Hazel Henderson*
A decisão de Obama de não participar da primeira reunião dos líderes do G-20, em Washington, que se realizou nos dias 15 e 16 de novembro de 2008, refletiu seu entendimento de que a ordem econômica mundial se alterou. Seus enviados especiais, a ex-secretária de Estado dos Estados Unidos, Madeleine Albright, e o ex-congressista republicano Jim Leach, do Estado de Iowa, vieram como observadores. Os novos parceiros no Grupo dos 20, liderado por Brasil, China, Índia e outros países e economias atualmente consideradas como desenvolvidas e emergentes, desafiarão o próprio clamor de Obama por mudanças.
Embora o comunicado dos líderes tenha se mantido reservado e educadamente comedido, ficou clara a sinalização de uma nova ordem econômica e o lançamento de um “processo Bretton Woods II,” com uma nova reunião marcada para 30 de abril de 2009 em Londres. Os líderes concordaram que as reformas do atual sistema financeiro são mais que necessárias e que a crise foi conseqüência da total falta de visão, riscos excessivos e alavancagem financeira realizada pelo sistema atual.
Ficou evidente a ignorância de todos os participantes sobre como a globalização e o entrelaçamento de todos esses mercados, que funcionam 24 horas por dia e 7 dias por semana, inevitavelmente contribuíram para a criação do caos em todo o sistema. Embora não indicando diretamente os Estados Unidos, os líderes apontaram como culpados pela crise “alguns países avançados”, “cujos legisladores, órgãos reguladores e supervisores deixaram de analisar adequadamente e lidar com os riscos que foram se acumulando nos mercados financeiros.”
Os líderes europeus estão preocupados e pedem uma nova ação intervencionista para frear a especulação e a alavancagem, os hedge funds, os pools particulares de capital e derivativos, como os quase $60 trilhões de swap default que foram de grande peso para a comoção financeira. Enquanto isso, China, Brasil, Índia, Rússia, África do Sul e outros membros influentes do G-20 também se manifestaram em favor de uma “nova ordem financeira internacional” que seja clara, justa, inclusiva e ordenada, como dito pelo presidente da China, Hu Jintao.
Esses países estão exigindo uma representação mais justa, com direito a voto, no FMI, Banco Mundial e OMC, para que a nova realidade global seja melhor refletida, reconhecendo que os EUA não são mais a locomotiva da economia mundial. Realmente, a maior parte do crescimento do PIB global (um indicador inadequado) é hoje responsabilidade da China, Índia, Brasil e outras economias emergentes do Hemisfério Sul. Por exemplo, os EUA, hoje os maiores devedores mundiais, controlam 17% dos votos no FMI, enquanto a China, o maior credor mundial, controla apenas 3,66% .
Uma importante questão subjacente é como o capitalismo deverá evoluir. O modelo de crescimento econômico liderado pelos Estados Unidos, o conhecido “Consenso de Washington”, baseado no livre coméricio e na liberalização dos mercados, nas contas de capital aberto, moedas flutuantes e privatização, sob comando dos mercados financeiros globais não-regulados, desabou. A China tomou a frente do novo debate, ao convocar uma reunião em Pequim, em outubro de 2008 , à qual compareceram todos os países europeus, como também os membros do G-20 e outros países da África. A administração Bush desdenhou tal multilateralismo e acabou deixando os EUA para trás nessa corrida, não sendo mais convidados para reuniões da mesma importância, incluindo a Organização para Cooperação de Shangai, que inclui países da Ásia e Ásia Central, além do Irã. Enquanto isso a China estreitava alianças em todo o mundo, particularmente na Europa, África e América Latina.
A nova demanda por eqüidade inclui a democratização do Banco Mundial e dos processos na OMC; a exigência de ampliação do Conselho de Segurança das Nações Unidas, para incluir como membros permanentes o Brasil, Japão, Índia e outros países importantes do Hemisfério Sul, como a Indonésia e a África do Sul; e também a suspensão do direito de veto ainda em vigor, concedida aos antigos “cinco membros permanentes” - os países vitoriosos na Segunda Guerra Mundial.
Tudo isso é um despertar muito duro para muitos nos Estados Unidos, assim como para a administração Bush, que acreditou que a melhor maneira de resolver o problema seria ignorar os interesses de outros países e seguir sozinho. Hoje, quando os EUA se encontram no olho do furacão, na pior crise doméstica desde os anos 30, a maioria dos cidadãos norte americanos se dá conta de que precisam de ajuda global e, ainda, que a crise financeira global, que começou em Wall Street, agora precisa da cooperação de todos os países do mundo para que seja resolvida. Essa é a verdadeira dimensão da mudança que o recém-eleito presidente Obama precisa enfrentar.
Como já comentei, a reforma do cassino global, que não seguia normas e regras, precisa ser feita imediatamente. A reunião de 15 e 16 de novembro de 2008 claramente indica uma disposição crescente para cooperação entre as nações e estabelece isso como essencial, particularmente a supervisão dos bancos e outros segmentos importantes do mercado financeiro. A cooperação é necessária para evitar políticas de “peça-ao-vizinho”, que possam ser apenas tentativas de tirar vantagem por parte de um país ou outro.
