sexta-feira, 9 de janeiro de 2009

Todas as crises de 2008 afetam os países pobres

Louis Michel*

O ano de 2008 foi de crises mundiais. Todas inter-relacionadas e representando uma forte ameaça para a estabilidade internacional. A crise dos combustíveis do início do ano fez com que os preços do petróleo subissem vertiginosamente. A crise alimentar, provocada por uma combinação de problemas climáticos (fundamentalmente secas) e pela inflação dos preços locais dos alimentos, levou milhões de pessoas à pobreza e à fome. E, mais recentemente, a crise financeira atingiu as economias globais, forçando os governos dos países desenvolvidos a destinarem mais de dois trilhões de euros aos seus bancos para estabilizar o sistema financeiro internacional.

De forma bastante estranha, esses mesmos países agora têm dificuldades para cumprir seus compromissos como doadores e para reunir os cem bilhões de euros estabelecidos para a assistência anual ao desenvolvimento. Vejamos as cifras envolvidas: os Estados Unidos mobilizaram cerca de US$ 1 trilhão em fundos de garantias para resgate financeiro e o pacote do Reino Unido é de, pelo menos, 400 bilhões de libras. Em comparação, estima-se que poderíamos erradicar a pobreza mundial em dois anos com 700 bilhões de euros em ajuda ao desenvolvimento.

Muitos dos países mais vulneráveis são fortemente dependentes da Assistência Oficial ao Desenvolvimento (AOD), mas as previsões indicam uma queda de mais de 30% devido à crise econômica. Em 2007, a AOD somou US$ 117,5 bilhões, metade proveniente dos países da União Européia (UE). Mas, apesar de sua liderança entre os doadores, no mesmo ano a UE experimentou uma ligeira queda na ajuda ao desenvolvimento. A crise financeira chegou quando os países em desenvolvimento já batalhavam desesperadamente para conter o encarecimento dos alimentos e dos combustíveis.

Os distúrbios motivados pela fome registrados no Haiti, na Costa do Marfim e em Camarões, no começo de 2008, são uma prova do fato de que a pobreza extrema catalisa a angústia e a violência. A distribuição dos recursos financeiros nunca antes foi tão desigual, com 10% da população mundial possuindo atualmente mais de 80% da riqueza, enquanto a metade mais pobre tem menos de 2%. Embora a crise econômica tenha começado nos países mais ricos, seus efeitos serão mais tangíveis no mundo em desenvolvimento. Além das reduções em investimentos na área de ajuda externa, a crise do crédito terá seus principais efeitos nas remessas de dinheiro pelos emigrantes.

Em países como Zimbábue e Somália, o dinheiro enviado por parentes que vivem no exterior é um salva-vidas para milhões de pessoas e frequentemente a única fonte de sustento. A recessão econômica deixa evidente que a atual arquitetura financeira é frágil e insatisfatória. Os chamados internacionais em favor de uma reforma do Fundo Monetário Internacional e do Banco Mundial - que chegam com atraso - devem ser implementados com particular precaução, de modo a se garantir o crescimento econômico sustentável e a prosperidade compartilhada.

As cotas de votação dentro do FMI refletem os desequilíbrios socioeconômicos existentes no mundo. Os países emergentes têm escassa influência dentro do Fundo. Por exemplo, Bélgica, Luxemburgo e Holanda possuem mais votos do que Brasil, China e Índia. Devido ao importante papel que o FMI tem no mundo em desenvolvimento, é inevitável uma redistribuição das cotas de votação.

A liberalização do comércio é outro fator vital para o crescimento econômico e para a sustentabilidade nos países em desenvolvimento, que, ao mesmo tempo, pode ter um impacto positivo na integração regional e na governabilidade. Por isso, é de extrema importância concluir as negociações em curso da Agenda de Desenvolvimento de Doha da Organização Mundial do Comércio, levando em consideração diferentes interesses e necessidades dos países em desenvolvimento.

Diante desse cenário, é preciso encontrar novas fontes para o financiamento da ajuda ao desenvolvimento. Um exemplo é a longamente discutida Taxa Tobin, um imposto sobre as transações monetárias. Este deveria ser o ponto de partida de um debate para obter os fundos adicionais destinados às necessidades internacionais urgentes derivadas das crises. A crise financeira foi uma sacudida para as economias mundiais, mas também pode ser a faísca de novas idéias para a política de desenvolvimento. Por mais danos que esta crise esteja causando, também proporciona uma oportunidade única para criar um sistema que reflita melhor as exigências das nações em desenvolvimento.

(*) Louis Michel é comissário para o Desenvolvimento e a Ajuda Humanitária da Comissão Européia.

(IPS/Envolverde)

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