domingo, 28 de junho de 2009

Racismo

O racismo é a tendência do pensamento, ou do modo de pensar em que se dá grande importância à noção da existência de raças humanas distintas e superiores umas às outras. Onde existe a convicção de que alguns indivíduos e sua relação entre características físicas hereditárias, e determinados traços de caráterr e inteligênciaa ou manifestações culturais, são superiores a outros. O racismo não é uma teoria científica, mas um conjunto de opiniões pré concebidas onde a principal função é valorizar as diferenças biológicas entre os seres humanos, em que alguns acreditam ser superiores aos outros de acordo com sua matriz racial. A crença da existência de raças superiores e inferiores foi utilizada muitas vezes para justificar a escravidão, o domínio de determinados povos por outros, e os genocídios que ocorreram durante toda a história da humanidade.

A rota da liberdade do negro Cosme Bento das Chagas e a Balaiada (1838-1841)

Edson Borges*

Na província do Maranhão, há 170 anos, ocorreu uma célebre revolta de escravos. A insurreição de milhares de negros (1838-1840) liderados por Cosme Bento das Chagas tornou-se o fermento mais explosivo durante a Balaiada (1838-1841). Aquele acontecimento revelou um aumento do nível de amadurecimento dos negros escravos pois, através da insurreição buscaram superar a escravidão (após sucessivas fugas e a constituição de diversos núcleos de quilombolas) impondo uma forma mais incisiva de resistência àquela sociedade escravista. Tamanha era a resistência ao trabalho e à condição de escravo que, quando eclodiu a Balaiada (1838), a revolta dos negros e os numerosos quilombos já sacudiam todo o Maranhão. E todo aquele movimento ganhou mais consciência quando liderado pelo negro Cosme Bento das Chagas. Inclusive, a insurreição escrava teve continuidade mesmo após o fim da revolta dos balaios (1841). Também, antigos e novos núcleos de quilombos se mantiveram ou foram criados, alguns concentrando cerca de 400 a 500 quilombolas.


Fabricantes de balaios do século XIX
No Maranhão, constituíram-se, inicialmente, pequenos núcleos esparsos de terras produtoras de açúcar. Em 1622, os primeiros engenhos foram construídos. Desde então, a lavoura canavieira não alcançou grandes índices de produção e comercialização. E, ainda, esteve constantemente ameaçada por grupos indígenas, pela escassez de mão-de-obra e por dificuldades comerciais. De qualquer forma, a província do Maranhão estava plenamente integrada social e economicamente na conjuntura e estrutura coloniais com as suas terras, engenhos e escravos, e com a economia de subsistência (a coleta das "drogas do sertão", a pesca, a caça, a pequena lavoura e a pecuária). Devido ao fato de que a maior quantidade de escravos negros ser absorvida pelas zonas açucareiras de Pernambuco e da Bahia, o problema da constante escassez de mão-de-obra foi "resolvido" pelo aumento do trabalho escravo nativo. No entanto, a oposição da Igreja Católica se opôs à exploração do trabalho escravo indígena, mas não a do trabalho escravo negro. Estes tratados com extremo rigor e violência, andavam quase nus e recebiam uma alimentação insuficiente, geralmente, uma espiga de milho para o almoço, arroz e farinha para o jantar.



Foi, particularmente, desde a 2a metade do século XVIII, que se registrou um grande aumento de escravos negros, vindos das regiões de Cacheu, Bissau e de Angola. A mudança de composição racial da sociedade escravista maranhense refletiu principalmente no decorrer do século XIX, em significativas transformações econômicas e políticas, modificou ainda os padrões e valores sociais. Em conseqüência, a sociedade escravista maranhense foi abalada por diversos conflitos. Em grande parte deles, a ativa participação de escravos e mestiços foi de grande importância. Por conseqüência, a constante resistência ao trabalho forçado se refletiu histórica, individual e socialmente através de fugas, suicídios, insurreições e de crimes contra a condição imposta de ser escravo. Mas, apesar de toda a forma de repressão contra aqueles atos de resistência, o fundamental é que os escravos (submetidos como "coisas" e como homens) à condição de propriedades de outros homens, demarcavam a necessidade de se continuar a luta contra a coisificação e a favor da afirmação da liberdade.

As grandes lavouras de arroz e algodão logo se expandiram pelo interior do sertão, criando tensões por onde desalojava as antigas fazendas de gado. Todo aquele movimento de incremento do trabalho escravo negro (cujo preço foi crescente) levou à sujeição ou dependência gradativa dos proprietários de terras e de escravos aos controladores do tráfico negreiro. Este fato também incrementou o tráfico interno de escravos negros para as províncias do Maranhão, Pernambuco, Bahia e Rio de Janeiro entre 1801 e 1839. A necessidade crescente de escravos negros produziu um fato significativo. Na 1a metade do século XIX (ou por volta de 1822), a população total do Maranhão, excetuando os índios, era estimada em cerca de 152 mil e 800 habitantes, sendo que a proporção de escravos negros estava na casa de dois para cada "homem livre". Nas cidades, vilas, povoações e fazendas, além da existência de negros escravos, havia os negros livres, fato este que poderia, certamente, elevar o número de negros. A expansão das lavouras de algodão para o sertão maranhense e a conseqüente necessidade do aumento do tráfico de escravos negros produziu grandes concentrações de escravos no interior. E, a presença de pouca vigilância facilitou (desde o início do século XVIII) as fugas diárias e a constituição de diversos quilombos, onde os ex-escravos mantinham casas, plantações e criações. Em alguns quilombos exploravam-se minas de ouro, o que permitia que se mantivessem mais relações comerciais com os povoados próximos, possibilitando a compra de víveres, tecidos, armas e munições. Outros quilombolas viviam de forma dispersa, em casebres no interior das matas, praticando a agricultura e optando pelo isolamento. As trilhas que levavam até os quilombos eram diversas. Por volta de 1850, alguns daqueles quilombos tinham mais de 40 anos! Era comum os quilombos serem reconstruídos após imporem grandes resistências às tropas oficiais. Renasciam das cinzas de plantações e casebres destruídos, reconstruindo assim a rota da liberdade.

Muitos quilombos criados no decorrer do período eram, como testemunham as numerosas áreas Remanescentes de Comunidades de Quilombos, registros atuais daqueles acontecimentos históricos. Neste ponto, acentuamos que entre os heróis da história brasileira devemos enaltecer alguns participantes ativos de revoltas ou insurreições escravas e populares anteriores e posteriores ao século XIX, como o nome de Cosme Bento das Chagas. Por outro lado, deveríamos aprender a negar Duque de Caxias, historicamente imposto aos brasileiros como um dos heróis nacionais quando, uma das suas atividades mais constantes foi a de ser um autêntico representante dos interesses das elites brasileiras e um implacável destruidor de quilombos. Estes foram espaços sociais, políticos e ideológicos conquistados por negros. E, estabeleceram rotas da liberdade contrárias às rotas do tráfico de escravos, da escravidão, do açoite, da submissão, da pobreza, da miséria, do racismo, da exclusão social e racial.

No Maranhão, era significativa a presença dos interesses comerciais ingleses, provocando constantes reações de setores nacionais e portugueses. De maneira geral, os períodos de prosperidade que produtos como o algodão e o açúcar alcançaram no mercado internacional beneficiava diretamente os setores e os interesses dominantes do comércio ou do tráfico de escravos. A grande maioria sobrevivia presa à escassez de produtos de subsistência, `a submissão, ao escravismo e à violência. Longe, portanto, das camadas sociais ou famílias que viviam envoltas pela opulência e fortuna. Especialmente, os senhores de engenho (que, assim como os colonos brancos, eram em sua maioria analfabetos e embrutecidos) que concentravam poder, prestígio social e econômico, condição que era alimentada pela manutenção dos grilhões da escravidão.

De uma maneira geral, negros, índios e mestiços eram social e racialmente desprezados pelos brancos e, é necessário acentuar que, também era comum a rejeição dos negros pelos mestiços. Na sociedade maranhense de então, havia casos exemplares de crioulas e mestiças amasiadas com ricos e poderosos locais que viviam rodeadas de fartura, jóias e de escravos. Porém, a grande maioria das mestiças de tudo fazia para parecer mais brancas e, em decorrência, rejeitavam abertamente negros e "mulatos" que não podiam maquiar as suas origens social e racial. E, foi exatamente no sertão onde se deu uma maior aproximação entre brancos e índios, resultando em uma numerosa população mestiça. Posteriormente, com o avanço das grandes lavouras e com a introdução da mão-de-obra escrava africana (nas plantações, nos trabalhos artesanais - onde o negro convivia com homens livres assalariados - e nos serviços domésticos) resultou em um crescente número de mestiços entre negros e brancos e, também, entre negros e índios.

As relações sociais pautadas na "raça" chegaram ao ponto de as famílias brancas rejeitarem a mistura racial, determinando que a permissão das relações e dos casamentos deveria estar ligada à comprovação da genealogia ou dos antecedentes dos pretendentes. A pureza étnica ou racial deveria estar presente e comprovada até os tetravós!!! O ideal social e racialmente positivo era ser "branco puro". Os mulatos eram estigmatizados e, ser "pardo" era uma desonra. Porém, devido à grande quantidade de membros da "raça cruzada", o "perigo" era um "branco puro" se "casar com bode", ou seja, como se dizia na época, com aqueles que "haviam berrado no ventre materno". Todo esse leque de rejeições levou a que houvesse uma grande conscientização das diferenças sociais, econômicas e raciais, assim como se tornaram um poderoso fermento para o crescimento da violência nas relações sociais maranhenses. Desta maneira, para certos membros das camadas dominantes da província, os movimentos que contestavam aquela rígida sociedade escravista eram compostos por pessoas social e racialmente ignorantes. Com isso, as revoltas e insurreições aprofundaram ainda mais os preconceitos e as barreiras sociais e raciais existentes. Ser pobre e "de cor" eram marcas que rebaixavam a condição dos indivíduos. Mas, logo os movimentos dos balaios e dos escravos tomaram proporções gigantescas e receberam milhares de adesões.

Na 1a metade do século XIX, alguns elementos serviram para alimentar o caldo de cultura que indicava profundas mudanças. A independência política, ocorrida em 1822, gerou profundas divisões e rivalidades no seio da elite dominante maranhense. Estava em jogo interesses de grupos e a direção dos mesmos diante das novas alianças e projetos que o país independente tomaria. Dentro desta ótica, outro fato significativo foi a substituição do algodão pelo açúcar na economia do Maranhão. No contexto internacional, o século XIX assistiu à definitiva instalação dos interesses ingleses na economia brasileira e a liquidação do domínio colonial português sobre o país. Naquele contexto, também, ocorreu o avanço na desestruturação da economia maranhense (fato que ocorria desde o século XVIII), tanto na agricultura como na pecuária. O alargamento da crise sobre as estruturas produtivas agravou o nível de vida das camadas populares (aumentou a miséria da população devido à falta de recursos e de terras para a produção de subsistência e de víveres e, ainda, cresceu o número de desocupados e de indigentes no sertão da província). Em contrapartida, o escravo era cada vez mais utilizado na maioria das atividades produtivas. Este fato criou tensões constantes entre as camadas pobres e livres e os escravos negros.

Toda aquela ebulição de acontecimentos possibilitou a germinação de certa semente de conscientização política. Esta apontava para a necessidade de expulsão dos portugueses (e outros estrangeiros) e a defesa intransigente da nacionalidade. Outra característica se deu na assimilação de ideais de liberdade, particularmente entre os escravos. É necessário ressaltar que aqueles acontecimentos no Maranhão ocorriam em pleno período regencial (1831-1840), contexto em que ocorreu a Abdicação de D. Pedro I e a Maioridade de D. Pedro II, com a conseqüente crise do poder nacional em constituição e as suas numerosas e sangrentas revoltas, insurreições e revoluções nas demais províncias. O debate político tornou-se intenso. A imprensa impulsionava a ebulição de idéias liberais e nacionalistas entre todas as camadas sociais, especialmente, entre os populares. O ódio aos portugueses era comum a muitas revoltas.