Porém, nenhuma menção foi feita à mais urgente das prioridades: tentar resolver o problema do intercâmbio diário de moedas, em torno de $2 trilhões, onde mais de 90% das transações é pura especulação. Moedas que sobem e descem são responsáveis por grande parte da turbulência que vivemos hoje e pela excessiva volatilidade dos mercados mundiais, em razão dos elementos de contágio que se espalham em minutos nesse mercado que opera 24 horas por dia, 7 dias da semana.
Um imposto de apenas 1%, ou até menos, sobre todas as transações financeiras vem sendo defendido desde os anos 70, quando foi proposto pelo economista James Tobin e, em 1989 pelo ex-secretário do Tesouro norte-americano, Lawrence Summers, que também participou da reunião em Washington.
Tal imposto seria simples de ser recolhido, por meio de um sistema informatizado, instalado nas telas de transações cambiais, como o Foreign Exchange Transaction Reporting System (FXTRS). Esse sistema opera como uma versão eletrônica da venerada uptick rule de Wall Street, aprovada em 1934, mas repelida durante a segunda administração Bush. Hoje, os corretores de Wall Street clamam por seu restabelecimento para deter as vendas completamente a descoberto. O FXTRS, com a “uptick rule” informatizada, gradualmente aumentará o imposto básico de 1%, sempre que houver ataques especulativos contra uma moeda mais fraca. Tais ações raramente ocorrem para “disciplinar” as políticas de um país, como “traders claim”, mas quase sempre são tentativas de obter lucros rápidos.
No transparente sistema FXTRS, os corretores que venderem moedas em baixa começam a experimentar o aumento do imposto, em cascata, para o fundo de estabilização da moeda do país, cortando assim os ganhos do especulador. Sem a perspectiva de lucros, os especuladores deixam o mercado, voluntariamente, e procuram por outras moedas ou oportunidades de arbitragem. Os fundos, resultados de tal imposto sobre câmbio, podem somar centenas de bilhões de dólares, que, por sua vez, seriam diretamente utilizados na saúde pública, educação, infra-estrutura e outros projetos que visem o bem público (para mais informações, visite www.HazelHenderson.com e clique em FXTRS).
Esperançosamente, na reunião de 30 de abril de 2009, essas propostas serão consideradas e resultarão na rápida implementação de outros passos importantes para regular os mercados financeiros, já discutidos e acordados. Os passos adicionais devem incluir: considerar como crime o não-recolhimento de impostos, e como ilegais países que sejam paraísos fiscais e não observem a ação da International Financial Action Task Force (www.fatf-safi.org ); repelir as regras do Acordo da Basiléia 2, que permitiram que os bancos avaliassem seus próprios riscos, o que ajudou em muito na atual crise; aumentar a adequabilidade de capitais e fundos de reserva e reduzir as margens em todas as transações.
O que o “elefante de 800 libras” ainda não entendeu é a necessidade de uma reforma monetária da reserva bancária fracionada, em si, o que permite aos bancos emitir dinheiro como dívida - simplesmente do nada. Restaurar o direito das nações democráticas de cunharem suas próprias moedas, diretamente, como estabelecido pela Constituição norte-americana, é agora essencial, particularmente nos EUA, onde as dívidas estão atualmente esmagando todos os setores, e o Federal Reserve, junto com o Tesouro, agora imprimem dinheiro às vistas dos contribuintes. O American Monetary Institute apresentou um projeto de lei no Congresso para alcançar uma mudança gradual, necessária para o nosso sistema bancário (www.monetary.org)
Mais fundamentalmente, as falhas nos sistemas monetários globais têm fundamentos na expansão do conhecimento humano e da capacidade de inovar, na medida em que nos movemos da Era Industrial baseada em combustíveis fósseis para a Era Solar, com tecnologias mais limpas e informações abundantes. Assim como o padrão-ouro foi incapaz de oferecer a “largura de banda” necessária para todo o crescimento, inovação, comunicação e transações exigidas pela Era Industrial, hoje os circuitos monetários não conseguem propiciar “largura de banda” suficiente para as comunicações e o comércio em constante crescimento na economia da informação.
As tecnologias de ruptura rapidamente deslocam tudo o que é insustentável, como as tecnologias poluentes da Era Industrial, que já esgotaram os circuitos financeiros existentes e estreitaram os regimes bancários centrais. O dinheiro é apenas uma das formas de informação, e hoje as plataformas de informação comercial puras estão oferecendo a largura de banda extra necessária para as transações, e.g. e-Bay, Craigslist, Freecycle e milhares de outros sistemas de comércio eletrônico similares, telefones celulares e papel-moeda local usado para atender necessidades e desafogar mercados sedentos de crédito.
O foco limitado de Wall Street, concentrado apenas no dinheiro, resultou em seu fim. O dinheiro foi equiparado à Riqueza, ignorando toda e qualquer outra forma de riqueza, das habilidades humanas à produtividade dos sistemas naturais, na qual se baseiam todas as economias. O dinheiro, como o ouro, permanecerá como reserva útil de valor e meio de troca, mas agora como parte de uma nova visão, um regime mais inclusivo, dominado por mercados puramente baseados em informação.
* Hazel Henderson é economista, líder mundial da plataforma Mercado Ético. Autora de vários livros, entre eles Ethical Markets: Growing the Green Economy. Co-criadora do Calvert-Henderson Quality of Life Indicators, juntamente com o Calvert Group. Participou do Comitê Organizador da conferência Beyond GDP no Parlamento Europeu (www.beyond-gdp.eu).
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