Naná Prado*
O termo ‘sustentabilidade’ vem ganhando força. Profissionais das mais variadas áreas procuram especialização. Empresas, escolas, faculdades, instituições e governo tentam entender o que é, para que serve e como implantá-la de fato. A questão é complexa e existem profissionais que já estão envolvidos nisso há muitos anos.
Este é o caso de Thais Corral, que vem trabalhando com temas relacionados a sustentabilidade desde 1990. “Por ser esta uma área central na minha trajetória de vida, todos os projetos em que estou envolvida têm a ver com a sustentabilidade. Eu diria, porém, que não é só ambiental e sim a busca de uma integração entre a sustentabilidade ambiental e outras sustentabilidades, pois todas elas estão integradas”, afirma ela. Descrever Thais Corral não é nada fácil, a começar pelo currículo extenso. Sua experiência perpassa diferentes setores. É possível considerá-la pioneira na questão da educação para a sustentabilidade e no desenvolvimento de lideranças.
- Você é presidente do Conselho da ABDL (Associação Brasileira para o Desenvolvimento de Liderança). Quais os desafios de uma instituição pioneira na educação para a sustentabilidade?
Thais Corral: Os pioneiros têm a seu favor o fato de poder experimentar e tornar-se referência. Correm por outro lado o risco de tornarem-se obsoletos sem se dar conta. Muitas vezes,quando se tem sucesso com um projeto, é difícil perceber o que a dinâmica das mudanças pede. O início da ABDL foi concomitante com o da internet. Fomos uma das primeiras organizações de educação no Brasil a usá-la como ferramenta de trabalho. Hoje, grande parte das organizações utiliza a internet, e esse diferencial que tínhamos não existe mais.
A ABDL hoje se diferencia por três aspectos. O primeiro deles está no DNA do programa e esteve sempre presente: é propiciar a possibilidade de uma interação multi-setorial. A ABDL sempre investiu para ter em suas turmas um equilíbrio na diversidade entre os participantes provenientes do terceiro setor, setor privado, governo e mídia. A interação entre os setores, a formação de uma rede de colaboração entre lideranças que provêm de vários setores é um dos propósitos do programa.
O segundo aspecto é a dinâmica do aprendizado que se dá a partir da elaboração de projetos que cada um dos participantes no programa desenvolve durante o período de interação com os outros membros do grupo. Essa perspectiva de aprender a partir da prática vem se demonstrando muito positiva, pois permite a interação com os outros membros do grupo, facilitadores e docentes de forma mais efetiva.
O terceiro é o desenvolvimento de habilidades pessoais que também chamamos de recursos internos. Nossos encontros presenciais são feitos em lugares onde há uma forte presença da natureza, do cuidado com as pessoas e isso acaba facilitando uma relação mais profunda consigo próprio e com as outras pessoas. Nossa abordagem de desenvolvimento de liderança está inspirada na visão de que a sustentabilidade tem que se dar no nível das pessoas com elas mesmas, com as outras pessoas e com o planeta.
- O que é, para você, educação para a sustentabilidade? É possível implantá-la? Como?
Thais Corral: Na realidade a educação para a sustentabilidade é hoje a principal educação, já que encontrar alternativas para a crise ambiental, e em particular à crise climática, passou a ser essencial para que continuemos a ter as nossas bases de vida no planeta. Não se trata mais de um tema complementar. A questão é que é mais do que uma disciplina, trata-se de uma nova forma de estar no mundo. No programa Liderança para a Segurança Climática que a ABDL lançou este ano estamos abordando o tema da sustentabilidade e a transformação individual é central. Sabe-se hoje que sem que a pessoa se disponha a um processo de transformação, os resultados não são profundos o suficiente a ponto de obter uma mudança à altura dos desafios da sustentabilidade.
- Qual era o perfil da liderança há alguns anos, como é hoje e o que você pensa que pode ser a liderança num mundo sustentável?