Os nacionais e as suas idéias nacionalistas e liberais, alimentadas na cidade de São Luís, reivindicavam (com o apoio externo, especialmente, inglês) a tomada dos destinos da província, principalmente frente aos interesses portugueses e propondo uma redefinição das relações entre Portugal e o Brasil. No entanto, estas propostas liberais não superariam as contradições da sociedade hierárquica, racista e escravista maranhense. Foi com a inclusão de vastos setores sociais do interior que se procurou redefinir algumas questões quentes. Ao desfraldar a bandeira do "liberalismo revolucionário", os balaios enfrentaram, além da expulsão dos portugueses, a necessidade de se superar os preconceitos contra os "homens de cor" e os "brasileiros pobres". Nesta luta se destacaram homens das "classes inferiores", como Raimundo Gomes (vaqueiro, sertanejo e mestiço - índio com negro). Estes e outros homens carregavam objetivos, valores, interesses e ambições diferentes dos representantes da elite dominante. Então, no bojo quente da Balaiada, aquelas questões, contidas nos manifestos dos balaios, incentivaram a maior participação de mestiços, "pobres e deserdados", além de ricos proprietários de terras e escravos, famílias influentes, filhos de pobres agricultores entre outros. Desta forma, as motivações e as consciências dos objetivos da luta só podiam ser divergentes, de acordo com as diversas categorias sociais envolvidas.

Durante a Balaiada, os negros escravos foram rejeitados pelos líderes mestiços balaios. A maioria deles acabou, no decorrer da luta, se aliando às forças conservadoras e repressoras contra o escravo rebelado. Entre os balaios, principalmente, na fase mais aguda da repressão, as divisões internas incentivaram sérios conflitos entre os "homens de cor" (para os balaios, o "povo de cor" incluía as camadas mestiças, pobres e índios do Maranhão. Entre aqueles, não incluíam os negros livres ou escravos). Contudo, a rejeição inicial aos negros teria sido superada por alguns setores, no momento da desagregação da Balaiada, quando esta recebeu uma grande participação de negros. Aquela atitude inicial era devido à "assimilação dos valores da sociedade escravocrata pelas camadas desprovidas da população, gerando, entre elas, mecanismos de ascensão social e de rejeição ao negro". Este tipo de comportamento envolveu a todos.

Afinal, "o processo de conscientização do escravo negro no Brasil parece ter sido bloqueado, desde os tempos da Colônia, por duas sortes de barreiras: a natureza da própria sociedade escravocrata que, obstruindo ao negro as vias de acesso social, restringia-lhe as possibilidades de uma visão abrangente do meio em que vivia; e, a marginalização da numerosa camada pobre de brasileiros que, vivendo à sombra do escravo, teve sua consciência social condicionada à própria visão do grupo dominante". No caso específico do Maranhão de então, continua a autora, por estar "a quase totalidade da sua população pobre (mestiços e índios) ligada à pecuária extensiva e às atividades de subsistência, a introdução do escravo africano como mão-de-obra exclusiva da lavoura e, mais ainda, infiltrando-se em todos os setores da vida maranhense, representou a perda de oportunidades de trabalho para milhares de pessoas". Entre as conseqüências, "reduziram-se, desta forma, as possibilidades de ascensão em uma sociedade onde, até aquele momento, o trabalho constituía não apenas uma forma de subsistência, mas principalmente um fator de participação social para a numerosa população pobre ligada ao trabalho livre. Vivendo essa população livre à sombra do escravo que se apropriou do trabalho, aviltando-o socialmente, ela rejeita esse escravo, primeiro como concorrente, depois pela assimilação de valores vigentes na sociedade do tempo" (Santos, 1983: 63, 89 e 103).

Desta maneira, a Balaiada como movimento social, desde o início não conseguiu superar a força da ideologia racista daquela sociedade escravista e, nem o seu fundamento, o trabalho escravo. Consequentemente, quando manifestou um "Fora feitores e escravos", tinha uma relação maior com as possibilidades abertas para a ascensão social da maioria dos balaios, do que qualquer tipo de solidariedade com os negros escravos ou de negação do trabalho escravo. E, por mais que as condições sociais e de vida dos pobres, caboclos, mestiços e índios se assemelhassem àquelas vividas pelo negro escravo ou alforriado, os líderes rebeldes balaios estiveram a maior parte do tempo mais próximos dos liberais maranhenses pois suas reivindicações não chegaram a ultrapassar promessas de "fidelidade à Constituição, à religião católica e ao imperador, voltando-se contra a influência dos portugueses e os privilégios sociais que dificultavam a ascensão de amplos setores da sociedade maranhense" (Santos, 1983: 90). Quando falava em igualdade, seria uma conquista dirigida aos "homens de cor", para que os mestiços, cabras e caboclos, tivessem os mesmos direitos que os brancos. Eram, então, limites que excluíam os negros, assim como ocorria com a ideologia dominante daquela sociedade escravista. Somente quando os movimentos dos balaios e dos escravos perderam a força inicial (por volta de 1840) que houve um princípio de aproximação entre eles. Foi quando a luta assumiu o caráter de uma revolta dos "homens de cor contra os brancos", momento em que se organizou uma implacável repressão contra os últimos e persistentes revoltosos. O líder dos balaios, Raimundo Gomes, após ser derrotado, juntou-se (em 1839) aos quilombolas liderados por Cosme Bento das Chagas. Posteriormente, em 1841, juntou-se a um grupo de índios, até render-se com mais de 700 rebeldes às tropas do futuro Duque de Caxias. A fome, a doença e a repressão venceram os cerca de 11 000 mil balaios. Entre eles, havia grande número de camponeses pobres, índios, mestiços, brancos e negros.

O grande medo das elites era a ocorrência de uma rebelião negra. Naquela etapa da insurreição "os negros aprenderam com os balaios as táticas de guerrilhas, quando a sua luta extrapolou a resistência dos quilombos para os confrontos em campo aberto com as tropas da legalidade. Como os balaios, também os negros incendiavam as casas e os paióis para que o inimigo não encontrasse recursos de abastecimento". Foi, então, "entre 1838 e 1841 - com a Balaiada - que os movimentos de escravos no Maranhão adquiriram novas performances, ultrapassando os níveis de resistência tradicionalmente utilizados (fugas, assassinatos, quilombos) e caracterizando-se pela resistência ativa com grandes mobilizações e razoável grau de organização" (Santos, 1983: 91 e 96).

Com o alastramento da revolta dos balaios e dos movimentos de fugas, quilombos e insurreição de escravos foi todo o sistema de poder, produção e dominação escravista maranhense que esteve ameaçado. Em 1839, conservadores e liberais superaram as suas divergências e passaram a unificar a luta contra aqueles que ameaçavam a continuidade do sistema. Imediatamente, unificou-se o uso da força pelo governo. Com a ajuda de proprietários e comerciante organizou-se batalhões provisórios em diversas localidades. Também, em 1840, Luís Alves de Lima, o futuro Duque de Caxias, assumiu a presidência da província do Maranhão. À frente de cerca de 8 000 mil homens, estavam dadas as condições para a grande repressão que reuniu, ainda, lavradores, agregados, feitores e as poderosas famílias locais contra a Balaiada e as diversas formas de resistência à escravidão. Por volta de 1840, o movimento dos balaios começou a se desintegrar, devido às primeiras traições e à força da repressão adotada pelo governo. Para as classes dominantes da época, a cor e a pobreza eram tão pecaminosas quanto aquelas rebeldias. Para alguns, a cor era um defeito maior do que a pobreza.

Mas, diante de tudo isso, o grande foco da revolta escravista foi na região de Itapicuru, que chegou a concentrar cerca de 20 mil negros e ameaçou o "sossego público" do Maranhão. Daquela região o negro Cosme, ao fugir da cadeia de São Luís, iniciou uma grande insurreição de negros em várias fazendas da redondeza. O negro Cosme distribuía cartas de alforrias a seus seguidores e concedeu a si próprio o título de "Tutor e Imperador da Liberdade". Cosme sabia ler e escrever, tinha cerca de 40 anos e chamava a sua luta de "Guerra da Lei da Liberdade Republicana". Estendia a Irmandade do Rosário a todos aqueles que apoiavam a sua luta. Como líder espiritual, era onde o negro Cosme concentrava todas as suas forças.

Cosme Bento das Chagas, como chefe negro, expressou o seu grau de consciência política e o valor que dava à liberdade, quando procurou estabelecer uma escola de ler e de escrever no quilombo de Lagoa-Amarela, na comarca do Brejo. Chegou a liderar cerca de 3 000 mil negros. Defendia a autoridade do Imperador Pedro II, todavia foi um negro forro e resistente ativo naquela sociedade escravista. Era natural de Sobral, no Ceará, não tinha domicílio certo e vivia de comandar a tropa de negros com o objetivo de acabar com a escravidão. Segundo o futuro Duque de Caxias, o "Tutor e Imperador da Liberdade" foi quem mais assustou os fazendeiros locais. Do grande quilombo situado na fazenda Lagoa-Amarela, próximo ao rio Preto, mantinha piquetes avançados e dirigia grupos de quilombolas que roubavam e incentivavam a insurreição nas fazendas da região. Na verdade, em toda a província do Maranhão eram milhares os negros quilombolas, tornando a insurreição incontrolável e generalizada. O negro Cosme, então, não tinha o controle sobre todos os negros rebelados.

A partir de 1840, as perseguições se tornaram mais constantes e sangrentas para a captura de Cosme e seus homens. No final, cerca de 200 negros resistiram bravamente às tropas do futuro Duque de Caxias. Um grande número de quilombolas foi aprisionado (entre eles muitas crianças), e devolvidos a seus antigos senhores. O negro Cosme, ferido, ainda tentou refugiar-se entre os índios. Mas, foi capturado após uma heróica resistência de todos aqueles negros. Muitos morreram diante das tropas legalistas. O processo de julgamento de Cosme Bento das Chagas ocorreu de março de 1841 até abril de 1842. Em 5 de abril daquele ano, foi condenado à pena de morte. Foi enforcado na vila de Itapicuru-Mirim, talvez, entre os dias 19 e 25 de setembro de 1842. Assim como os búzios de 1798 em Salvador, e tantos outros, o negro Cosme foi justiçado para servir de exemplo. Mas, outros escravos e negros não aceitaram aquele "exemplo", pois os cativos continuaram resistindo e formando quilombos. E, com isso, nos transmitiram verdadeiros exemplos. Histórias como essas nos ensinam o poder da organização e a necessidade de termos a consciência de que a luta continua. Afinal, os afro-brasileiros seguem lutando contra a ideologia, o racismo e a dívida histórica que a sociedade brasileira impõe ao povo negro, mesmo após a superação da escravidão.

Este texto foi baseado nas informações contidas no livro de Maria Januária Vilela Santos. A Balaiada e a Insurreição de Escravos no Maranhão. São Paulo: Ática, 1983.

*Edson Borges é Mestre em Antropologia Africana pela USP. Editor da revista Estudos Afro-Asiáticos da Universidade Cândido Mendes (Ucam). Professor do curso de pós graduação "História da África" pela Ucam. Pesquisador e historiador. Esse texto foi escrito há 10 anos, mas o site resolveu dá-lo integralmente.

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sábado, 27 de junho de 2009

domingo, 12 de abril de 2009

Barra Grande e MDL: será possível?

Márcia Pimenta*

Em 2005 a concessão da Licença de Operação (LO) para a Usina Hidrelétrica Barra Grande, do Consórcio BAESA, colocou em evidência como interesses econômicos prevalecem sobre os interesses da sociedade. Apoiado em um Estudo de Impacto Ambiental (EIA) fraudulento, o IBAMA concedeu a LO para um empreendimento que inundaria uma área de 4.236 hectares composta por florestas em ótimo estado de conservação, sendo que metade dessa área formada pelas últimas áreas primárias de araucária em todo o Brasil. Além disso, os pesquisadores também encontraram no local as últimas 3 populações de uma espécie endêmica de bromélia, a Dyckia distachia, que pode ter sido extinta, em seu meio natural, devido a UHE Barra Grande.


