Christian Chavagneux - Alternatives Economiques
Um fundo de investimento soberano para defender a indústria francesa: eis um dos projetos-base apresentado pelo presidente da França, Nicolas Sarkozy, que ganhou corpo com o anúncio, no dia 20 de novembro, da formação de um “fundo de investimento nacional”. É o exemplo mais recente de uma tendência mundial: cada vez mais Estados investem na finança internacional.
A França não é a única a dotar-se de um fundo soberano: os 20 bilhões de euros do novo “fundo de investimento nacional” podem ser comparados aos 300 bilhões de dólares do fundo criado pelo Estado chinês em 2007. Os sovereign wealth funds, assim designados pelo jargão internacional, ou, à letra, os “fundos de riqueza soberana”, ou seja: as sociedades de investimento controladas pelos Estados multiplicam-se. Estão impondo-se como novos e potentes atores da finança internacional. Apenas com o seu novo fundo, a China poderia comprar sem problemas a Microsoft ou a EDF, ou a Société Génerale, o BNP Paribas, o Crédit Agricole e a AXA juntos!
A perspectiva de ver as suas grandes empresas, em parte, sob o controle indireto do Estado chinês ou russo torna os governos dos grandes países industriais muito menos propensos a comemorar as virtudes da liberalização financeira. Foi assim que a Alemanha anunciou, no fim do mês de agosto, uma futura lei que lhe permite controlar de perto os investidores estrangeiros. Esta lei chega mesmo a prever a organização de um contra-fundo soberano com os bancos alemães, destinado a fazer contra-propostas de compra de ações em caso de OPA (1) efetuada por fundos de Estados estrangeiros!
Fundos soberanos, de onde vêm?
A pequena história quis que um dos primeiros fundos soberanos tenha nascido em 1956 nas ilhas Kiribati, a sul do Havai, depois da decisão do administrador colonial britânico de então de instaurar uma taxa sobre as exportações de adubo para o país. O objetivo era poupar uma parte das receitas tiradas deste recurso não renovável para gerar rendimentos de substituição para o país quando aquele se esgotasse. O fundo, alimentado pelas receitas da taxa, gera agora 520 milhões de dólares, cerca de nove vezes o Produto Interno Bruto (PIB) local.
Desde aí, outros Estados, bem mais ricos, adotaram a mesma estratégia. A começar pelos países produtores de petróleo, que já preparam o momento em que as suas reservas de ouro negro se esgotarem. O fundo soberano mais poderoso é, assim, a Abu Dhabi Investment Authority (ADIA), que gera os 875 bilhões de dólares de investimentos financeiros dos Emirados Árabes Unidos. O maná do petróleo permitiu igualmente à Arábia Saudita, ao Kuwait, à Venezuela e à Rússia tornarem-se grandes investidores financeiros. E vê-se aparecer o Cazaquistão, o Azerbeijão, a Nigéria e Angola. A Noruega, por sua vez, desenvolveu um fundo a partir de 1990, investindo uma parte das suas receitas do petróleo; doravante esse fundo está dotado com mais de 300 bilhões de dólares.
A subida dos países asiáticos emergentes constituiu uma outra fonte de desenvolvimento destes agentes financeiros públicos. Singapura, onde dois grandes fundos que datam dos anos 70 e 80 geram perto de 45 bilhões de dólares, e a China, com os seus 300 bilhões anunciados, surgem, por grande margem, à cabeça, bem distantes dos 20 bilhões da Korea Investment Corporation, nascida em 2005.
Por fim, alguns países do Norte [sic], desejosos de nivelar os fundos dos seus regimes de reforma, criaram estruturas de investimento a longo prazo: é o caso do Future Fund, na Austrália (40 bilhões de dólares) e do Fundo de reserva para as reformas, na França (45 bilhões). No total, segundo as estimativas disponíveis, o conjunto dos fundos soberanos dispõe, hoje, de mais de 2,5 trilhões de dólares para investir nos mercados financeiros mundiais.
Quanto pesam?
