domingo, 16 de novembro de 2008

Que educação? Para sustentar o quê mesmo?

Os três primeiros textos postados neste tópico propõem uma reflexão sobre os significados da expressão que dá nome à sala. A começar pelo próprio termo que busca se conectar aos processos de socialização e difusão de conhecimentos validados por nossa formação social: do que falamos quando nos referimos à sustentabilidade?
No ensaio “Educação e sustentabilidade: possibilidades e falácias de um discurso“, o cientista social Gustavo Ferreira da Costa Lima, da Universidade Federal da Paraíba e pesquisador-associado do GPEA-Grupo Pesquisador em Educação Ambiental da Universidade Federal do Mato Grosso, lembra que o conceito é objeto de uma luta simbólica por forças e interesses “que disputam entre si o reconhecimento e a legitimação social como ‘interpretação verdadeira’ sobre o tema”.
Lima identifica duas grandes matrizes interpretativas em choque, associadas às noções de ecodesenvolvimento, formulada ainda nos anos 70 por Ignacy Sachs, e de desenvolvimento sustentável, exposta inicialmente no Relatório Brundtland, que funda o discurso atualmente hegemônico da “modernização ecológica” do capitalismo. E propõe uma série de perguntas para analisar os vínculos que ambas postulam entre os dois temas, no processo em curso de reavaliação das práticas tradicionais de educação ambiental:
“Quais os significados e implicações dessa articulação? Qual a natureza e os objetivos dessa renovação discursiva? Educar para sustentar o quê? Qual a diversidade de leituras sobre esse debate e quais os principais argumentos a favor e contra a nova proposta? Que fundamentos, valores e interesses estão envolvidos nesse processo? Qual a história da construção do discurso da sustentabilidade e sua inserção na educação?”
Os outros dois textos expressam, de certo modo, o debate identificado por Lima. Para Pedro Jacobi, da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo e coordenador do Teia-Laboratório de Educação e Ambiente, autor de “Educação ambiental, cidadania e sustentabilidade“, o tema do desenvolvimento sustentável confronta-se com o paradigma da sociedade de risco, proposto por Ulrich Beck, “que emerge com a globalização, a individualização, a revolução de gênero, o subemprego e a difusão dos riscos [ecológicos, químicos, nucleares e genéticos] globais”.
“Isso implica a necessidade de multiplicarem-se as práticas sociais baseadas no fortalecimento do acesso à informação e à educação ambiental em uma perspectiva integradora. E também demanda aumentar o poder das iniciativas baseadas na premissa de que um maior acesso à informação e transparência na administração dos problemas ambientais urbanos pode implicar a reorganização do poder e da autoridade.”
Jacobi relaciona a educação ambiental aos processos de constituição da cidadania, na escola e fora dela, definindo-a como “um ato político voltado para a transformação social”. “O seu enfoque deve buscar uma perspectiva holística de ação, que relaciona o homem, a natureza e o universo, tendo em conta que os recursos naturais se esgotam e que o principal responsável pela sua degradação é o homem”.
Segundo o autor, “os grandes desafios para os educadores ambientais são, de um lado, o resgate e o desenvolvimento de valores e comportamentos (confiança, respeito mútuo, responsabilidade, compromisso, solidariedade e iniciativa), e de outro, o estímulo a uma visão global e crítica das questões ambientais e a promoção de um enfoque interdisciplinar que resgate e construa saberes”.
Em “Pedagogia da Terra: ecopedagogia e educação sustentável“, o educador Moacir Gadotti, diretor do Instituto Paulo Freire, confronta o modo como produzimos, consumimos e convivemos de uma maneira mais radical e abrangente.
“O potencial destrutivo gerado pelo desenvolvimento capitalista o colocou numa posição negativa frente a natureza. O capitalismo aumentou mais a capacidade de destruição da humanidade do que o seu bem-estar e prosperidade. As realizações concretas do socialismo seguiram na mesma esteira destrutiva, colocando em risco não apenas a vida do ser humano, mas de todas as formas de vida existentes sobre a Terra. De tal forma que, hoje, a questão ecológica tornou-se eminentemente social.”
Gadotti considera o desenvolvimento sustentável, mais do que um conceito científico, “uma idéia-força, uma idéia mobilizadora, nesta travessia de milênio”. Reflete sobre suas implicações e seu impacto na “educação bancária”, termo cunhado por Paulo Freire para um sistema em que não se discute o sentido da aprendizagem. Resenha alguns “princípios pedagógicos para uma sociedade sustentável”, propostos por autores como Francisco Gutierrez e Daniel Prieto. E deles deriva a proposta de uma “ecopedagogia”, comprometida com a formação de uma nova cidadania planetária.
Trata-se, segundo Gadotti, de “um novo olhar sobre a educação, um olhar global, uma nova maneira de ser e estar no mundo, um jeito de pensar a partir da vida cotidiana, que busca sentido em cada momento, em cada ato, que ‘pensa a prática’ (Paulo Freire) em cada instante de nossas vidas, evitando a burocratização do olhar e do comportamento”.
Mercado Ético propõe os três ensaios, disponíveis em PDF (clique nos links acima para acessá-los) como referência para uma reflexão sobre o tema. Compartilhe com a gente suas opiniões e propostas na área de comentários. Sugestões de novos textos que ampliem o debate também são bem-vindos - a única condição é que tenham acesso aberto na internet.
Boa leitura!

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