Regina Migliori
Algumas pesquisas recentes têm revelado que no Brasil, oito em cada dez brasileiros preferem comprar produtos de empresas ambientalmente responsáveis. Fico feliz com estes resultados. Sabemos que uma pesquisa é uma viagem de descoberta por todos os mundos que constituem o que chamamos de realidade. Então pergunto: onde estão estes brasileiros? Não duvido que eles existam. Também não questiono a idoneidade dos resultados da pesquisa, mas talvez eu ande freqüentando uma outra dimensão de realidade, onde estes brasileiros não freqüentam com tanta assiduidade.
Alguns resultados apontam que:
• 90% dos consumidores tendem a comprar produtos ecologicamente corretos nos próximos 12 meses;• 38% estão dispostos a pagar mais por esses produtos;• Os consumidores estão extremamente engajados com os temas das mudanças climáticas;• No total, 91% dos brasileiros preferem comprar as empresas que tentam reduzir a emissão de poluentes;• Em pesquisa realizada nos Estados Unidos, Inglaterra, Alemanha, Brasil, Espanha, França, China, Índia e México, o Brasil é o país com maior disposição para mudanças e o mais preocupado com o problema.
Não é de hoje que estas preocupações estão na pauta dos brasileiros: na escola, na publicidade, no discurso das empresas, na vigilância das ONGs e da mídia, nas campanhas políticas, na orientação das famílias, nas ações genuínas de muita gente. Mas penso que resultados tão positivos como estes deveriam ter um reflexo mais efetivo na realidade.
Fala-se tanto sobre tudo isso, que sustentabilidade está entrando para a nossa lista de comodities: é banco do planeta, bem-estar-bem, um montão de não sei quê da sua vida, metas do milênio em execução, todo mundo se voltou para estas preocupações. Dou graças a Deus! E espero que todos, ao fazerem essas afirmações, conheçam de fato a dimensão das suas responsabilidades e compromissos.
Sou bastante otimista. Mas penso que devemos tomar cuidado com o que todo mundo está entendendo por sustentabilidade. Mais cuidado ainda com este tom de já ganhou, de “tá dominado”, esta sensação de tarefa compreendida e resultado planejado.
Se errarmos a mão, o que está em jogo não é só um projeto bem intencionado, um conjunto de recursos mal aplicado, ou uma diretriz mal compreendida. Desta vez, se não der certo o que está em jogo é a possibilidade de permanecermos por aqui, neste belo planeta. Ou no mínimo, deixarmos como herança uma imensa encrenca ambiental, política, social, econômica, cultural e pessoal, só para citar algumas das dimensões dos nossos desafios.
Por essas e outras é que decidi enumerar algumas recomendações para ser sustentável, fruto de tudo o que tenho acompanhado nos últimos anos em diferentes ambientes. Tenho aprendido com o esforço de muita gente. Vi que algumas coisas de fato funcionam, são benéficas. Outras ficam na intenção. Todas são relevantes para compor um novo cenário, que ainda nos é desconhecido:
1) Amplie sua perspectiva para valores universais:a. Sustentabilidade não é sinônimo de preservação ambiental, é o nome novo para a antiga noção de bem comum - como o nome diz, trata-se de uma visão que inclui eu, você e os outros em algo benéfico e comum a todos.
b. Faça o que acha bom pra você, mas sem perder de vista que isso também promove o bem comum. Cada um decide como quer conduzir sua vida, sabendo que todos recebem os impactos - esta é uma boa noção de responsabilidade compartilhada pelo bem comum.
c. Ninguém no planeta, nem o Obama, recebeu a incumbência de ser superior, privilegiado, ou responsável por todos os demais, portanto, se ainda não fez nada de relevante, comece agora e não espere que façam por você.
d. Se a vida humana desaparecer, o fenômeno da vida não desaparece do planeta, que seguirá seu rumo universal sem nossa presença.
2) Pense em suas atitudes pessoais, não é preciso sair catequizando todo mundo: fatos e atos falam por si.a. Se cada um cuidar de si já será muito bom.
b. Cuidado com os “politicamente corretos” - os desafios atuais são grandes demais para alguém achar que conhece as soluções e sair julgando todo mundo.
c. Não fique preso a uma pequena lista de atitudes: além de desligar o computador e apagar a luz quando sai da sala, eliminar copos e sacolas plásticas, tomar banho rápido, e fechar a torneira ao escovar os dentes, pense no que mais você está fazendo de benéfico e transformador para a sua vida e a dos outros.
d. Elimine do vocabulário a expressão “fiz a minha parte” - se há uma parte que é sua, então também há uma outra parte que não é com você - foi com este pensamento fragmentado que nos metemos nesta encrenca global.
e. O momento atual exige transformação - “trans” significa “ir além”, portanto transformar significa ir além da forma de ação atual. Mas esta não é a única possibilidade disponível: pode-se deixar como está; pode-se ficar quieto e esperar que alguém promova a transformação para depois seguir; pode-se também duvidar da possibilidade de mudar, etc. Cada um é livre para fazer suas escolhas e arcar com as respectivas responsabilidades.