O que representam estes 2,5 trilhões de dólares na finança mundial? Em comparação com o conjunto dos ativos financeiros mundiais (2), que ultrapassam os 100 trilhões de dólares, é uma gota no oceano. Comparados apenas com os mercados bolsistas, os montantes investidos representariam hoje cerca de 4% da capitalização bolsista mundial. Portanto, ainda são atores de dimensão bastante pequena quando comparados aos investidores como fundos de pensão, fundos de investimento tradicionais e companhias de seguros.
Contudo, já pesam mais que os cerca de 1,5 ou 2 trilhões de dólares gerados pelos fundos especulativos. Ora, estes mostraram que, apesar da sua dimensão relativamente limitada, podiam suscitar movimentos desestabilizadores do crescimento. Daí vem o receio de ver alguns fundos soberanos a adotar os mesmos comportamentos e a provocar ou manter movimentos de pânico financeiro, como alguns países experimentaram durante a última década. E se passarmos da escala nacional para a escala das multinacionais, o seu potencial de influência revela-se, naturalmente, ainda maior.
Porque é que assustam?
Os primeiros fundos já apareceram há meio século. Cerca de 60% dos seus capitais são investidos nos ativos sem risco (títulos do tesouro de grandes países industrializados) e 40% nos mercados mais arriscados, como as Bolsas ou os produtos financeiros mais especulativos. A sua presença no capital das grandes empresas e nos diferentes mercados não é, portanto, uma novidade. Porque é que parecem assustar mais hoje do que ontem, ao ponto de suscitar reações como a da Alemanha?
Principalmente, porque o seu peso financeiro deveria aumentar de forma considerável: 12 trilhões de dólares daqui até 2015, estima a Morgan Stanley, será mais do dobro das reservas atuais de divisas mundiais! Do lado dos produtores de petróleo, o preço do ouro negro deveria manter-se por muito tempo a um preço elevado e alimentar com moeda estrangeira as monarquias petrolíferas do Golfo e a Rússia. Do lado dos países asiáticos, as reservas crescem devido aos excedentes externos e às políticas de intervenção levadas a cabo por estes países nos mercados cambiais: para evitar a valorização das suas moedas face ao dólar americano; para defender a sua competitividade, os países asiáticos, a começar pela China, obrigam os seus bancos centrais a comprar dólares com o objetivo de sustentar a moeda americana.
Fundos soberanos, uma arma diplomática?
Podemos imaginar que os Estados de que os fundos soberanos dependem se sintam tentados a utilizar o seu novo papel financeiro como arma de política externa ou para transmitir aos seus jovens sistemas financeiros as capacidades de inovação dos nossos. Mas tudo isso fica, por enquanto, no domínio da especulação. Estes investidores também estão interessados em fazer prevalecer os critérios de boa gestão econômica nas empresas em que investiram muito dinheiro. Isto não significa que estes fundos se privem de qualquer ação política, mas fazem-no de forma mais sutil. Assim, é difícil acreditar que a escolha do fundo de Singapura GIC de investir 10 bilhões de dólares no banco suíço UBS se deva completamente ao acaso. Com cerca de 15% da quota de mercado, o UBS é o líder mundial na gestão de fortunas privadas. É precisamente uma área na qual o centro financeiro de Singapura faz imensos esforços para se impor, especialmente atraindo os investidores europeus. Aí está, portanto, um investimento que poderia servir…
De um modo geral, estas reservas de câmbio são aplicadas em produtos financeiros sem riscos e rapidamente mobilizáveis, como os títulos do Tesouro americano, pois devem servir como linha de defesa contra uma possível fuga de capitais, como se passou em vários países aquando da crise de 1997-1998. Mas o nível atual das reservas ultrapassa largamente o necessário para se proteger em caso de crise: enquanto que as normas internacionais consideram que reservas equivalentes a um quarto das importações anuais sejam suficientes, as reservas da Coréia do Sul cobrem perto de 90% e são superiores a um ano das importações da China! A possibilidade de mobilizar rapidamente o conjunto das reservas torna-se, portanto, menos determinante para estes países, enquanto que o critério da rentabilidade dos investimentos realizados se torna mais importante. Daí a vontade expressa, nestes últimos meses, por vários fundos soberanos, de consagrar mais recursos aos investimentos na Bolsa e aos produtos financeiros sofisticados, mais arriscados mas mais rentáveis.