Thais Corral: Até alguns anos atrás o modelo de liderança mais comum era o do comando e controle, muito baseado na autoridade e no poder de coerção. Ao líder era concedido o poder de proteger, dirigir, orquestrar os conflitos, alocar papéis na sociedade. Em geral o estereótipo do líder estava associado ao do macho alfa dos chimpanzés. Os atributos de força e poder psíquico para coagir, para impor uma norma eram muito importantes. Essa percepção vem mudando em função de todas as conquistas sociais e democráticas do século 20 e da complexidade dos problemas. Hoje, a capacidade de liderar exige habilidades que vai muito além da força, tem muito mais a ver com a capacidade de influência, de apoiar as pessoas a fazer um processo de adaptação para a mudança. Tem a ver com empatia, cuidado e capacidade de ajudar as pessoas num processo de transformação que é necessário.
- Como desenvolver lideranças em linha com as idéias de sustentabilidade?
Thais Corral: A emergência dessa liderança depende do desenvolvimento de recursos pessoais e interpessoais que permitam a emergência da inteligência coletiva, ajudando as pessoas a criarem as condições necessárias para as mudanças que tem que ocorrer. A questão da segurança climática oferece uma oportunidade única por contemplar o aspecto do tempo. A transformação para estabilizar o clima terá que acontecer nos próximos 20 anos. Isso significa uma grande mudança nos padrões de produção e consumo que irão impactar fortemente nossas vidas.
- Qual o papel da mulher nesse processo?
Thais Corral: Mais do que a mulher enquanto categoria de gênero propriamente dita são as qualidades do feminino (empatia, cuidado, flexibilidade) que podem estar presente em mulheres e homens que fazem uma grande diferença neste momento. A mulher continua a ter um papel importante por estar muito presente no âmbito da reprodução da sociedade, na educação das crianças, no cuidado da família, dos velhos, das comunidades. A questão é que até agora esse trabalho foi invisível, neste momento de crise esse papel se torna muito mais visível e ganha relevância inclusive em nível das políticas públicas que valorizam o desenvolvimento do capital humano, fundamental para que superemos a crise da sustentabilidade e da nossa cultura.
- Conte-nos um pouco sobre o seminário internacional “Megacidades e Mudanças Climáticas”, organizado pelo LEAD Internacional (www.lead.org) instituição à qual a ABDL está vinculada.
Thais Corral: O Programa Liderança para a Segurança Climática (LSC) faz parte de um conjunto de mudanças curriculares e organizacionais que vem ocorrendo na ABDL desde 2001, quando a organização deixou de receber recursos institucionais da Fundação Rockefeller, principal patrocinador do programa de formação de lideranças para a sustentabilidade. Essas mudanças se traduzem também em novas articulações institucionais, novas temáticas e na busca da sustentabilidade econômico-financeira.
Como parte de seu processo formativo, o Programa de Liderança para a Segurança Climática, 13ª turma do Programa LEAD Brasil, terá seminário internacional realizado na cidade do México, entre 16 e 22 de novembro próximo. O seminário reunirá lideranças de todo o mundo para trabalhar o tema ‘Megacidades e Mudanças Climáticas: cidades sustentáveis num mundo em mudança’.
O seminário, promovido pelo LEAD International e pelo LEAD México, é uma chance única de compartilhar conhecimento e informação com participantes do Programa LEAD vindos de cinco continentes. A turma 13 do programa LEAD é realizada em 11 centros ao redor do mundo e reúne a diversidade cultural de mais 40 países.
Sob o tema-chave das Megacidades no contexto do mundo em transformação, serão formadas quatro unidades temáticas: Água e Saneamento, Produção e Consumo de Energia, Uso da terra e planejamento urbano, e Transporte e Mobilidade urbana.
Os seminários internacionais são também uma chance para entrar em contato com os participantes de programas semelhantes em outros países e poder ter essa exposição a outras culturas e visões. Os seminários internacionais também estão no DNA da LEAD Internacional.