O relatório da empresa de consultoria Engevix, contratada pela BAESA para elaborar o EIA/Rima (relatório de impacto ambiental) afirmava que a formação dominante na área a ser inundada pelo empreendimento era de capoeirões. A detecção da fraude não foi o suficiente para anular o EIA e o processo de licenciamento. A justiça avaliou o episódio como “fato consumado” já que o muro da barragem já havia sido construído, e validou um crime ambiental irreparável!

“Águas passadas não movem moinhos” diz o ditado, mas legalizar um crime ambiental, além de ser um péssimo exemplo vindo de instituições que deveriam salvaguardar os interesses da sociedade, permite que a empresa agora dentro da legalidade avance em direção ao pedido dos créditos de carbono, através do Projeto MDL BAESA. O alerta foi dado pelo Fórum das ONG´s e Movimentos Sociais para Meio Ambiente e Desenvolvimento (FBOMS) que disparou em outubro de 2008 um comunicado onde rejeitava a UHE Barra Grande como Projeto do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL) e apresentava suas motivações. O FBOMS faz parte de uma lista de atores envolvidos, interessados e/ou afetados pelas atividades de projeto que recebem cartas-convite a comentários. Os comentários feitos deverão ser levados em consideração pelos empreendedores do projeto e também serão anexados ao Documento de Concepção do Projeto (DCP), que será analisado pela Comissão Interministerial de Mudança Global do Clima (CIMGC), aprovando-o ou não.

As críticas referem-se ao desrespeito aos princípios básicos do MDL, já que qualquer projeto, para ser qualificado como MDL, deve satisfazer os critérios de elegibilidade estabelecidos pelo Protocolo de Quioto; promoção do desenvolvimento sustentável e comprovação da adicionalidade do projeto, ou seja, que as reduções de emissões sejam adicionais às que ocorreriam na ausência do projeto.

O argumento inicial do FBOMS faz coro com o discurso de estudiosos como Philip Fearnside especialista em Clima e Florestas do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia - INPA, que afirma que as hidrelétricas no Brasil são fábricas de metano. O metano é um gás com potencial de aquecimento 21 vezes maior do que o CO2 e assim as hidrelétricas no Brasil emitiriam, em média, 4 vezes mais gases de efeito estufa do que as termelétricas a combustíveis fósseis. O metano é gerado pela vegetação que ficou submersa pelo lago represado da hidrelétrica.

Segundo o biólogo e mestre em botânica da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Paulo Brack, existem outros cálculos que questionam as hidrelétricas como fontes de energia limpa e se fundamenta na floresta como sumidouro de carbono. Assim, além da emissão de metano pela floresta alagada estaria a perda de massa florestal que faz naturalmente a absorção de carbono da atmosfera. Como explica Brack, um estudo encomendado pela BAESA à FUNCATE - Fundação de Ciência, Aplicações e Tecnologia Espaciais - atesta que entre Florestas Primárias Florestas Secundária em Estado Avançado e Florestas Secundárias em Estado Médio de Regeneração foram alagados um total de 5.728,89 ha. Os dois relatórios da FUNCATE apresentam diferenças no número de árvores contidas em cada ha, mas considerando o número mais conservador existiriam 721 árvores /ha. Logo, 4,131 milhões de árvores teriam perecido com a hidrelétrica.

Se confrontada com a fraude comprovada do EIA apresentado ao IBAMA a proposta da atividade de projeto UHE Barra Grande parece uma peça de ficção! Uma análise à luz do histórico do processo de licenciamento, marcado por uma série de batalhas jurídicas por parte dos movimentos socioambientais, derrubará várias meias verdades contidas no texto do DCP disponibilizado na internet. Escolhi algumas.

A empresa orgulhosamente afirma que “comprovou-se com a construção do Projeto BAESA que é possível conjugar desenvolvimento socioeconômico com preservação ambiental” omitindo totalmente o fato de que se o EIA houvesse apresentado a configuração real da área a ser alagada o projeto jamais teria sido licenciado. Também assume que “contribui para o desenvolvimento sustentável dos municípios abrangidos e do país à medida que proporciona o desenvolvimento econômico da região, sem comprometer as gerações futuras, atendendo ao conceito de Desenvolvimento Sustentável”. Ora, isso não é verdade, uma vez que a área alagada era de mais de 2 mil hectares de Mata Atlântica Primária declarada na Constituição Federal de 1988 (art.225, §4º) como Patrimônio Nacional. Isso, certamente, significa que o legislador constituinte, reconhecendo a importância desse bioma quis que ele tivesse uma proteção especial.

Para atestar sua suposta contribuição para o desenvolvimento sustentável a empresa diz que mantém vários projetos direcionados para a área socioambiental e na verdade estes projetos são condicionantes de sua LO, uma vez que um Termo de Compromisso foi assinado pela BAESA como uma compensação por ter cometido um impacto ambiental de grande dimensão. Diz ela que “dentre os projetos ambientais, pode ser destacado o programa de reflorestamento que tem como meta o plantio de um milhão de mudas até o ano de 2013″ Como salientou o Professor Brack mais de 4 milhões de árvores foram afogadas pelo lago e, sendo assim, o plantio de 1 milhão de mudas mostra-se insuficiente para compensar o dano ambiental.

Em outro momento do DCP a empresa elenca as condicionantes apresentadas na LO e vangloria-se: “Como se vê as ações exigidas pelo órgão licenciador ambiental referem-se fundamentalmente à continuidade dos programas e metodologias de mitigação do impacto ambiental que foram e estão sendo desenvolvidos na implantação do Projeto BAESA, comprovando a qualidade e seriedade da empresa quanto às questões ambientais”. Mais uma tentativa de levar o analista do projeto a um equívoco, já que uma inspeção judicial relativa à Ação Civil Pública movida pela Rede de ONGs da Mata Atlântica e Federação das Entidades Ecologistas de Santa Catarina (FEEC), constatou que “nas ações de mitigação dos impactos ambientais a situação é considerada mais precária. A própria LO 447, expedida em 04/04/05 com validade de 12 meses, não foi renovada pelo IBAMA. Segundo o IBAMA a renovação não ocorreu porque algumas condicionantes da LO não haviam sido atendidas.” A renovação só aconteceu em 14/01/2008. Conclui-se, portanto que as condicionantes expressas na renovação da LO dizem respeito à continuação dos projetos já que os benefícios e resultados previstos ainda não foram alcançados.

Eloir Denílson Soares integrante do Movimento dos Atingidos por Barragens - MAB alega que na questão social a fraude não foi diferente já que o levantamento da ENGEVIX admitia que 820 famílias haviam sido atingidas pelo empreendimento, mas que na verdade foram mais de 1600. Quanto aos acordos, boa parte deles, assinados com o MAB na presença de procuradores federais e do IBAMA, não foi cumprida, segundo Eloir. Neste sentido a inspeção judicial realizada alega que “entre os diversos itens do Acordo Social, alguns deles não foram cumpridos ou apenas parcialmente, como é o caso da construção de equipamentos para uso coletivo como igrejas, centros comunitários”, autenticando o que foi dito pelo Eloir.

No que se refere à adicionalidade o argumento não se sustenta, uma vez que a hidroeletricidade é prática comum no Brasil e segundo dados da Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL), responde por mais de 70% da capacidade geradora do país. Além disso, a Licença Ambiental Prévia da Usina foi originalmente emitida no ano de 1999 e a Licença de Instalação em 2001 e nesta época não havia conhecimento sobre o futuro do Protocolo de Quioto e dos seus mecanismos de flexibilização. Assim, lastrear uma decisão de investimento tão importante aos créditos de carbono parece temeroso e não seria uma atitude sensata.

A BAESA justifica a adicionalidade de seu projeto colocando-o como alternativa a geração de energia por termelétricas, comuns no Sul do país devido à oferta de carvão mineral abundante na área, como se só existissem estas duas opções. Mas o discurso está bem alinhado com o do governo, que não consegue emplacar suas mega-construções por questionamentos jurídicos de ordem socioambiental e avança na construção de novas termelétricas, catapultando o Brasil para a retaguarda do movimento mundial que vem investindo na descarbonização de sua matriz energética.

Além disso, toda esta discussão não pode deixar de abordar a real necessidade de o Brasil aumentar sua oferta de energia à custa de impactos socioambientais irreversíveis. É bom lembrar que investimentos em eficiência energética e em energias renováveis não-convencionais, como solar térmica, eólica e biomassa, são uma boa maneira de diminuir as emissões de gases de efeito estufa de forma sustentável.

Finalizando, proponho uma reflexão: será possível uma empresa que apresentou um documento fraudulento para concretizar um empreendimento que acarretou em um impacto ambiental irreversível evocar agora a preocupação ambiental, para arrecadar créditos de carbono que poderiam ser direcionados para iniciativas de fontes energéticas comprovadamente sustentáveis? Se o projeto for realmente submetido, espera-se que essa questão seja levada em consideração.

* A autora é jornalista

(Envolverde/O autor)

MMA propõe energia solar para casas do PAC da Habitação

Gerusa Barbosa, para o MMA

Ministério do Meio Ambiente vai propor à Casa Civil a utilização de energia solar nas casas populares construídas pelo PAC da Habitação em substituição ao chuveiro elétrico. A idéia foi lançada durante oficina de trabalho, promovida pelo MMA no último dia 10/3, com o objetivo de discutir a elaboração do programa do governo para desenvolvimento e disseminação de ações na área de aquecimento solar de água. A primeira versão do plano deverá ser encaminhada ao Planalto até o final da próxima semana.


Participaram do encontro técnicos da Secretaria de Mudanças Climáticas/MMA, do Ministério do Minas e Energia (parceiro da iniciativa) e de outros setores do governo e agentes internacionais. Com apoio do Ministério Alemão de Meio Ambiente, Proteção Ambiental e Segurança Nuclear, por meio da Cooperação Técnica Alemã (GTZ), a oficina teve como finalidade compartilhar as experiências dos diversos agentes que atuam na área, de modo a incrementar a utilização do aquecedor solar no mercado nacional de maneira ampla e eficiente, reduzindo seus custos de instalação.

A viabilização de um programa de incentivo da energia solar térmica poderá auxiliar na implementação do Plano Nacional sobre Mudança do Clima, que prevê o uso de aquecimento solar de água para mitigação dos efeitos climáticos. A energia solar é superior a qualquer outra forma de captação de energia convencional por tratar-se de uma fonte totalmente natural, ecológica, gratuita, inesgotável e que não agride o meio ambiente.

O chuveiro é responsável por um terço da energia elétrica consumida em uma residência, por isso é considerado o grande vilão do uso eficiente de energia. O aquecimento de água para banho é responsável por 5% do consumo de energia elétrica no País. Nas regiões Sul, Sudeste e Centro- Oeste, sua participação é de respectivamente 24%, 26% e 26% do total da energia gerada. Já no Norte e Nordeste, esses percentuais são bem mais baixos, da ordem de 2% e 14%, respectivamente. Esse fato é responsável por aproximadamente 18% do pico de demanda do sistema elétrico nacional.

Os chuveiros elétricos são grandes consumidores de energia e, apesar de eficientes do ponto de vista de conversão de energia elétrica em térmica, seu uso não é considerado eficiente sob o ponto de vista da utilização da eletricidade. Assim, um sistema misto elétrico-solar torna possível obter até 80% da energia renovável e usar apenas 20% de energia elétrica.

