agora como a evolução das teorias dos banqueiros centrais distorceram a economia real, com base em crenças como a de Alan Greenspan, de que as empresas ponto com criaram uma "nova economia", incentivando os endividados americanos a testar taxas ajustáveis de hipotecas, saudando todos os novos derivativos, que difundem o risco exatamente entre os que não são capazes de suportá-lo, como “inovações financeiras”
. As reformas necessárias para conter os excessos no cassino financeiro global incluem:
• taxar os 90% de especulação verificados atualmente nos US$ 2 bilhões que circulam diariamente nos mercados de câmbio;
• cortar os US $ 260 bilhões dos fundos vinculados ao petróleo e outras commodities;
• reduzir a alavancagem “de 16 para 1”, permitida em petróleo e commodities comerciais, por meio do aumento das requisições de margem;
• revogar a "lacuna ENRON", criada em 2001 para desregulamentar o mercado de energia;
• revogar os subsídios e incentivos dos Estados Unidos e da União Européia para o etanol;
• exigir maior transparência e monitoramento dos hedge funds, private equity e fundos soberanos.
Muitas outras reformas são fundamentais: exigir que os bancos centrais se utilizem de instrumentos mais direcionados para conter a manipulação das taxas de juros, como, por exemplo, o aumento das reservas de capital que os bancos são obrigados a manter e das margens exigidas para a compra de ações. É urgente também a reforma das políticas fiscais: taxar as emissões de carbono, a poluição, os resíduos, a obsolescência programada e a superutilização dos recursos naturais, ao mesmo tempo em que se reduz os impostos sobre os salários.
O corte dos subsídios massivos ao petróleo, carvão, gás e às indústrias nucleares pode acelerar o desenvolvimento das energias renováveis, como a solar, eólica, geotérmica, das marés, células de combustível, hidrogênio, bem como a recaptura de 40% da energia atualmente desperdiçada pela economia fóssil dos Estados Unidos – medidas que podem conduzir as sociedades humanas, finalmente, à Era Solar. Ao mudarmos os jogos financeiros e consertarmos os erros contábeis no cassino global, também poderemos mudar os scorecards obsoletos. Já está em andamento uma ampla pesquisa mundial para avaliar os erros de mensuração econômica embutidos no crescimento do PIB, que permitirá corrigir as omissões dos custos sociais e ambientais (www.beyond-gdp.eu). Todos esses fatores, somados aos indicadores de saúde, educação, má distribuição de renda, ambiente e qualidade de vida, podem ajudar a conter o cassino global e recolocar as finanças no seu verdadeiro lugar.
Hazel Henderson é autora de “Mercado Ético: a força do novo paradigma empresarial”. Co-criadora dos Indicadores Calvert-Henderson de Qualidade de Vida (atualizados regularmente em www.calvert-henderson.com). Presidente da Ethical Markets Media, LLC. Líder mundial da plataforma de comunicação Mercado Ético.
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