Portanto, cada vez mais é preciso esperar para saber notícias como as dos últimos meses, que mostraram o Estado chinês investindo 3 bilhões de dólares no fundo de investimento americano Blackstone, ou o fundo de Singapura Temasek querer comprar 10% do capital do Barclays, ou ainda um fundo do Qatar colocar em cima da mesa mais de 20 bilhões de dólares para se apoderar da cadeia de hipermercados britânicos Sainsbury.
O regresso do proteccionismo financeiro?
Enquanto os bancos centrais dos países emergentes e petrolíferos se contentaram com posições de chefe de família de rendimento diminuto, com alguns investimentos dispersos e discretos na bolsa, o seu papel de financiadores era aceita. Agora que eles reivindicam publicamente a possibilidade de se tornarem proprietários de ações de grandes sociedades globalizadas com rendimentos interessantes na bolsa, o tom mudou.
Porque os governos do hemisfério Norte, para além do risco de verem passar os seus bens mais preciosos para mãos estrangeiras, suspeitam que certos países (a China, a Rússia) não são exclusivamente motivados por razões financeiras. Com efeito, podemos imaginar que alguns países rivais do plano estratégico tentam deitar a mão às empresas que produzem tecnologia avançada, como pudemos adivinhar em relação a alguns fundos americanos… Outro cenário: um fundo poderá servir para comprar uma empresa automóvel que terá como fornecedoras exclusivas as maiores empresas do país de onde o fundo é originário. Isto para já não falar da compra de empresas estratégicas, como as que produzem energia nuclear, armamento…
Utilizando as ferramentas disponíveis a qualquer investidor (offshores, produtos financeiros sofisticados…) para dissimular as partes mais importantes das suas aquisições, os fundos soberanos - à exceção do fundo norueguês apresentado como um modelo atípico - vêem-se acusados de opacidade e são objeto de uma exigência de transparência nas suas compras e nas motivações das suas escolhas. Assim, o governo americano pediu ao Fundo Monetário Internacional (FMI) para trabalhar na definição de um código de boas práticas para estes fundos. Mesmo os think tanks americanos mais favoráveis à livre circulação de capitais, como o Petersen Institute for International Economics, reclamam uma longa lista de restrições que devem ser impostas. Estranhamente, nunca ninguém se tinha lembrado de exigir a mesma coisa quando o FMI e o Banco Mundial impunham aos países emergentes que abrissem aos investidores estrangeiros setores tão estratégicos como a distribuição de electricidade, água, transportes, etc.
Patriotismo econômico no hemisfério Norte contra fundos do estado no hemisfério Sul, o risco de confronto político está bem patente. O governo russo qualificou o projeto europeu de proteção do setor energético como uma reação “quase histérica”. A China já anunciou, no fim de agosto, uma nova lei sobre a concorrência cujo artigo 29 prevê uma investigação de “segurança nacional” antes de qualquer aquisição por estrangeiros de uma empresa chinesa. O cenário de propagação de um movimento de protecionismo financeiro não é de excluir.
Como escrevia, em julho passado, Lawrence Summers, antigo vice-ministro das Finanças da administração Clinton, o crescimento dos fundos soberanos coloca uma questão “profunda que mexe com a natureza do capitalismo global”. O crescimento destes fundos alimenta, com efeito, interrogações que se colocam cada vez mais, incluindo as feitas ao FMI ou ao Banco Mundial, quanto às virtudes de uma liberalização financeira levada cada vez mais longe, e das suas consequências na soberania dos Estados.
Versão atualizada do artigo “Quand les Etats investissent la finance”, (Alternatives Economiques n°262, Outubro de 2007).
Tradução de Rui Maio (Esquerda.Net)
(1) Oferta pública de aquisição: proposta efetuada por um investidor para comprar uma parte ou a totalidade das ações de uma empresa, com o objetivo de tomar o controle da mesma.
(2) Conjunto dos ativos financeiros mundiais: total da capitalização bolsista mundial e do stock das obrigações emitidas pelas empresas e pelos Estados.
(Carta Maior)
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