(MMA)

Por uma arbitragem justa entre devedores e credores

Santaley Kwenda, da IPS


Ativistas internacionais contra a dívida pedem a criação de um mecanismo de arbitragem para atender as dificuldades que muitos países do Sul em desenvolvimento enfrentam para pagar seus compromissos atrasados. Reunidos em Johannesburgo na semana passada para a conferência internacional “Mecanismo de arbitragem justo e transparente para as dívidas odiosas e ilegítimas”, os ativistas se manifestaram contra o atual sistema, em que as nações mais pobres afundam cada vez mais no endividamento. Pediram a revisão do poder das instituições financeiras internacionais, a fim de proteger os pobres do saque econômico que significam os pagamentos da dívida. Além disso, sugeriram criar um processo de arbitragem da dívida para equilibrar a atual crise financeira mundial.


“Há necessidade de um enfoque que possa apresentar uma solução duradoura para a crise da dívida, reconhecendo que os devedores e os credores devem compartilhar a responsabilidade de prevenir e resolver as situações insustentáveis”, segundo Cephas Lumina, especialista independente que trabalha para a Organização das Nações Unidas.

Ao falar na conferência, Lumina considerou importante estabelecer um novo mecanismo para solucionar a crise fora do contexto do Clube de Paris e do Clube de Londres, que reúnem devedores e credores. “Falta governabilidade global transparente e justa, manifestada no domínio dos credores nas tomadas de decisões para resolver a crise de dívida e a falta de proteção para os devedores”, acrescentou.

Por sua vez, Opa Kampijimpanga, da Rede e Fórum Africano sobre Dívida e Desenvolvimento (Afrodad), disse que os atuais mecanismos de pagamento são brutais por natureza e devem ser transformados. A Afrodad organizou a conferência, que terminou segunda-feira, em colaboração com a Rede por Justiça Econômica (EJN, sem fins lucrativos) dos Conselhos de Irmandade Crista na África austral. A Afrodad nasceu do desejo de conseguir soluções duradouras para o problema da dívida, que tem impacto negativo nos processos de desenvolvimento do continente africano. “O atual processo de dívida é manejado por um sistema brutal e capitalista por natureza. Pedimos uma responsabilidade equitativa entre devedor e credor, à luz da corrupção e das más políticas que são aconselhadas. Os credores devem entender que também cometem erros e que devem pagar por eles, e não jogar toda a responsabilidade sobre os países devedores”, acrescentou Kampijimpanga.

Além disso, destacou a necessidade de aplicar um mecanismo para proteger os países do Sul de algumas das receitas estabelecidas pelo Fundo Monetário Internacional e o Banco Mundial. “Deve haver um mecanismo de arbitragem formulado através da Organização das Nações Unidas para dar às pessoas comuns que sofrem uma voz para lutar por seus direitos, já que seus governos demonstram ser incapazes de fazer isso”, acrescentou Kampijimpanga. Mas, quem pode desempenhar esse papel se os governos são muito fracos? “As organizações da sociedade civil podem fazer isso em nome dos cidadãos e apresentar as acusações nas Nações Unidas em linha com a Carta da ONU, que protege os direitos dos cidadãos. Tudo o que queremos é um espaço para fazê-lo e uma voz para dizê-lo”, ressaltou.

Por um lado, lamentou as pobres respostas dos credores internacionais ao problema da dívida na África, citando o caso da iniciativa para Países Pobres Altamente Endividados (HIPC) e a Iniciativa Multilateral de Ajuda à Dívida como casos que devem ser estudados. A HIPC foi lançada pela primeira vez em 1996 pelo FMI e pelo Banco Mundial. Foi revisada em 1999, vinculando o alívio da dívida à redução da pobreza, à estabilidade macroeconômica e às reformas estruturais. Para que um país se qualifique ao HIPC deve ter uma carga de dívida insustentável, um histórico de reformas e políticas solicitadas pelo Banco Mundial e pelo FMI e preparar os papeis de Estratégia de Redução da Pobreza (PRSP) através de um processo com ampla participação.

Os PRSP são os planos sucessores dos programas de ajustes estruturais iniciados nos anos 80. Estas iniciativas supostamente procuram reduzir o dinheiro que os devedores devem pagar às instituições internacionais, porém, a realidade mostra outra coisa. Vários estudos indicam que alguns países ainda gastam mais recursos no ano em serviços de dívida do que nos programas nacionais destinados a reduzir a pobreza e melhorar as condições de vida.

Outros participantes da conferência disseram que os mecanismos para o pagamento das dívidas trata os países devedores como vilões e dão mais ênfase no saldar os compromissos do que nas necessidades dos cidadãos, nos direitos humanos e nos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio. Como exemplo foi apontado o caso da insistência do FMI para que Zimbábue pague uma dívida atrasada antes de ter acesso a novos créditos, apesar de esta nação sofrer grandes dificuldades para fornecer serviços básicos à população, como cuidados médicos, água potável e educação. “É uma demanda ridícula do FMI que não deve ser levada a sério”, disse Lumina Vitalis Mea, da Afrodad. “Devemos fazer uso da ONU para pressionar por iniciativas mais fortes e enfrentar as instituições financeiras”, afirmou.

(Envolverde/IPS)

Diga-me quem te empresta…






Sanjay Suri, da IPS

A injeção de US$ 1,1 trilhão no Fundo Monetário Internacional, anunciada pelo Grupo dos 20 países ricos e emergentes em Londres na semana passada, pode ser mais dolorosa do que salvadora para as economias em desenvolvimento.


Em 2005, o Grupo dos Oito países mais poderosos reunidos em Gleneages (Escócia) comprometeram US$ 50 bilhões em assistência. Metade seria para a África e a outra metade para o resto do mundo em desenvolvimento. Na época, a quantia já parecia muito elevada. Isso ocorreu quando a palavra recessão estava enterrada no dicionário, governos e empresas se encontravam em boa situação e muitos números financeiros eram inflados por malabarismos aos quais ninguém controlava e, ainda, por uma dívida que se podia pagar.

Como este clube da riqueza e do poder pode ficar mal? O problema com o dinheiro é que o que se pensa sobre ele pode ser real ou não. Torna-se real quando alguém o necessita para pagar. Nem a África nem os outros países em desenvolvimento viram nem mesmo uma fração decente desses US$ 50 bilhões. O governo britânico, incentivado por uma exibição pública de moralidade maior provocada pelas estrelas do rock Bob Geldof e Bono, fez os anúncios. Nas semanas e meses seguintes, os britânicos cumpriram sua parte no compromisso, segundo interpretação do governo. Os outros músicos da banda permaneceram em silêncio. Se nos dias de bonança dos ricos não puderam entregar US$ 50 bilhões, quem nos tempos ruins entregará US$ 1,1 trilhão? Se é que esta quantia pode ser encontrada.

E eis que na cúpula do G-20, realizada quinta-feira passada em Londres, anunciou-se que o FMI receberá um pacote de US$ 1,1 trilhão para azeitar o financiamento do comércio e os bancos regionais de desenvolvimento. Dessa quantia, US$ 500 bilhões procederão dos membros do G-20. A União Européia, os Estados Unidos e o Japão entrarão com US$ 100 bilhões cada, e a China com US$ 40 bilhões. Prevê-se que o restante virá de algum lugar. “Em Gleneagles os países ricos contaram com o cancelamento da dívida como uma parte da assistência. O dinheiro da ajuda é contabilizado com todo tipo de manipulações’, disse à IPS Kumi Naidoo, copresidente do Chamado Mundial à Ação Contra a Pobreza (GCAP).

Mas, de um modo ou de outro, depois disso a assistência diminuiu. A reunião do G-8 de 2005 havia comprometido uma quantia significativamente menor, e “depois disso houve uma queda na ajuda por parte de países como Itália e Canadá”, acrescentou Naidoo. Desta vez, não se fala do mais de um bilhão de dólares como se fosse um pacote de assistência. Mas o cerca uma boa retórica que inclui a ajuda aos pobre e às economias em dificuldades. Considerando que não existe uma economia que não esteja em dificuldades, esse dinheiro é para todos.

Mas o FMI também emitirá “direitos especiais de giro” no valor de US$ 250 bilhões, isto é, uma espécie de moeda de empréstimo própria desse organismo multilateral. O objetivo é apoiar o comércio dos países mais pobres, mas este compromisso não convence o GCAP. Segundo Naidoo, volta-se a confiar em demasia no FMI e no Banco Mundial como canais de distribuição. “E, em qualquer caso, enquanto se promete este dinheiro para facilitar o comércio, pouquíssimos países em desenvolvimento implementam as facilidades de créditos para a exportação que poderia ajudá-los a aproveitar isto. Assim, o Norte será mais beneficiado do que o Sul”, ressaltou.

Sobre a redução dos desequilíbrios, não há nenhum compromisso em absoluto. Isto significa que a Rodada de Doha de negociações multilaterais de comércio não se transformaria em uma “rodada de desenvolvimento”, como é sua denominação oficial. Este processo continua paralisado porque os principais países em desenvolvimento bloqueiam as gestões dos Estados Unidos e da União Européia pela redução de tarifas alfandegárias sem se comprometerem, por seu lado, a reduzir os subsídios à sua produção. “A UE, os Estados Unidos e o Japão estão atuando em interesse próprio”, disse Naidoo. “Eles violaram completamente a Rodada de Doha. A menos que o sistema comercial seja justo, as indústrias em muitos países em desenvolvimento podem deixar de funcionar”, afirmou.

Muitos ativistas se preocupam pelo fato de a declaração do G-20 não incluir um compromisso à justa distribuição do dinheiro adicional que supostamente se disporá. “Damos as boas-vindas aos US$ 1,1 trilhão para a recuperação econômica mundial”, disse Duncan Green, porta-voz da Oxfam, em um comunicado. “Mas, devemos assegurar que as nações pobres obtenham sua cota, que Uganda se beneficie da mesma maneira que a Ucrânia”. A Oxfam também expressou preocupação pelo fato de o FMI ter sido nomeado distribuidor do novo dinheiro. “Temos profundas preocupações sobre o quanto o FMI se tornou central nesta crise. O Fundo recebeu um cheque em branco, mas sua reforma continua não passando de uma promessa” disse Green. “A nova ordem mundial anunciada pelo primeiro-ministro britânico, Gordon Brown, deve funcionar para 192 países, e não apenas para os oito ou 20″, ressaltou.

(Envolverde/IPS)

58% dos municípios falham contra pobreza



Dayanne Sousa, da PrimaPagina

Até 58% dos municípios brasileiros não cumprirão a meta das Nações Unidas de reduzir a pobreza pela metade de 1990 até 2015, caso se mantenha a velocidade de queda da proporção de pessoas vivendo com até meio salário mínimo verificada nos últimos anos. No período de 1991 a 2000, apenas 42% dos municípios apresentavam ritmo de decréscimo suficiente para cumprir o primeira dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM ), série de oito metas que os países da ONU se comprometeram a atingir até aquele ano. Para o Brasil como um todo, a projeção é de que o objetivo seja cumprido, mas o avanço é desigual - em 433 municípios a pobreza chegou a aumentar no período.


Os números fazem parte de um levantamento, feito com dados do censo, pela equipe do Portal ODM, site que reúne índices sobre a evolução nos ODM para todos os municípios.

A situação mais grave é a de municípios do Maranhão e Piauí. Com alta porcentagem de pessoas pobres, a redução na maioria das cidades foi baixa. Juntando os 438 municípios dos dois Estados, apenas 8% deles tinham conseguido reduzir em mais de 20% a pobreza até 2000. A média brasileira no período foi de 34,4%. Em 1991, os Estados somavam 354 municípios com mais de 80% de pessoas na pobreza. Em 2000, o número caiu para 122, mas quase a totalidade todas as cidades mantém mais da metade da população na pobreza.

São Paulo conta com a maioria dos municípios que registraram aumento de pobreza no período. Em 39% das cidades do Estado houve retrocesso na meta e, em cinco delas, a proporção de pobres mais que dobrou. Apesar disso, a porcentagem, desde o início, era baixa nessas cidades: na maioria havia menos de 10% de pessoas vivendo na pobreza em 91.

