Neuza Árbocz, da Envolverde especial para o Instituto Ethos*
O debate sobre a qualidade do ar nas grandes cidades brasileiras ganhou mais um elemento explosivo. Um estudo realizado pela Universidade de São Paulo (USP) aponta entre 5% e 10% das mortes consideradas por “causas naturais”, na Grande São Paulo, como resultado de danos causados à saúde por problemas relacionados à poluição atmosférica.
Esta informação é fruto de estudos realizados pelo Laboratório de Poluição Atmosférica Experimental da USP, e seu responsável, o médico Paulo Saldiva, alerta que, até 2040, teremos cerca de 25 mil mortes ligadas a essa causa. Ele acredita que tais mortes poderiam ser evitadas se a indústria tivesse cumprido a Resolução 315, de 2002, do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama).
A resolução estabelecia que, a partir de janeiro de 2009, o diesel com 500 ppm (partes por milhão) de enxofre nas regiões metropolitanas e o diesel com 2.000 ppm distribuído no restante do país fossem substituídos pelo diesel com 50 ppm. Embora apenas 10% da frota brasileira utilize esse combustível, ele é o mais prejudicial à saúde, pois provoca os mesmos danos que os cigarros: doenças cardiovasculares e respiratórias, câncer e riscos aos fetos.
A Resolução 315 é parte do Programa de Controle da Poluição do Ar por Veículos Automotores (Proconve), o qual pela primeira vez teve uma de suas fases descumpridas. O programa existe desde 1986 e, graças às etapas já realizadas, os carros no Brasil emitem hoje 98% menos monóxido de carbono do que nos anos 1980 e tirou o Brasil da lista de países que utilizam chumbo tetraetila, altamente tóxico, como aditivo na gasolina.
Razões da demora
“As modificações nos motores requerem de 36 a 54 meses de trabalho e testes. Como, após o acerto da 315, a Agência Nacional do Petróleo (ANP) solicitou que fossem retiradas de seu texto as especificações técnicas, porque sua definição não era atribuição do Conama, ficamos num compasso de espera”, explica Henry Joseph Jr., representante da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea), durante um encontro sobre essa questão na Faculdade de Economia e Administração (FEA), da USP, no dia 9 de dezembro.
“Falar apenas no teor de enxofre é simplificar demais. As melhorias no diesel envolvem muitos outros fatores e, sem as especificações corretas, corríamos o risco de investir milhões de dólares em novos equipamentos, instalações e treinamento de pessoal e perder tudo isso depois”, justifica Frederico Kremer, da Diretoria de Abastecimento da Petrobras, também presente no evento.
“A indústria já conhecia as especificações para o diesel mais limpo, pois este é usado na Europa. Ela podia ter agido baseada nisso, antecipando-se às definições da ANP”, indigna-se José Eduardo Ismael Lutti, promotor de Justiça e Meio Ambiente do Ministério Público de São Paulo, lembrando que ter responsabilidade socioambiental - e, portanto, zelar pela saúde pública - é obrigação de quem produz.
A ANP realmente apontou as especificações européias, por meio da Resolução ANP nº.35, mas só o fez em 2007 - cinco anos após a publicação da 315. Essa demora, contudo, não gerou alerta algum de que o prazo acertado para a redução do enxofre no diesel não seria cumprido. Nem produtores do combustível nem os fabricantes dos automóveis trouxeram ao conhecimento da opinião pública a questão, ainda em tempo hábil para revertê-la.
Complicamos demais?
“Há várias questões técnicas a ser ajustadas. Para a eficácia do diesel 50 ppm é preciso, por exemplo, misturá-lo à uréia, nos postos de abastecimento. O diesel sem uréia traz pouquíssima diferença. Isso ainda não foi acertado. Mesmo assim, estaremos fornecendo o diesel 50 ppm a partir de janeiro de 2009 aos ônibus de São Paulo e Rio de Janeiro”, completa Kremer.
Como compensação pelo atraso ocorrido, os fabricantes de automóveis e os produtores de diesel firmaram um Termo de Ajuste de Conduta (TAC) com o Ministério do Meio Ambiente, comprometendo-se a cumprir a etapa seguinte, ou seja, fornecer o diesel a 10 ppm para carros novos, a partir de 2012, além de custear programas de inspeção veicular - responsabilidade do governo que demora a sair do papel - realizar pesquisas sobre emissões de poluentes e montar um laboratório de testes de motores, entre outras medidas.
“Temos um consenso sobre a importância da redução dos impactos dos combustíveis. Por que persiste então o contraste de nossa situação com a dos países europeus, onde se caminha para diesel totalmente livre de enxofre? Será que complicamos demais?”, indagou o professor Ricardo Abramovay, da FEA, que prometeu continuar a série de diálogos entre todas as partes para acelerar as mudanças necessárias.
“A lei, neste caso, não é o melhor guia, e sim o conhecimento das conseqüências para a saúde pública. É nele que deve estar baseado qualquer planejamento e definição de um produto”, conclui o médico Paulo Saldiva, ressaltando que o preço de erros e falhas neste campo é pago com vidas.
*Edição: Benjamin S. Gonçalves
(Instituto Ethos)
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