Hazel Henderson
Desde a década de 80, quando Margaret Thatcher e Ronald Reagan incentivaram a desregulamentação das finanças globais e os processos de privatização, o fundamentalismo de mercado passou a ser o jogo principal.
Finalmente, o mundo está vendo a diferença entre dinheiro e riqueza, entre as demandas dos mercados e as necessidades reais dos pobres. Omitimo-nos diante das imagens dramáticas de pessoas pobres observando a abundância, buscando comida nos mercados locais em todo o mundo, mas sendo forçadas a seguirem com fome ou alimentarem seus filhos com barro, temperos e restos de comida que conseguem encontrar.
Os jogos dos comerciantes, especuladores, hedge funds, private equity e até mesmo gestores de fundos de pensão, fundações beneficentes e universitárias induzem o aumento dos preços do petróleo e dos alimentos, provocando revoltas e reivindicações por mudanças. A recente Conferência da FAO, em Roma, pediu US $ 10 bilhões para fazer frente à alta desenfreada do preço dos alimentos. Mas sem reformas financeiras, esse dinheiro só engordará ainda mais os jogadores do cassino global.
As falhas do laissez-faire evidenciam-se mais uma vez na nova rodada de desastres financeiros, que já resultou em prejuízos de US $ 100 bilhões, provocados por modelos deficientes de risco e pelo colapso de hedge funds que especulam com petróleo e commodities. Apesar dos esforços dos investidores socialmente responsáveis e gestores patrimoniais para impor transparência, melhor governança corporativa e realismo aos preços, poucos progressos foram feitos para incorporar os custos sociais e ambientais às análises de risco, aos balanços patrimoniais e aos PIBs nacionais.
Esses custos gigantescos e crescentes - da poluição às mudanças climáticas – ignorados durante décadas por financistas, contadores e pelas estatísticas oficiais – agora alimentam as suspeitas de milhões de pessoas de que o mercado financeiro global é realmente um cassino, com regras impostas pelos próprios jogadores. Nas negociações incessantes, e agora informatizadas, entre eles (recentemente reconhecidos no mercado londrino de ações pelo elevado nível de testosterona), os jogos de dinheiro, poder e ego estão mudando novamente – para pior.
• Os agentes do mercado, que se recusam a se submeter à avaliação dos acionistas, analistas e gestores mais rigorosos de fundos, realizam acordos secretos, compram empresas, endividam-nas, esgotam seus ativos e tornam a vendê-las. • As empresas tentam inflar os preços de suas ações , limitando a oferta, como fazem, por exemplo, as empresas petrolíferas, que “bancam” os aumentos gigantescos do petróleo, em vez de investir em produção e logística.
• Os hedge funds (630 deles especulando no setor da energia) totalizaram US $ 2,9 trilhões, propiciando ganhos de US $ 14 bilhões em 2007 aos dez maiores gestores. Eles continuam a proliferar, mesmo após a falência de seus modelos de risco, como grandes investidores gananciosos em busca de lucros cada vez mais elevados. O jogo, tal como acontece com os private equity, é também o de comprar empresas endividadas. Especular com commodities (US$ 8 bilhões de contratos futuros de petróleo só em 2007) eleva os preços de outros bens.
• O jogo "realçando o valor do acionista" frente às outras partes interessadas, desempenhado pelos private equity e hedge fund, tem levado muitos gestores de fundos de pensão, fundações e universidades a participarem desse novo sweepstake da ganância. Muitos trabalhadores estão chocados ao descobrir que seus gestores investem suas aposentadorias neste jogo que contribui para o aumento do gás, dos alimentos e das emissões de carbono.
• O mais recente jogo é a proliferação dos fundos soberanos, que oscilam entre os derivados de petróleo e os excedentes comerciais. A Noruega tem a gestão mais antiga e responsável desse tipo de fundo. Outros são Singapura, China, Kuwait e os Emirados Árabes.
Aqui o jogo não é só dinheiro, mas poder e influência, como comprar ativos reais em vez de especular com dólares. Os Estados Unidos, a maior nação devedora do mundo, são obrigados a cortejarem esses fundos, enviando o secretário do Tesouro Nacional, Henry Paulson, com chapéu na mão, enquanto o presidente Bush implora ao rei Abdullah, da Arábia Saudita, por mais petróleo.
• Os bancos, feridos por investimentos imprudentes na sopa de letrinhas de derivativos esotéricos – CDOs, SIVs, CDSs (US $ 62 trilhões) –, também olham para os fundos soberanos como uma forma de garantia, unindo-se ao mantra dos hedge funds e private equity.