Alby Rocha, estatístico responsável pela análise, diz que esses retrocessos se explicam pela formação de bolsões de pobreza em algumas áreas. Seriam locais em que não há indústrias ou serviços e, portanto, faltam empregos. Em algumas regiões no Norte e Nordeste a atividade monetária é escassa, diz Luciana Brenner, uma das coordenadoras do Portal ODM. O fato de muitos sobreviverem sem necessariamente usar dinheiro causaria dificuldades para a análise com base no salário mínimo. O gráfico abaixo mostra quais municípios que, se mantiverem o mesmo ritmo registrado de 1991 a 2000, conseguirão atingir a meta.



Estados

Levando em consideração os Estados, das 27 unidades da federação, apenas 11 apresentam ritmo suficiente para alcançar a meta até 2015: Tocantins, Goiás, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná, Mato Grosso do Sul, Mato Grosso, Espírito Santo e Rondônia.

Diferentemente dos municípios, para os quais só há informações referentes a anos anteriores a 2000, nos Estados há dados de 2007, o que permitiu uma análise para dois períodos (de 1991 a 2000 e de 2000 a 2007). Roraima tem a pior situação nas duas épocas, tendo a pobreza aumentado 14% no total.

Já Santa Catarina é o Estado que mais reduziu a pobreza. A proporção de pobres já era a segunda menor do Brasil em 91 (37,2%, logo depois de São Paulo, com 20,3%). Ainda assim, a redução foi intensa: 69,5%, quase o dobro da média nacional. Luciana diz que, desde a formação de Santa Catarina, dificilmente surgiam na região os bolsões sem atividade produtiva. “A organização se deu de uma forma mais homogênea”, conclui.

Veja abaixo como está o ritmo dos Estados na redução da pobreza:



A coordenadora acredita que investimentos e orientação podem guiar os moradores das áreas mais pobres a criarem associações de negócios e gerarem lucro. “Essas oportunidades é que tiram uma família da pobreza”, argumenta, “assim você dá oportunidade para os filhos dessas pessoas terem boa educação e isso muda aquele ambiente”.

(PNUD Brasil)

Com igualdade entre gêneros no trabalho, pobreza cairia vinte por cento

Renata D’Elia, da PrimaPagina
A desigualdade entre homens e mulheres no mercado de trabalho é uma das causas determinantes da pobreza na América Latina, aponta um estudo do Centro Internacional de Políticas para o Crescimento Inclusivo, uma instituição de pesquisa do PNUD em parceria com o IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada). Se o acesso e os salários dos dois sexos fossem semelhantes, a proporção de pobres poderia ter uma queda de até 34% - no Brasil, chegaria a 20%, segundo as projeções da pesquisa, publicadas no artigo Eliminar as desigualdades de gênero reduz a pobreza. Como?.

O trabalho levou em conta indicadores de Brasil, Argentina, Chile, República Dominicana, El Salvador, México, Paraguai e Uruguai - países em que geralmente as mulheres amargam menor participação na atividade econômica, maior taxa de desemprego e de informalidade e menor remuneração (mesmo quando o grau de instrução é similar).

Para estimar os impactos da desigualdade nos níveis de pobreza de cada país, as autoras, Joana Costa e Elydia Silva, simularam três cenários, sempre comparando homens e mulheres de perfis semelhantes. No primeiro, homens e mulheres têm a mesma probabilidade de ser economicamente ativos. No segundo, ambos têm estatisticamente as mesmas chances de conseguir um emprego formal ou informal, e também de ficarem desempregados. No terceiro, eles recebem salários iguais.

Os resultados indicam que, se a participação feminina no mercado de trabalho aumentasse, a redução da pobreza no Chile chegaria a 34%. No Brasil, seria de 20%. Mesmo no Uruguai, que obteve os avanços mais discretos da simulação, a diminuição da pobreza atingiria 15%.

Garantindo às mulheres as mesmas chances em conseguir um emprego formal ou informal, e considerando igual probabilidade de desemprego entre elas e os homens, a pobreza cairia 8% na maioria dos países. O recuo seria de até 14% (no Brasil, 9%), caso ambos os sexos tivessem remunerações equiparadas.

“A redução nos três aspectos da desigualdade de gênero no mercado de trabalho ajudaria a reduzir a pobreza”, observam as pesquisadoras. “Ainda que seja importante eliminar outros aspectos da desigualdade de gênero, concluímos que a promoção da participação das mulheres no mercado de trabalho é o aspecto com maior potencial de promover um crescimento que beneficie os pobres”, acrescentam.

Como a criação de filhos é um dos principais fatores que afastam as mulheres do mercado de trabalho, as autoras sugerem que as políticas públicas implantem ações na área de atenção à criança (como creches e escolas), especialmente voltadas para mulheres pobres.

(PNUD Brasil)

Crise financeira ameaça planejamento familiar

Thalif Deen, da IPS

A propagação da crise financeira global ameaça prejudicar outro dos principais objetivos da Organização das Nações Unidas em saúde e desenvolvimento: o planejamento familiar. Funcionários da ONU expressaram seu temor de que os fundos propostos para os serviços de saúde reprodutiva não cheguem ao seu objetivo. Segundo as mais recentes cifras, as doações internacionais aos programas de população continuaram crescendo nos últimos anos, passando de US$ 7,6 bilhões em 2006 para US$ 8,1 bilhões em 2007. O financiamento projetado ara 2008 e 2009 foi estimado em cerca de US$ 11,1 bilhões e US$ 11,2 bilhões, respectivamente.


“Mas, devido à atual crise financeira mundial, não está claro se os doadores honrarão seus compromissos futuros e continuarão aumentando seus níveis de financiamento como nos últimos anos”, diz um novo comunicado divulgado por ocasião da sessão esta semana da Comissão da ONU sobre População e Desenvolvimento. é possível que os números finais para 2008 e 2009 “mostrem baixas nos níveis de financiamento para a assistência em população”, alerta o estudo. A ameaça chega quando a ONU alerta que seus Objetivos de Desenvolvimento do Milênio, especialmente a redução pela metade do número de pobres e famintos até 2015, podem ser prejudicados pela crise econômica mundial.

Um dos oito Objetivos prevê o acesso universal aos serviços de saúde reprodutiva, junto com uma redução em três quartos da mortalidade materna. As metas de financiamento fixadas pela Conferência Internacional sobre População e Desenvolvimento, realizada no Egito há cerca de 15 anos, não cobrem as atuais necessidades, que cresceram drasticamente na última década. A crise da Aids é muito pior do que se previa, enquanto a mortalidade materna e infantil são ainda inaceitavelmente altas em muitas partes do mundo. Além disso, diz o estudo, o valor do dólar é hoje muito menor do que na época em que foi feita a conferência, em 1993.

Essa reunião também fixou a meta de US$ 20,5 bilhões para 2010, mas esta quantia é considerada hoje “simplesmente insuficiente para cobrir as atuais necessidades dos países em desenvolvimento na área de planejamento familiar, saúde reprodutiva, doenças sexualmente transmissíveis, pesquisa básica, informação e análise de políticas sobre população e desenvolvimento”. Foi pedido à Comissão sobre População e Desenvolvimento, que encerra hoje sua atual sessão, que revise e atualize os números, de modo a refletirem os atuais aumentos nos custos da atenção com saúde no mundo.

A diretora-executiva do Fundo de População das Nações Unidas (Unfpa), Thoraya Ahmed Obaide, disse à IPS que a brecha de financiamento para a saúde reprodutiva, especialmente no planejamento familiar, como parte de toda a ajuda a temas de população, caiu de 55% em 1995, quando somava US$ 723 milhões, para 5% em 2007, apenas US$ 338 milhões.

“Se não for revertido, o baixo financiamento para o planejamento familiar ameaça descarrilar nossos esforços coletivos para alcançar os Objetivos”, disse Obaid. “Não erradicaremos a extrema pobreza, a fome e a desigualdade, nem conseguiremos os demais Objetivos de Desenvolvimento do Milênio, a menos que seja dada mais atenção aos temas de população e sejam destinados mais recursos e ao poder das mulheres e à saúde reprodutiva, incluindo atenção médica materna e planejamento familiar”, acrescentou.

Atualmente, há cerca de 200 milhões de mulheres no mundo em desenvolvimento que precisam de métodos anticoncepcionais efetivos, especialmente na África. “Agora é tempo de renovar as energias do planejamento familiar voluntário. Não há outro investimento em desenvolvimento que custe tão pouco e traga benefícios tão grandes e de longo alcance”, destacou Obaid. Porém, a presidente da organização Norte-americanos pelo Unfpa, Anika Rahman, afirmou que as últimas ações do Presidente Barack Obama e do Congresso dos Estados Unidos “marcam um forte compromisso com a melhoria da saúde e da dignidade das mulheres no mundo. Espero que o apoio do Presidente Obama ao Unfpa tenha um impacto positivo no compromisso dos governos do mundo com a saúde das mulheres”, disse à IPS.

No mês passado, o Departamento de Estado norte-americano anunciou que contribuiria com US$ 50 milhões para o Unfpa, ou seja, entregaria os fundos congelados há oito anos pelo governo de George W. Bush. A vice-diretora do Programa de Mulheres e População, da Fundação das Nações Unidas, Katherine C. Hall, afirmou à IPS que as metas fixadas pela conferência de 1993 serão revisadas à luz das realidades de 2009. “Ninguém poderia ter previsto a rapidez com que o HIV/aids infectaria várias populações, particularmente mulheres e jovens, nem o custo de tratar os doentes”, acrescentou.

(Envolverde/IPS)

Mulheres (e homens) à beira do novo

Naná Prado, Leticia Freire e José Maurício de Oliveira, do Mercado Ético

Edição: Fabiano Vidal

Mulheres trabalham desde que o mundo é mundo. Trabalho invisível e não-remunerado no que hoje chamamos de economia do cuidar. Trabalho extenuante nos campos e nas fábricas, para complementar o orçamento doméstico.

Costumamos esquecer esse fato histórico e cultural quando nos referimos a um fenômeno recente, que ganhou intensidade nas últimas décadas: a conquista do direito ao exercício de profissões que envolvem liderança, gestão e o domínio de corpos estruturados de conhecimento.

Conquista, sim. Fruto de batalhas intensas pela igualdade de oportunidades entre os gêneros, não apenas no mundo do trabalho, mas no conjunto das relações sociais. Processo que está longe de se esgotar, tal a quantidade de assimetrias ainda vigentes. Mas que temos de reconhecer obrigatoriamente como um avanço a ser celebrado na direção de sociedades mais fraternas e solidárias.

As perguntas que raramente fazemos são: como se sentem as protagonistas dessa conquista histórica? Como vivem esse processo em que as cartas socioculturais são reembaralhadas e redistribuídas? Como lidam com as novas demandas e conflitos gerados nessa travessia ainda inconclusa, em que o velho já não comanda mas o novo ainda não o é por inteiro?

Mercado Ético reuniu um grupo de mulheres de gerações diferentes para conversar sobre as dores e as delícias de viver um tempo de reinvenção. O debate foi mediado por Christina Carvalho Pinto e José Maurício de Oliveira. O resultado, você confere a seguir.

Ainda sobre o tema, não deixe de ler o artigo de Antônio Andrioli, que publicamos hoje, sobre a águia que vira galinha depois que casa. É leitura obrigatória para homens e mulheres que não estão dispostos a se conformar com velhas soluções para novos problemas.



José Maurício de Oliveira: Vou começar com uma provocação. Nos últimos 50 anos, um grupo crescente de mulheres conquistou o direito de acesso ao ensino superior, o que lhes permitiu construir relações de trabalho diferentes das que vigoraram por séculos - veem-se como profissionais, projetam e gerem carreiras, não se limitam a trabalhar apenas para complementar o orçamento doméstico.

Nesse processo, acabam por se transformar em “mães de fins de semana”, como já o eram tradicionalmente seus companheiros. Delegam a socialização dos filhos, quando os têm, a babás, avós e instituições como creches e escolas.