3) Recupere a natureza benéfica do seu trabalho, empresa, serviço:a. Qualquer atuação profissional precisa produzir impactos positivos na construção de um mundo melhor hoje e no futuro.
b. Cuidado com as desculpas do tipo “as coisas sempre foram assim” ou “do jeito que está não dá para fazer nada”: o desafio é acionar todas as inteligências e competências para sair do lugar comum, realizar o que o mundo espera que seja feito para mudar o que não está dando certo.
c. Qualquer que seja a sua atividade, ela provoca resultados e repercussões tangíveis e intangíveis - você é responsável por todos estes impactos, sejam próximos, distantes, previstos, imprevistos, visíveis ou invisíveis.
d. Preste atenção para não exigir dos outros o que você não está fazendo. O esforço é geral: na teoria e na prática.
e. Nenhum índice, prêmio ou certificação dá conta de tudo o que é preciso fazer. Entenda como um estímulo ou incentivo, mas nunca como reconhecimento de missão cumprida em relação à mudança necessária.
4) Reduza e qualifique suas necessidades e seu consumo:a. Faça uma revisão nas suas necessidades e consuma o que de fato é necessário para sobreviver e ser feliz - ninguém poderá ditar regras sobre isso, só você pode redimensionar a sua vida.
b. Prefira consumir produtos e serviços de empresas que adotam a sustentabilidade na execução de sua atividade - cuidado com aquelas que são sustentáveis demais na sua publicidade, em eventos, ou em alguns poucos projetos culturais, sociais, ambientais, fazendo grande alarde com isso. Pode sobrar conveniência e faltar comvicção.
c. Não se importe com alguns desconfortos que as mudanças poderão causar, pois implantar algo novo sempre requer algum esforço: muitas vezes a pessoa terá que fazer a opção pelo preço, nem sempre o mais barato; terá que se deslocar para lugares mais distantes para encontrar o produto que deseja; ou mudar hábitos que pareciam óbvios e inofensivos. Mas sempre há o lado bom da vida.
5) Dê uma ressignificada no seu lixo, em tudo que você despeja no mundo e nos impactos que você provoca:a. Entenda que lixo pode ser desde restos de comida e todos os demais resíduos materiais, até tempo, dinheiro, conversa, idéias, sentimentos, relações, etc.
b. O desperdício é uma forma de imensa violência, pois faz você perder tempo e recursos, dois bens preciosos na manutenção da vida.
c. Qualquer lixo descartado de forma irregular causa impactos negativos, desde mau-cheiro, enchente, poluição, contaminação, até a morte desequilibrada de quem não tem nada a ver com a sua atuação no mundo, seja humano, animal ou vegetal.
6) Aprenda mais e ensine menos.a. Cuidado para não ficar maquiando velhos modelos - todo mundo reconhece, e não muda nada.
b. Identifique o que você não sabe e tente aprender. Se ninguém souber, trate de inventar. As soluções não estão prontas.
c. Não adianta nada dizer que ensinou, se ninguém disser que aprendeu.
d. Não permita que as crianças sejam contaminadas por um conhecimento estático e imutável - essa postura inibe a criação de um futuro melhor.
e. Há três esferas de desafios da sustentabilidade que esperam por soluções: Ambiental - como preservar a natureza? Econômico - como superar as desigualdades? Social - como produzir uma cultura de paz?
Talvez devêssemos rever as perguntas que estamos fazendo. Será que estamos identificando as reais necessidades, realizações, índices e desafios da sustentabilidade?
Regina Migliori é educadora, advogada, escritora, pioneira no Brasil em projetos de Educação e Gestão centrados em Valores, Ética e Sustentabilidade. Como Diretora Presidente do Instituto Migliori, tem realizado projetos junto a governos, empresas, e instituições de educação. Coordenou o MBA em Gestão com foco em Ética, Valores e Sustentabilidade na Fundação Getúlio Vargas. Estão entre seus clientes: Governo do Estado de Minas Gerais, UNESCO; Polícia Militar do Estado de São Paulo; Banco Real, Grupo Votorantim, Natura, entre outros; é autora de livros, CD-Rom, e programas de e-learning.
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