- Você é coordenadora do Projeto Pintadas Solar, um dos cinco vencedores do prêmio SEED de 2008. Qual o objetivo dessa rede global? E quais são os objetivos do Projeto?
Thais Corral: A iniciativa SEED (www.seedinit.org), é uma rede global fundada pelas organizações IUCN, PNUD e PNUMA, que tem como missão promover parcerias em prol do desenvolvimento sustentável em sintonia com as Metas de Desenvolvimento do Milênio e a Cúpula de Desenvolvimento Sustentável também conhecida como Rio +10.
Selecionado entre mais de 400 projetos de várias partes do mundo, Pintadas Solar conquistou o prêmio pela estratégia inovadora do projeto que promove o uso de tecnologias apropriadas de irrigação e bombeamento de água com o objetivo de fortalecer a agricultura de pequena escala, a segurança alimentar e a geração de renda no promissor mercado brasileiro dos bio-combustíveis. Um dos principais objetivos do projeto é desenvolver estratégias de adaptação às mudanças do clima que se fazem particularmente sentir nas regiões semi-áridas onde a escassez de chuva e as temperaturas altas acabam por agravar a situação já muito difícil.
O projeto leva o nome do município, de apenas 11 mil habitantes situado a 250 KM de Salvador. Em Pintadas, quase todos os 1.600 domicílios rurais contam com cisternas para armazenar água de chuva. Esse fato somado à forte organização comunitária atraiu o interesse de parceiros externos para realização do projeto Pintadas Solar, cuja fase piloto durou dois anos, de 2006 a 2008.
Agora partiremos para a segunda fase do projeto que será de dar escala às ações piloto. Pretendemos implementar nesta próxima etapa todos os aspectos que podem fazer do projeto Pintadas Solar um modelo a ser replicado não só no Brasil como no mundo.
- Você está envolvida em vários projetos cujo foco é a sustentabilidade. Conte-nos um pouco sobre essas iniciativas.
Thais Corral: Sustentabilidade é uma área em que venho trabalhando desde 1990. Por ser esta uma área central na minha trajetória de vida, todos os projetos em que estou envolvida têm a ver com a sustentabilidade. Eu diria, porém, que não é só ambiental e sim a busca de uma integração entre a sustentabilidade ambiental e outras sustentabilidades, pois todas elas estão integradas.
Sou co-diretora de capacitação da Rede Sul Sul Norte, que existe em 6 países e implementa projetos de mitigação e adaptação à mudança climática com redução da pobreza. Sou também co-coordenadora do projeto da Comunidade Júlio Otoni, que tem por objetivo transformar uma favela do Rio de Janeiro numa comunidade saudável. Sou também uma das fundadoras do Centro de Desenvolvimento Vista Alegre, o lugar é um dos mais especiais no entorno do Rio de Janeiro com a presença de cachoeiras e da mata atlântica. Lá, a exuberância do lugar está unida ao cuidado de cada detalhe, da comida ao tratamento das pessoas. Vista Alegre tem como principal proposta acolher programas e oficinas de desenvolvimento de lideranças.
No nível internacional sou também co-diretora da REDE Global Leadership, nossa visão é a de levar trabalhar uma visão da liderança que articule setores, culturas, além do desenvolvimento de habilidades internas e externas em prol de propiciar as bases para uma mudança civilizatória.
Thais Corral: sua área de interesse atual se dá no campo do desenvolvimento de lideranças para a transição para a sustentabilidade. Coordena a Rede de Desenvolvimento Humano (REDEH) desde 1990. É também presidente do conselho diretor da Associação Brasileira para o Desenvolvimento de Lideranças ( www.abdl.org.br) e membro do conselho deliberativo do LEAD Internacional. É também co-diretora da Global Leadership Network, que acaba lançar o livro “Leadership is Global” no qual 22 autores provenientes de várias disciplinas, setores e áreas do planeta compartilham visões e práticas inovadoras que fortalecem a perspectiva de sustentabilidade. Thais Corral também faz parte do Conselho Consultivo do Instituto Akatu. SeçõesConsumo Consciente
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