Mães e pais movidos por sentimento de culpa em relação aos filhos costumam ser presas fáceis dos caprichos infantis. É a receita infalível para a criação de multidões de adolescentes e adultos incapazes de tolerar qualquer grau de desconforto, privação e dor. Incapazes de estabelecer mediações entre os impulsos, os desejos e os objetos em que os projetam. Adolescentes e adultos que costumamos chamar de consumistas.

Reunimos hoje aqui mulheres de várias idades que têm em comum a vivência desse conflito entre carreira profissional e socialização dos filhos. Gostaria de saber como é que vocês lidam ou lidaram com isso?

Norma Freire: Eu entendo bem o que você diz. Eu trabalhava, mas tive filhos tarde. O pai dos meninos é professor, então ele tinha um horário mais flexível. Quando as crianças nasceram, parei de trabalhar porque achei que era importante ficar com elas o máximo que eu pudesse. Parei com tudo durante o tempo que deu. Comecei a escrever história para criança, foi um período muito feliz.

Depois, voltar ao mercado de trabalho, que é competitivo e a gente sabe disso, foi complicado, mas não é impossível. Ainda assim, eu acho muito importante, pelo menos até cinco, seis anos, pai e mãe juntos, presentes na formação das crianças. Mas eu sei que meus filhos sentiram a falta dos pais em casa.

Christina Carvalho Pinto: Mas e aí, como é que faz para ser pai e mãe numa sociedade estruturada para moer o profissional?

Norma: Aí é que está. No meu caso, eu parei e passei a me dedicar a coisas que eu gosto muito: escrever, cuidar de planta, cuidar de criança. Voltar mais para a questão da vida, sabe? Que eu acho que tem muito haver com a mulher. A gente aprende como mulher, eu pelo menos aprendi muito, a ver a natureza crescer. Eu sou da cidade e fui morar numa chácara. Foi um período rico, muito rico. Acho que para o pai dos meninos também, que participou muito dessa fase.

Zé Maurício: Isso foi uma escolha?

Norma: Para mim, certamente. Essa foi minha escolha. Durou um tempo, mas foi uma escolha.

Zé Maurício: Escolha consciente?

Norma: Eu não conseguiria de outra maneira. Depois retornei ao mercado de trabalho e vi mulheres divididas ao meio.

Célia Contrucci: Esse foi o meu caso. Eu tinha dois filhos pequenos, mas não tive escolha: ou ia trabalhar, ou ia trabalhar. Fiquei viúva, era mãe e pai ao mesmo tempo. Minha mãe me ajudou muito e ontem mesmo eu comentei com ela, disse que eu adoraria ter tido oportunidade para ficar com os meninos por mais tempo, principalmente na adolescência, mas não tinha jeito. Preocupa muito criar um adolescente que você não está acompanhando. Você acha que os filhos estão bem e bonzinhos. Mas, no fundo, você não sabe: você espera que sim. E o que fazer se você precisa trabalhar.

Norma: É complicado. Mas eu vejo uma coisa (não sei se você concorda comigo, Célia): quando a mulher tem que ir para o mercado de trabalho, você não acha que os filhos vem juntos? Depois de certa fase, lá pelos 10 ou 12 anos, você não acha que eles já entendem essa necessidade?

Célia: Olha, no meu caso, até vir para São Paulo, eu os tinha mais perto e eles tinham muito mais noção do valor das coisas quando eu estava mais próxima. Já em São Paulo, a situação financeira foi ficando menos difícil e eles foram embarcando nessa.

Naná Prado: Quantos anos eles têm?

Célia: Um tem dezoito e o outro, dezessete anos. Um entrou na faculdade agora e o outro está no 3° colegial. Eu percebo que antes eles davam mais valor às coisas do que hoje. Cada um tem seu computador. Me pergunto por que cada um precisa ter o seu. Mas eles pedem…

Norma: A pressão social é grande. A sociedade pede que cada um tenha seu computador.

Christina: Ou seja, estamos retornando à pergunta provocativa do Zé Maurício. Se você junta a estrutura de um mercado com uma carga de trabalho desumana mais uma sociedade de consumo, que cria uma série de necessidades absolutamente artificiais, para manter esses desejos artificiais das pessoas que você ama, você se rende a elas e, muitas vezes, se torna mãe ou pai culpado.

Engraçado e importante comentar que, em relação à culpa, a mulher tem mais facilidade, ou espaço, para expressar seus sentimentos, de falar das suas dores. Os homens ficam mais distantes, têm mais dificuldades para isso. Ficam tão fechados que enfartam. Não agüentam essa pressão e vemos coisas como a alta incidência de alcoolismo entre executivos, por exemplo. Não que a mulher não esteja vulnerável a isso, pelo contrário. Hoje, depois dessa ruptura, ela também vive essa divisão, ficou muito vulnerável a todas essas disfunções de saúde física e psíquica.

Quer dizer, essa discussão toda retorna à provocação inicial, ou seja: numa sociedade que leva aos jovens a esse nível de consumismo, evidentemente, o motor dessa matriz é a força de trabalho. Como você tem que estar imersa nesses valores invertidos do mercado de trabalho atual, parece, pelo que eu ouço aqui, que predomina essa sensação de desconforto em relação a ser mãe e trabalhar. Não só você está em desequilíbrio como também é causador de outros desequilíbrios. Você é ativamente parte de um motor que vai gerando mais produção, mais produtos disponíveis para consumo. Então eu gostaria de saber das mulheres mais jovens presentes como é que estão vivendo isso?

A Patrícia disse que está no limite e nem fez 30 anos ainda. Para ela afeto é importante, ser mãe é importante, mas por outro lado tem sonhos e paixões profissionais também. Naná, com o dilema dela entre ter ou não filhos. Enfim, o que vocês farão com suas vidas? Vocês sabem que podem ficar partidas ao meio. Então, qual é a escolha da geração de vocês? Pergunto isso exatamente porque a minha geração teve que escolher e, em qualquer um dos lados, a divisão não ficou confortável.

Patrícia Gayle: Engraçado, meu marido perguntou isso para mim ontem. E eu não soube responder. Ele me perguntou sobre filhos, disse que estamos juntos há 10 anos e tal. Aí ele lembrou de outras coisas: “você quer fazer um MBA no segundo semestre desse ano, você chega em casa as 21h30 todo dia e eu gostaria de saber a que horas a gente vai fazer algum plano junto. E como você vai ter tempo para equacionar tudo isso?”

Zé Maurício: Mas, e ele? A que horas chega em casa?

Patrícia: Seis e meia da tarde! (risos)

Zé Maurício: A que horas ele sai?

Patrícia: Às 9h15, porque ele mora ao lado do trabalho!

Norma: Você consegue administrar seu tempo para regular mais com o dele?

Patrícia: Acho que a maior questão não é administrar melhor meu tempo. Tenho é que administrar a minha síndrome de mulher maravilha. Eu me imponho desafios muito grandes numa velocidade muito intensa. Eu sou assim, muito ligada. Então, você já trabalha 12 horas por dia, ok? Ok. Você já não conseguiu equacionar isso, ok? Ok. Já quer somar à isso um MBA, a aula de inglês e não-sei-o-que-mais. Você ainda precisa ser magra, gorda não vale. Tem que fazer dieta, ir para a academia. São muitos papeis que tem de assumir e equilibrar.

Naná: Como é sua relação com sua filha?

Patrícia: Minha filha já é grande, tem 15 anos.

Naná: Vocês se vêm todos os dias?

Patrícia: Eu a vejo muito pouco, mais no final de semana. Mas ela também está numa fase “aborrecente”. Às vezes, ela passa no meu trabalho, almoça comigo ou vai me visitar no escritório. Só que eu tenho muita dificuldade para conciliar as coisas. Tem vezes que ela passa no escritório e eu não vejo, se estou em reunião não interrompo. Preciso rever o modo como administro meu tempo. Tenho dois celulares, mais o telefone da empresa. Assumo muitas responsabilidades, não bastam apenas as minhas, pessoais.

Christina: O que você disse, Patrícia, é interessante, mas preocupante também. Recentemente, fiquei 3 meses de cama quando minha coluna “quebrou”. E eu comecei a perceber que não ia perder nada ao optar por coisas que não eram ligadas ao trabalho. Quando há uma queda no seu rendimento mensal, você descobre que pode viver com infinitamente menos do que acha que precisa. Então acho que vale à pena a gente tratar essa síndrome, saber por que a mulher trabalha tanto para receber essa premiação.

Carmem Silvia Carvalho: Parece que quando falamos sobre mulher, polarizamos entre a profissional e a mãe. Mas para mim, ser mulher está ligado a ser alguém ao lado de outra pessoa. Quando meus filhos eram pequenos, eu não gostava do meu marido. Então não tinha conflitos, porque conseguia conciliar o trabalho e os filhos. Não precisava ser mulher, só mãe e profissional.

Hoje tenho um marido que amo e ficou difícil conciliar, porque agora eu tenho que ser mulher, além de mãe e profissional.

Darlene Menconi: Permitam-me discordar de vocês. Será que eu posso escolher não ser mulher-maravilha? A sociedade pede isso da mulher. E a gente trabalha o dobro para conquistar um salário que é um terço.

Eu nunca quis ter filhos, meu negócio era trabalho. Eu conseguia ter marido e atividade intelectual, hobby. Saía, ía a todas as baladas. Conheci todos os artistas. Fiz filosofia, jornalismo. Fui casada com um cineasta. Trabalhava loucamente e fiz muitos filmes. Depois casei com um artista plástico maravilhoso, fiz teatro, fiz um monte de coisas.

Mas quando tem filhos, você é fendida naturalmente. Com meu último marido, pai da minha filha, eu passei por um divórcio litigioso horrível. Eu ainda estava amamentando e no meio da gravação de um programa de televisão. Eu, que sempre fui uma pessoa voltada ao trabalho, estava vivendo aquela situação com uma filha pequena.

Quando eu trabalhava na revista Veja, só existiam duas editoras: eu e outra mulher, que era mãe. Eu me lembro que ela não era chamada para as reuniões, porque não dava conta. Meus colegas diziam que eu tinha sido promovida a homem, o que me deixava extremamente irritada. Mas por que eles falavam isso? Porque eu era tão competitiva quanto eles.

Num período de mudança profissional da minha vida, eu tive uma filha. E aí eu descobri que mãe é mãe.

Hoje eu não posso alçar muitos vôos. Fui obrigada a olhar para todas as oportunidades e dizer que eu não posso dar conta de tudo: eu tenho uma filha pequena. Olho para Bia, aquela coisa linda, e penso que minha raiva não é dela, é da maternidade. Ou seja, para que temos filhos? Para a sociedade ou para a gente? Porque somos penalizadas? Eu não sei mais o que é namorar. Como é que eu vou namorar? Minha ligação pessoal afetiva mais forte hoje é com a minha babá, é ela que me salva. E eu penso, quando é que eu vou entrar como mulher, quando é que eu vou passear?

Num livro que li, estava escrito que você não tem como não se sentir perdida quando é mãe, porque você não é mais você.

Mas é como dizem: a maternidade é o que falta. Eu não conseguiria me imaginar um segundo sequer sem ser a mãe da Beatriz.

Norma: Eu acho muito complicada essa questão da maternidade. Eu dizia na época: vou me comportar como eu sei, porque é claro que tinha meus momentos de dizer “não quero, estou querendo outras coisas”. E entrei com meus filhos numa relação mais direta quando falei: “olha, a mãe de vocês é assim; se um dia a mamãe de vocês chegar de ponta-cabeça, a mamãe está de ponta-cabeça”. Isso, bem ou mal, vai abrindo o diálogo. Aprendi muito com meus filhos. Espero que eles tenham aprendido comigo também. Foi uma relação de ser humano para ser humano.

Darlene: Isso eu acho importante.

Norma: É. Você precisa se posicionar.

Zé Maurício (para Norma): Quando você começou a trabalhar como jornalista, quantas mulheres havia na redação?