Os contribuintes hesitam em custear a liquidez do banco de investimentos Bear Stearns, de Wall Street, enquanto os bancos centrais exaurem suas reservas, instrumentos e medidas. Os cortes das taxas de juros do US Federal Reserve enfraqueceram ainda mais o dólar, alimentado a inflação e a bolha especulativa com petróleo e commodities.
Quais são os prováveis resultados de todos esses novos jogos no cassino global - ainda não regulamentado desde a quebra das bolsas de valores na Ásia, no final dos anos 90? Em primeiro lugar, estamos vendo os efeitos da criação maciça de crédito pelos bancos centrais que alimentam bolhas como a das empresas ponto.com, habitação, petróleo, alimentos e commodities – resultando numa expansão mundial do “fiat money”. Essa globalização desregulada dos mercados financeiros conduziu a um rápido contágio mundial – acelerado pelas mesas de aplicação baseadas em algoritmos informatizados.
Os "cientistas de foguetes", como são chamados os matemáticos, atraídos pelos hedge funds, acabaram desenhando modelos imperfeitos, que falham por avaliarem os riscos gerados por essa nova condição e por usarem estratégias comerciais que criam novos riscos sistêmicos para os mercados financeiros. Setores financeiros dos Estados Unidos, Inglaterra e de outros mercados estão em processo de metástase, tal como já ocorrera antes do crash de Wall Street, em 1929.
Na Inglaterra, o mercado financeiro representa 25% do PIB e nos Estados Unidos, mais de 20%. Há muitas pessoas empregadas nas corretoras de valores, nos setores de crédito e engenharia financeira – ao contrário da produção de bens e serviços reais. O dinheiro foi uma invenção importante da humanidade, mas só conserva o seu valor quando lastreado na economia real. Pirâmides de papel e agora de “bens” eletrônicos inevitavelmente levam a crises, afetando tanto os especuladores como o resto da economia. Vemos agora como a evolução das teorias dos banqueiros centrais distorceram a economia real, com base em crenças como a de Alan Greenspan, de que as empresas ponto com criaram uma "nova economia", incentivando os endividados americanos a testar taxas ajustáveis de hipotecas, saudando todos os novos derivativos, que difundem o risco exatamente entre os que não são capazes de suportá-lo, como “inovações financeiras”
. As reformas necessárias para conter os excessos no cassino financeiro global incluem:
• taxar os 90% de especulação verificados atualmente nos US$ 2 bilhões que circulam diariamente nos mercados de câmbio;
• cortar os US $ 260 bilhões dos fundos vinculados ao petróleo e outras commodities;
• reduzir a alavancagem “de 16 para 1”, permitida em petróleo e commodities comerciais, por meio do aumento das requisições de margem;
• revogar a "lacuna ENRON", criada em 2001 para desregulamentar o mercado de energia;
• revogar os subsídios e incentivos dos Estados Unidos e da União Européia para o etanol;
• exigir maior transparência e monitoramento dos hedge funds, private equity e fundos soberanos.
Muitas outras reformas são fundamentais: exigir que os bancos centrais se utilizem de instrumentos mais direcionados para conter a manipulação das taxas de juros, como, por exemplo, o aumento das reservas de capital que os bancos são obrigados a manter e das margens exigidas para a compra de ações. É urgente também a reforma das políticas fiscais: taxar as emissões de carbono, a poluição, os resíduos, a obsolescência programada e a superutilização dos recursos naturais, ao mesmo tempo em que se reduz os impostos sobre os salários.
O corte dos subsídios massivos ao petróleo, carvão, gás e às indústrias nucleares pode acelerar o desenvolvimento das energias renováveis, como a solar, eólica, geotérmica, das marés, células de combustível, hidrogênio, bem como a recaptura de 40% da energia atualmente desperdiçada pela economia fóssil dos Estados Unidos – medidas que podem conduzir as sociedades humanas, finalmente, à Era Solar. Ao mudarmos os jogos financeiros e consertarmos os erros contábeis no cassino global, também poderemos mudar os scorecards obsoletos. Já está em andamento uma ampla pesquisa mundial para avaliar os erros de mensuração econômica embutidos no crescimento do PIB, que permitirá corrigir as omissões dos custos sociais e ambientais (www.beyond-gdp.eu). Todos esses fatores, somados aos indicadores de saúde, educação, má distribuição de renda, ambiente e qualidade de vida, podem ajudar a conter o cassino global e recolocar as finanças no seu verdadeiro lugar.
Hazel Henderson é autora de “Mercado Ético: a força do novo paradigma empresarial”. Co-criadora dos Indicadores Calvert-Henderson de Qualidade de Vida (atualizados regularmente em www.calvert-henderson.com). Presidente da Ethical Markets Media, LLC. Líder mundial da plataforma de comunicação Mercado Ético.
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