domingo, 14 de setembro de 2008

Na sociedade de consumidores, tudo o que vai deveria voltar

Naná Prado, do Mercado Ético
Tudo o que vai, volta! Além do sentido popularmente difundido dessa expressão, parece que o caminho é mesmo mostrar que a reação é em cadeia.
Bom, pelo menos quando pensamos na quantidade de resíduos que geramos, essa máxima pode ser aplicada. Quando usamos a palavra "geramos", pretendemos ir além do sentido do consumo individual, que certamente deve ser levado em conta. E, quando falamos em resíduos, estamos nos referindo a todo o lixo doméstico, efluentes industriais, rejeitos perigosos, entulhos da construção civil e materiais hospitalares usados. Anualmente, o Brasil produz 61,5 milhões de toneladas de resíduos urbanos, das quais 54,4 milhões são coletadas. Mas, de acordo com a Abrelpe (Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais), dos 5.563 municípios, 3.406 não tem uma destinação adequada do lixo.
Vemos que há hoje um estímulo crescente à reciclagem de materiais e, mais do que isso, há forte tendência a responsabilizar as empresas pelo ciclo de vida dos produtos que elas geram, mas que, por outro lado, os consumidores – claro – consomem. Pensando nesse cenário da reciclagem com vários setores lucrando – e muito –, com segmentos sendo prejudicados, com outros sendo beneficiados e com praticamente todos gerando impactos, o Mercado Ético inicia uma série de reportagens sobre essa cadeia. É clara a importância de todo o investimento que vem sendo feito em reciclagem e já é de conhecimento de muitos que o Brasil ocupa uma posição interessante em relação a outros países do mundo.
Mas, é claro também, que sem uma mudança cultural, de nada adianta reciclar, reciclar e reciclar se a produção e o consumo continuarem ganhando proporções gigantescas. A gestão adequada de resíduos sólidos é uma tendência mundial e parece não ter mais volta. Então, será que nem tudo que vai, volta? Com essas questões em mente, pretendemos traçar um panorama do setor, mostrando o que vem sendo feito na área pública, privada e por organizações da sociedade civil.

Quem faz o que para quem?

Toda essa onda de preocupação com o ambiente, com os impactos da produção, do consumo e com o ciclo de vida útil dos produtos é perfeitamente visível. Mas, avançando um pouco na discussão e pensando em questões como a da logística reversa pós-consumo, parece que algumas perguntas não são tão claras. Quem financia esta história toda? O Estado? A indústria? O consumidor? Quando uma empresa paulista produz pilhas, que são, por exemplo, consumidas no nordeste, quem seria o responsável por elas?
O consumidor? Quem as embalou? Quem produziu? Como fazer essa pilha voltar para a cadeia produtiva e, assim, atender aos princípios da logística reversa? Nos últimos anos, a logística das empresas sofreu evoluções, sendo considerada fundamental na elaboração do planejamento estratégico e, muitas vezes, responsável por enorme geração de vantagens competitivas às empresas.
A partir dos anos 90, com a constante preocupação sobre a utilização dos recursos naturais, assim como o acúmulo de produtos industrializados nos centro urbanos, as grandes empresas ganharam a fama de ‘culpadas’. Será que foi só fama? Bom, o que importa é que grandes organizações passaram a ter uma nova preocupação: tiveram que buscar soluções e não queriam gerar aumento de custos e despesas – ou seja, não queriam colocar a mão no bolso.
É possível dizer que foi neste cenário que surgiu o conceito de logística reversa.
Na teoria, logística reversa é planejar, operar e controlar o fluxo e as informações logísticas correspondentes ao retorno dos bens de pós-venda e de pós-consumo ao ciclo de negócios – ou ao ciclo produtivo – através dos canais de distribuição reversos, agregando-lhes valor de diversas naturezas: econômico, ecológico, legal, competitivo, de imagem corporativa, entre outros.

Enquanto isso, na sociedade de consumidores...