Norma: Éramos duas numa redação de 80, 90 pessoas. Mas apesar disso, a pressão maior foi a de voltar ao mercado de trabalho depois. Você tem que voltar e batalhar. Tem que ser competitiva. No meu caso, por exemplo, eu tinha que estar na redação às duas da manhã, porque o jornal fechava às três. Eu tinha que estar lá e ponto. Se não quisesse, tinha que voltar para casa e arranjar outra coisa para fazer.

Eu quis ter filhos. Foi minha escolha, então eu disse não por um tempo e vi o que eu podia fazer de casa.

Zé Maurício: Eu fiz essa pergunta para você por um outro motivo. Em 1971, eu já era revisor do jornal O Estado de São Paulo quando entrei no Instituto de Psicologia da USP. Na faculdade, minha turma era formada por cinco homens e 65 mulheres. Aí, eu saía de lá e ia para o jornal, onde éramos 20 homens e nenhuma mulher. Um tempo depois, fui para a Folha de São Paulo, onde já havia uns 15% de mulheres na redação. E acompanhei ao longo da minha carreira a inversão dessa proporção.

Patrícia: A questão aí é o que conseguimos acumular. Acho que as mulheres acumularam funções com essa inversão. Em casa, você não pode ser outra coisa que não mulher. Outro dia, brinquei com meu marido, disse que se ele quiser ter um filho, eu quero ser o pai. E ele me perguntou: “o que é ser mãe ou ser pai para você?”.

Eu comecei a esclarecer: quando a gente for a uma festa infantil, eu vou sentar para tomar cerveja com meus amigos e você vai correr atrás das crianças o dia inteiro. Quando o bebê chorar a noite, você vai levantar porque eu tenho que levantar cedo no dia seguinte. Afinal eu estou cansada, EU trabalhei o dia inteiro.

Lá em casa eu faço tudo. Pago as contas, vou ao supermercado, levo o carro para lavar. Se a casa precisa de alguma manutenção, até isso eu preciso fazer.



Christina: Claro. É a gestão que você assumiu. Você, Patrícia. O espaço que a gente assume, assumido fica. E isso vale para a relação com o marido, com os filhos e com o trabalho, também. Você vai assumindo espaços.

Patrícia: Sim, mas é um espaço que a sociedade impõe, como já foi dito. Para você não assumir as chamadas tarefas femininas, tem que mudar a dinâmica tradicional, em que o certo é a mulher cuidar da casa, dos filhos e do marido. Existem muitos pais participativos, ninguém está falando que a mulher carrega uma cruz. Meu marido é super afetivo e participativo, ele é. Só que ele pode escolher no que quer participar, eu não.

Zé Maurício: No futebol tem um combinado segundo o qual quem se desloca tem preferência para receber um passe. Até que ponto você não está se deslocando demais e pedindo muito a bola?

Patrícia: Você tem toda a razão. Eu comecei minha fala concordando que assumo muitas responsabilidades. Mas a minha colocação diz respeito à questão dos fundamentos familiares, em que é normal a mulher fazer isso.

Norma: Eu não sei o que é normal.

Patrícia: Olha, quando um homem assume as tarefas domésticas a gente fica surpresa. As mulheres não olham para isso como se fosse a coisa mais banal do mundo. A gente aprecia e comenta:”nossa, que cara mais prendado”.

Christina: Acho que está acontecendo uma coisa fantástica aqui. Mais de 90% do nosso bate-papo gira em torno dessa divisão e da nossa ânsia enquanto seres humanos. Eu sinto que essa conversa converge para a ânsia de buscar equilíbrio entre os papeis. Cada uma de nós parece estar vivendo esses anseios de alguma forma, mas nenhuma de nós parece dizer: “eu encontrei a solução”.

Vou fazer uma provocação, que parte de uma boa notícia: o sistema implodiu. Os homens estão exaustos, deprimidos. A definição do que é sucesso para o homem se tornou muito mais pesada que o razoável para um ser humano interessante, agradável, parceiro, amante, amigo. O homem também está sufocado.

(para Patrícia) Você disse: “ele escolhe”. Não sei se ele escolhe. Existe para eles alguma outra opção que não seja se jogar no mundo, não chorar e obter sucesso? Pior: um sucesso completamente frio e artificial?

Todos nós, homens e mulheres, fomos criados e treinados para desenvolver algo que se chama carreira e seremos premiados pelo nível da escada que chegarmos nesse quesito. Mas isso implodiu: estamos todos estressados, homens e mulheres. É importante colocar os homens aqui na roda. Assim como está, não dá.

Estamos vivendo o colapso em diversos níveis e setores, mas existe algo que não sai dessa roda, que é o afeto. Tanto é que os mais jovens hoje estão decidindo viver com muito menos dinheiro, para viver melhor suas experiências pessoais, como casamento, filhos. Será que não estamos retomando a uma discussão antiga? Será que não estamos discutindo uma página virada da história?

Zé Maurício: Eu vejo o “lado b” da sua colocação. Na década de 70, muitas amigas me convenceram que a conquista do direito de acesso ao mercado pelas mulheres, em condições de igualdade, provocaria uma revolução no mundo do trabalho, impulsionada por valores “femininos”, como o afeto, a solidariedade e o espírito cooperativo, entre outros. Vendo hoje, eu percebo o oposto: mulheres que trabalham como homens e lideram com a ferocidade dos homens.

O que deu errado? E não adianta o sistema desmoronar se a reconstrução se der pelos mesmos princípios.

Norma: O que eu me pergunto se a questão central, novamente não é você se posicionar, ou seja, dizer “sim” ou “não”. E nisso você vai descobrindo, porque não existe a receita pronta. É esse vazio que está circulando aqui que a gente pode preencher com coisas boas.

Naná: Eu sempre quis ser jornalista, ser uma excelente profissional, nunca pensei em casar, ter filhos. Até o dia que eu conheci meu marido, Vinicius. Em seis meses já estávamos morando junto e nesse pequeno tempo de convivência, muita coisa mudou. Hoje já não penso mais em ser a super-isso, super-aquilo e não ser mãe. Essa história com ele me faz pensar: qual o sentido de querer tudo como profissional e nada como mulher?

Eu vi o que minha mãe passou sendo mãe e profissional ao mesmo tempo. Meus pais trabalhavam e eu fui criada pelos avós. Eu sou do Interior e quando cheguei em São Paulo pensava: como vou ter filhos aqui, sem minha família perto de mim? O Vinicius me ajudou muito a perceber outras coisas e é claro que estar num meio profissional mais “humano” ajuda muito. Hoje eu sei que se disser “estou grávida” todo mundo vai me ajudar.

Eu não vivo mais na neura de pensar: “nossa, será que se eu ficar grávida eu vou perder o emprego, vou ter que abandonar minha carreira”. Eu sentia como se houvesse uma escolha. Hoje eu vejo que não precisa ser assim, pode haver equilíbrio.

Christina: Todos, homens ou mulheres, conseguimos algo incrível: estamos todos aborrecidos com a forma como o trabalho é colocado hoje. Temos outros anseios. Queremos ser pais, mães, maridos, mulheres, amigos, companheiros. Estamos todos buscando essas outras forças afetivas, extremamente valiosas que foram sufocadas.

Darlene: Quando você é mãe, descobre que pode ser tudo, mas não precisa ser a melhor em tudo, porque você já é mãe. Você não precisa ganhar os melhores prêmios, trabalhar loucamente, porque você é mãe, mulher, amiga, profissional. Enfim, a somatória dos valores muda.

Christina: E veja você, Gaia, que é o Planeta Terra, está doente. A grande mãe está sangrando e é chegada a hora de cuidar. Ser mãe não só dos filhos que parimos, mas também mãe da História. Mãe para tecer outros caminhos mais afetivos, mais humanos. É a hora de cuidar e isso não tem genes.



Carmem: A coisa mais importante para mim são meus filhos, meu marido, meus amigos, enfim, meus afetos. E de novo eu estou trabalhando demais para conseguir coisas que não estão ligadas a eles. É importante refletir sobre isso. Quando me separei do meu primeiro marido, precisei ir à luta mesmo. Trabalhei muito e fiz muito sucesso. Mas um dia minha filha veio a mim e falou: “mãe, você está muito cansada; você precisa trabalhar tanto?”

Eu respondi perguntando se ela achava que era fácil bancar a casa, as contas etc. Ela me surpreendeu quando falou: “mas você me dá muito mais do que eu preciso; eu só preciso um pouco mais de você”.

Eu costumava dizer que estava escolhendo para eles. Mas na verdade eu escolhia por eles. E o que era pior, sem consultá-los.

Naná: Mas você não consegue conciliar as coisas?

Carmem: No momento está difícil.

Naná: Porque eu espero poder ter filhos logo, mas não ficar alucinada com o trabalho. Eu quero continuar trabalhando, mas eu quero estar com eles.

Carmem: Eu nunca parei profissionalmente, só fui devagar. Meus filhos pediam mais tempo que o trabalho. Só depois da separação as coisas mudaram.

Patrícia: Aí que está! É do ser humano. Eu não me sinto tão cobrada pelos outros. O problema sou eu com as minhas escolhas. Quem se cobra acordar às 6 da manhã sou eu e trabalhar até 21h30 sou eu. Não há chicote algum atrás de mim me obrigando a isso, entende?

Carmem: Isso me lembra uma poesia de Drummond que se chama “O homem e a viagem”. Diz mais ou menos assim: o homem conquistou a terra e conquistada não tinha mais graça. Daí o homem conquista Marte, a Lua, chega aos confins do Universo. E na última estrofe, Drummond diz: chegou a hora do homem empreender a “dangerosíssima” viagem. Conseguirá ele conquistar o homem, civilizar o homem e fazer o homem entender a arte de conviver?.

Eu acho que essa é a viagem. Está na hora de revisar as prioridades e conquistar o próprio homem.

Darlene: Pois é. Eu tinha outros valores e ambições, mas a vida me fez repensar o custo disso tudo. Me fez perguntar mais sobre as coisas que eu quero ou não.

Naná: Isso é o que penso. Eu quero trabalhar, mas também quero me dar tempo para ter filhos, para ver minha mãe, enfim, quero mais equilíbrio. Quero viver mais minha vida, que não é só trabalho.

Christina: Por isso eu tenho certeza que essa conversa é o reflexo da mudança de um paradigma.

Carmem: Aqui todas de alguma forma vivemos um conflito por ter vivido intensamente a vida profissional. Você, Christina, não tem esse conflito? O fato de sua escolha ter sido pelos filhos gerou conflitos?

Christina Recoder: Minhas opções estão no passado. Eu não fico me remoendo com isso. Eu fiz as escolhas que eu achei certa na hora e me mantenho com elas hoje. Eu não fico procurando coisas no passado. Eu procuro eliminar a culpa, ou seja, eu vejo o que deu certo e não o que deu errado. O que foi gratificante para mim. Na época eu não precisei, como muitas de vocês, ir à luta. Se eu tivesse precisado na mesma proporção teria sido diferente. Eu tive essa opção.

Norma: Sim, isso é importante. Quando se olha o espaço que foi ocupado por algum vazio, seja dos filhos fora de casa, seja pelo tempo perdido devido o excesso de trabalho, é importante olhar outras coisas para preencher esse espaço e não agregar culpa a ele.

Christina Recoder: Pois é, eu fiz a opção que eu achei que tinha de fazer na época. Eu não abri mão de nada, eu vivi para meus filhos, essa foi a minha opção. Agora que eles estão encaminhados eu sinto necessidade de fazer outras coisas. Acho que tudo que eu aprendi precisa ser jogado para outra coisa. Eu sei pintar, desenhar, então eu fui devagar trilhando meu caminho. Eu não me anulei, sabe? Eu sempre fiz coisas e sempre me envolvi muito nas coisas que eu fazia, mas eu tinha outras prioridades.

