domingo, 16 de novembro de 2008

Bush prepara o mundo para Obama

Jim Lobe, da IPS
A continuidade da política externa a ser seguida pelo presidente eleito dos Estados Unidos, Barack Obama, com a do atual, George W. Bush, poderá surpreender os simpatizantes do líder democrata e o resto do mundo. Essa continuidade se verá reforçada se, tal como se espera, o atual secretário de Defesa, Robert Gates, receber o pedido para permanecer no cargo após 20 de janeiro, data da posse de Obama. Os pontos em comum entre as duas políticas não se devem a uma falta de apego de Obama por seus compromissos de campanha, mas - muito pelo contrário - ao fato de Bush ter feito, sem alarde, algumas correções de rumo em direção compatível com as idéias de seu sucessor.
Sem dúvida, Obama fará, antes ou pouco depois de assumir, anúncios que ratificarão o multilateralismo e a estratégia de ação diplomática, que contrastam com o uso do poder militar e o unilateralismo característicos da gestão Bush. Provavelmente, incluirá nesses anúncios uma imediata proibição da tortura e a promessa de fechar, no curto prazo, o centro de reclusão de prisioneiros na “guerra contra o terror” declarada por Bush e instalada na base naval norte-americana de Guantânamo, em Cuba. Além disso, é muito provável que Obama atue com rapidez para melhorar as relações com dois países com os quais Bush mostrou uma incrível hostilidade: Cuba e Síria.
Espera-se que o presidente eleito levante as restrições à liberdade dos cubanos que vivem nos Estados Unidos, ou seus descendentes, para visitar a ilha e enviarem dinheiro aos seus parentes. Analistas consideram que no futuro avançará para a normalização do vínculo. Já a Síria enviará um embaixador como sinal de interesse em renovar a cooperação contra o extremismo violento e estimular o reinício do diálogo de paz entre esse país e Israel, co a mediação da Turquia, ou inclusive um processo de maiores alcances. Também espera-se que Obama anuncie a adesão plena ao regime que substituirá o Protocolo de Kyoto contra a mudança climática, do qual Bush retirou a assinatura norte-americana logo após assumir seu primeiro mandato, em 2001.
Observadores dizem que Washington adotaria reduções de cumprimento obrigatório na emissão de gases causadores do efeito estufa, aos quais a maioria dos cientistas atribui grande parte do atual ciclo de aquecimento global. Além disso, Obama poderia promover a ratificação no Senado do tratado de proibição de testes com armas nucleares, bem com como aos quais Bush se opunha, como as convenções da Organização das Nações Unidas sobre direitos das crianças e eliminação de todas as formas de discriminação contra a mulher.
Obama também se mostraria disposto a negociar um redesenho da arquitetura financeira internacional, tal como propõem aliados europeus dos Estados Unidos, para fortalecer os organismos de controle financeiro e incrementar significativamente o voto das economias emergentes no Fundo Monetário Internacional, Banco Mundial e outros órgãos dominados pelos países ricos. Estes passos, além de gerar uma corrente de simpatia no exterior, servirão a Obama para acentuar o contraste com Bush, cujo unilateralismo e imagem de caubói levou a imagem dos Estados Unidos entre os cidadãos de outros países ao seu nível histórico mais baixo.
Porém, essa imagem de Bush agora é um pouco antiquada. Embora a tenha ganhado justamente durante seu primeiro mandato (2001-2005), quando os neoconservadores ditavam a política externa de Washington, foi modificando-a nos últimos dois anos. Escaldado pelo curso que tomou a invasão do Iraque, Bush foi guiado pelos representantes da chamada escola “realista”, essencialmente a secretária de Estado, Condoleezza Rice, Gates e os máximos chefes militares, para estabelecer as bases do “novo amanhecer” ao qual Obama faz referencia, especialmente em áreas-chave em crise.
Por exemplo, apesar dos protestos dos “falcões” que rodeavam o vice-presidente, Dick Cheney, Bush seguiu os conselhos de Rice e fez concessões à Coréia do Norte para manter viva as negociações destinadas a “desnuclearizar” essa nação asiática. Da mesma forma, Bush levantou seu embargo diplomático contra o Irã, enviando o subsecretário de Estado, William Burns, para conversar com seu colega iraniano, em um encontro que incluiu outros membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU mais a Alemanha. Significativamente, Burns será a principal ligação do Departamento de Estado com a equipe de transição de Obama.
O governo atual também parece estar próximo de anunciar que abrirá um escritório de interesses em Teerã, o que implica o reinício das relações diplomáticas interrompidas há 29 anos. E o fará antes da posse de Obama. Esse passo tornará mais simples para o novo presidente iniciar um diálogo de alto nível com o Irã, sem pré-condições, no momento em que desejar. Isso será, possivelmente, logo após as eleições presidenciais de junho nesse país, para não aumentar as chances de reeleição de Mahmoud Ahmadinejad. Além disso, após ignorar durante quase sete anos o conflito entre israelenses e palestinos, Bush relançou as negociações de paz em novembro, na cúpula de Annapolis. Não houve grandes avanços, por causa das eleições de fevereiro em Israel, e não existirão até o final de seu mandato. Obama herdará um processo que poderia empregar para concretizar sua promessa de chegar a uma solução baseada na existência de dois Estados independentes.
Inclusive no Afeganistão e Iraque, Bush ajudou a preparar o terreno para os planos de seu sucessor de acelerar a retirada de mais tropas de combate no primeiro país e retirá-las do segundo. Obama argumenta, há muito tempo, que o Afeganistão é “a principal frente da guerra contra o terrorrismo”. Bush inclusive aceitou uma retirada de todas as forças norte-americanas do Iraque até 2012, não apenas as unidades de combate, que Obama prometeu repatriar em meados de 2010.
Quanto à Rússia, cuja invasão da Geórgia em agosto levou as relações bilaterais ao ponto de máxima tensão desde a Guerra Fria, tanto Bush quanto Obama agiram com relativa moderação. Embora a insistência de Bush em instalar sistemas de mísseis na Europa central e oriental seja mais provocativa do que a ambígua posição de Obama a respeito, levou em conta nos últimos dias as preocupações de Moscou e sentou as bases para chegar a um acordo que reduza significativamente os arsenais nucleares das duas potências. Estima-se que este ponto será uma prioridade de Obama no começo de seu governo.
Em outras áreas, a estratégia de diálogo do presidente eleito poderá avançar sobre êxitos de Bush que não receberam tanta atenção como os fracassos de sua “guerra contra o terrorismo”. Entre eles a melhoria das relações com a China, apesar da oposição dos “falcões”; com a Índia, através de um acordo de cooperação nuclear que coroou um vínculo estratégico em rápido crescimento, e com a África, onde o plano de US$ 15 bilhões para combater o HIV/Aids, fortemente apoiado por Obama, converteu esse continente na região onde Bush conta com melhor imagem, segundo as pesquisas.
(Envolverde/IPS)

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