A teoria seria perfeitamente aplicada se não tivéssemos passado da sociedade de produtores para a sociedade de consumidores. Aqui, o consumismo tomou proporções exageradas e já é possível apostar na irracionalidade das pessoas. Claro que existe, em algumas camadas, a preocupação com o meio ambiente. Existem também indícios (é, a meu ver são indícios) de uma preocupação com o ciclo de vida dos produtos. Mas, o que ganha destaque nessa sociedade de consumidores é o excesso e o desperdício econômico.
“O consumismo também é uma economia do engano. Ele aposta na irracionalidade dos consumidores, e não em suas estimativas sóbrias e bem informadas, estimula emoções consumistas e não cultiva a razão”, afirma Zygmunt Bauman, em seu livro ‘Vida para Consumo – a transformação das pessoas em mercadoria’. Basta atentar para o fato de que, no mundo, são gerados mais de 4,2 bilhões de quilos de lixo por dia, ou uma média de 700 gramas por habitante. “Grande parte dos 61 milhões de toneladas geradas em 2007 foi enviada para lixões a céu aberto. Só a cidade de São Paulo produz mais de 12.000 toneladas de lixo por dia, mas apenas 5% são reciclados”, afirma o deputado federal Arnaldo Jardim.
Para o autor da Política Nacional de Resíduos Sólidos e da lei paulista de resíduos sólidos, sancionada em 2006 e que está aguardando decreto de regulamentação desde então, é preciso mais discussão sob a dinâmica metropolitana. “A ótica da metrópole não foi amplamente analisada e, por isso, não há instrumentos claros sobre sua gestão. Como podemos, nesse cenário, tratar tanto lixo gerado desnecessariamente?”, questiona o deputado.

Solução imediata?

A reciclagem aparece nesse contexto como a solução para alguns dos problemas. Reciclar é, originalmente, fazer com que o material utilizado passe novamente pelo ciclo de produção, voltando a ser matéria-prima, mesmo sabendo que parte da energia original se dissipa em forma de energia solta.
Hoje em dia, o termo já faz parte do vocabulário popular para indicar também o reaproveitamento do material para desempenhar outras funções. O lixo dos consumidores conscientes, que antes iria para lixões e aterros sanitários, agora tem um destino mais nobre: vai para Centros de Triagem. Mas, será que isso é suficiente? Segundo o deputado, “com relação aos resíduos urbanos, 65% dos municípios brasileiros tem alguma iniciativa de coleta seletiva, mas que não são de fato atuantes”.
Com a Política Nacional de Resíduos Sólidos, a idéia é criar um inventário que esteja em conformidade com o disposto pelo Conselho Nacional de Meio Ambiente (Conama). “Algo como o Imposto de Renda, em que é preciso declarar o que sobrou da produção, o que não foi utilizado e será resíduo, como aparas de papel, de carpete, etc. Esta declaração é, a meu ver, um instrumento mais estável de controle do que a fiscalização humana. Terá critérios objetivos: o que sobrou foi ‘x’, que foi transportado para tal local em tais condições”, afirma. Isso é o princípio da logística reversa.
“O que vai tem que voltar”, explica o deputado, acrescentando que é preciso acima de tudo uma mudança de postura da sociedade, e de todas as partes envolvidas. Enquanto a logística tradicional trata do fluxo dos produtos fabrica x cliente, a logística reversa trata do retorno de produtos, materiais e peças do consumidor final ao processo produtivo da empresa. Devido à severa legislação ambiental e também por grande influência da sociedade e organizações não governamentais, as empresas estão adotando a utilização de um percentual maior de material reciclado ao seu processo produtivo, assim como também passaram a adotar procedimentos para o correto descarte dos produtos que não possam ser reutilizados ou reciclados. Confira nas próximas reportagens da série quais são as inter-relações entre os setores no que diz respeito a responsabilidade pelo ciclo de vida dos produtos.
Ilustração: Fabiano Vidal(Mercado Ético)

2 comentários:

Unknown disse...

Olá!
Sou Bruna Pallini, trabalho na Edelman, agência de comunicação da editora Zahar. Ficou bacana esse artigo do Mercado Ético. Como diz Bauman, a cultura do consumo é a grande responsável pelo acúmulo de lixo e poluição nos grandes centros urbanos. A cultura do consumo descartável e efêmero é crescente e a idéia de um consumo sustentável ainda não prevalece. Bauman tratou do tema também no livro Vidas Desperdiçadas. Um abraço.

Unknown disse...

Olá Mrs Groove,
Gostaria de um e-mail para contato com você.
O meu e-mail é: bruna.pallini@edelman.com
Abraços,
Bruna