Carmem: Na fala de cada uma de nós existe a idéia de escolha, certo? Por isso temos a ânsia de controlar o tempo. Isso me lembra uma conversa que tive com um professor. Ele disse que estava lendo um livro de um filósofo para quem o tempo era, na verdade, nosso grande libertador. Eu fiquei pensativa, afinal, o tempo era meu grande escravizador e a vida todo eu tive a sensação que não tive tempo! Mas ele me disse: se não houvesse o tempo, haveria a eternidade e se houvesse a eternidade não seria preciso escolher.

Exatamente por conta da escolha, você é obrigado a parar para pensar, priorizar, buscar a essência. Você é obrigado a se conscientizar das suas vozes interiores. Portanto a grande a liberdade, o grande desenvolvimento do homem é que não cabe ser tudo. E são nas escolhas que crescemos. Sociedade, mulher, homem, enfim, eu fico pensando se o que está por trás de tudo isso não é a escolha. A escolha de cada um. Existe pressão de todos os lugares e canais. Mas nós escolhemos. Eu não renuncio meu direito de escolha, então, eu nunca culpo ninguém por nada.

Norma: Será que as mulheres aprenderam a assumir isso?

Carmem: Eu acho que assumimos pela metade, não como mulheres, mas como seres humanos. Quando nasceu meu primeiro filho, ainda na maternidade minha mãe veio falar comigo. Ela disse:”Filha você está começando uma nova fase na sua vida e como eu não quero me meter vou te dar um único conselho agora. Meu conselho para você é: sim é sim, não é não.”

Muitos anos depois, no Dia das Mães, eu escrevi numa carta para ela que, muitas vezes, apesar de achar que ela estava absolutamente certa, eu não tinha conseguido seguir esse conselho. Porque minha mãe, quando ela dizia sim ou não, tinha certeza. Eu revia tanto as coisas e o mundo tinha tantos possíveis que eu tinha dito milhares de vezes não-sim e sim-não. Eu acho que é esse o grande conflito.

Norma: Outro dia me peguei pensando se eu conseguiria gostar novamente de alguém. E eu me peguei chorando, ou seja, a vida te devolve esses nãos e esses sins, para que seja possível reaprender com as escolhas. E essas escolhas, eu sinto, estão indo para um caminho de simplicidade. Até porque o jogo está tão complexo, que é você acaba tendo que observar as coisas novamente.

Carmem: Tanto é que eu nunca fiz minhas opções evitando o sofrimento. A dor é inevitável, não adianta escolher por não sofrer, você vai sofrer em dobro, entende? Minhas escolhas, meus nãos ou sins não foram feitos para evitar a dor, mas para me conduzir a coisas melhores, entende? É difícil.

Christina: Essa questão, “será que eu consigo sentir novamente”, é importante e acredito que seja uma grande mensagem para ser deixada nesse nosso encontro. Falamos tanto de maternidade, afeto, escolha, conflito. Nós não falamos sobre a conjuntura econômica, nossas próximas decisões, enfim, falamos sobre sentimentos e sobre a necessidade de rever nossos sentimentos. Tanto homens quanto mulheres querem mais flexibilidade nas relações de trabalho, exatamente porque os valores firmados para esse meio estão implodindo. Acredito que só o silêncio pode nos devolver a nós mesmos.

Carmem: Para compreender a dangerosíssima viagem do conviver…

Mulheres de Atenas?

Leticia Freire, do Mercado Ético

Os gregos desenvolveram uma civilização que, dois mil anos depois, continua enriquecendo o mundo. Quanto às mulheres, eram contraditórios: veneradas sob a forma de deusas em santuários, elas não tinham nenhum controle sobre seu destino na vida real e estavam a poucos degraus acima do status de escravo.


Os tempos mudaram. Dentro de um contexto secular, o movimento feminista foi um extraordinário despertar de consciência que mudou a estrutura geopolítica do mundo.

Hoje, mais de 40 anos depois do início do movimento libertário, há muito que celebrar. Mas diversas perguntas rodeiam o cenário pós-feminismo: como estão as mulheres hoje? Estão mais felizes? Sentem-se mais compreendidas? O sistema econômico lhes dá real valor? Até onde as mulheres chegaram e até onde ainda devem chegar?

O Núcleo de Estudos do Futuro da PUC-SP abriu o ano de debates homenageando as mulheres. Foco do evento (25/03) foi o dilema feminino frente às mudanças do mundo.

Livres, leves e soltas?

Atualmente não basta ser uma mulher independente e bem sucedida. É preciso ser bonita, sexy e estar sempre na moda. Essa pressão tem afetado a saúde física e mental de muitas mulheres ao redor do mundo.

Segundo pesquisa global realizada pela Unilever em 2004, mais de 50 % das mulheres dizem que não gostam do seu corpo. Esses e outros dados alarmantes que retratam a fragilidade psicossocial da mulher contemporânea. Os números indicam também que há ainda um longo caminho a ser percorrido no combate aos estereótipos e à padronização estética que se aproxima de uma verdadeira ditadura da beleza.

A baixa auto-estima e a estereotipação da beleza acompanhou a jornalista e escritora Vera Golik por muito tempo. Ela, assim como muitas mulheres, se sentia “feia e deslocada”, como relatou. Seu dilema se intensificou quando se tornou editora de revistas renomadas de beleza. “Estar ali, falando em como estar mais bonita era difícil. Eu mesma me sentia fragilizada”, conta. “Imagine você que 6 em cada 10 jovens pensam que “seriam mais felizes se fossem mais magras”, reforça.

Mas o padrão de beleza é reforçado pela mídia a cada minuto. “Muitas das modelos e atrizes retratadas na mídia, têm menos 10% de gordura corporal do que uma mulher saudável deveria ter. Isso tem afetado nossas meninas e atingido a sociedade”, diz Vera.

Vera se tornou uma porta voz da autenticidade feminina, lutando contra a estereotipação da beleza. Ela escreveu diversos livros sobre a auto-estima da mulher. Hoje ela integra diversas organizações feministas nacionais e internacionais e sua paixão é a luta pelos direitos humanos das mulheres em todo o mundo. “O problema delas [mulheres] vai além da solução estética. Na verdade elas queriam se sentir melhor, mais confiantes, ter alguma perspectiva na vida”, reforça.

A violência silenciada

Nem mesmo a revolução feminina apagou da humanidade a marca da violência feminina. Dados mundiais alertam que a violência contra a mulher ainda é um sério problema. De acordo com estimativa da ONG Anistia Internacional, pelo menos uma em cada três mulheres ao redor do mundo sofre algum tipo de violência durante sua vida.

Se o problema e mundial, o Brasil não dá bons exemplos a favor das mulheres. Uma pesquisa da Sociedade Mundial de Vitimologia feita em 138 mil mulheres, de 54 países, relatou que a violência doméstica atinge 23% das mulheres brasileiras. “No Brasil, a cada 7 segundos uma mulher é agredida em seu próprio lar e a violência doméstica é a principal causa de morte e deficiência entre mulheres de 16 a 44 anos”, afirmou João Francisco Carvalho Pinto Santos, coordenador da Campanha Bem Querer Mulher.

Para ele, o combate à violência contra a mulher exige mudanças no comportamento da sociedade, pois muitos acabam encobrindo agressões ocorridas à sua volta. Santos, lembra também que a violência não é necessariamente ligada a agressão física. “Muitas mulheres são humilhadas verbalmente todos os dias e se sentem pressionadas psicologicamente a aceitarem esse tipo de agressão por não verem outra saída. Isso não pode acontecer. A mulher é o ponto de equilíbrio da família, portanto esse problema afeta a sociedade como um todo e não apenas o gênero feminino”, afirma Santos.

Saneamento deve ser administrado por comunidades

Nergui Manalsuren, da IPS

As nações do Sul em desenvolvimento, particularmente as da África e Ásia, lutam para obter dois elementos básicos para a vida: água potável e saneamento adequado. A Organização das Nações Unidas diz que ainda há 1,1 bilhão de pessoas que carecem de acesso a água segura e 2,6 bilhões sem saneamento básico. O Banco Mundial destina 60% de seu orçamento de US$ 10,7 bilhões para este assunto ao fornecimento e apenas 40% ao saneamento.


Por que o saneamento recebe menos atenção do que a água? “Há vários fatores relacionados a considerar para explicar a proporção de fundos”, disseram Jae So, administradora do Programa de Água e Saneamento (WSP), financiado por doadores e dirigido pelo Banco Mundial, e Peter Kolsky, especialista no tema para o organismo multilateral.

Entrevistados pela IPS, os dois funcionários disseram que o portfolio reflete a demanda dos clientes: os governos dos países em desenvolvimento. Explicaram que as necessidades mais urgentes dos que não têm acesso ao saneamento podem, no geral, ser cobertas com recursos locais e a custos relativamente baixos. “Isto não significa que o Bancoi e o WSP não devam apoiar a promoção do saneamento básico. Podemos fazê-lo. Apenas significa que isto poderia não ser tão caro quanto a construção de represas, obras para tratamento da água e dutos para o fornecimento”, afirmaram.

IPS - A ONU diz que, para atingir a meta sobre saneamento dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio até 2015, cerca de 173 milhões de pessoas deveriam ter acesso a saneamento a cada ano a partir de agora. Quanto custará isso e como o Banco Mundial ajudará para que isso seja conseguido?

Jae So - Estimar o financiamento público necessário para atingir as metas de saneamento é uma tarefa surpreendentemente difícil. Não apenas as diferenças geográficas e sócio-econômicas sugerem uma ampla gama de tecnologias apropriadas como as políticas governamentais variam muito, até o conceito de que o governo deve considerar um investimento “público”.

Os avanços mais drásticos quanto ao acesso ao saneamento, na Ásia meridional e Etiópia, por exemplo, não foram impulsionados por programas de obras publicas, mas por um enfoque conhecido como Saneamento Total Liderado pela Comunidade, que exige investimentos relativamente pequenos do poder público.

O papel do governo neste enfoque é promover a idéia do saneamento, compartilhar informação e dar incentivos às famílias e comunidades para investir em saneamento, mas não definir a tecnologia que deve ser usada, e pagar todo o custo em capital. Inclusive estimar o custo da promoção não é fácil: quanto pode custar convencer uma família em Bangladesh a investir em saneamento?

Além dos tradicionais empréstimos em capital para ajudar os governos a pagarem infra-estrutura como dutos e métodos de tratamento, o Banco pode ser muito útil através de créditos para salubridade e promoção da higiene, através da troca de experiências em todo o mundo e ajudando alguns governos com assessoria orçamentária para que os fundos estejam disponíveis com as mínimas demandas burocráticas.

IPS - A ONU declarou 2008 Ano Internacional do Saneamento. Quais foram seus êxitos e como isto ajudou a colocar sobre a mesa os problemas relacionados com este tema, particularmente o Sul em desenvolvimento?

Peter Kolsky - O Ano Internacional do Saneamento ajudou a trazer à luz essa questão através de vários esforços de colaboração, incluindo atividades regionais para criar consciência e discutir políticas em nível governamental, com painéis que educaram a mídia para permitir melhor cobertura a respeito e contínuos esforços em escala comunitária, para melhorar o comportamento e as práticas de saneamento. Um importante indicador de sucesso é o número de encontros regionais, nacionais e internacionais para atender diretamente o problema.

No passado recente, o saneamento era sempre o “enteado” pobre, e as reuniões sobre “fornecimento de água e saneamento” recebiam pouca atenção, com se fosse um tema acessório. Só depois da reunião AfricaSan, em 2002, e d introdução da meta sobre saneamento nos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio, foi que começou a ser reconhecido como um assunto com seus próprios desafios e oportunidades.

IPS - Os países em desenvolvimento fazem o suficiente para resolver o problema: que casos de êxito há no Sul, especialmente com apoio do Banco Mundial?

Jae So - Os países se concentram cada vez mais na questão do saneamento e em seu impacto na vida das pessoas. O Banco Mundial esteve envolvido em projetos de água no Senegal por muitos anos, e se obteve um importante êxito em saneamento urbano em Dacar, graças a um projeto apoiado pelo organismo. O WSP fornece assistência técnica e assessoramento e promove campanhas comunitárias.

(Envolverde/IPS)