sexta-feira, 9 de janeiro de 2009

Responsabilidade Social Corporativa. O que é isto?

O papel da empresa no mundo moderno tem evoluído ao longo do tempo, da simples ação de acumulação de resultados para a moderna visão corporativa, onde a empresa é vista como um agente integrado a realidade econômica social e política, um ser múltiplo com responsabilidade , direitos e obrigações, um verdadeiro pacto ou contrato é celebrado entre a empresa seus acionistas, gestores, administradores, funcionários, fornecedores, clientes, consumidores e o publico em geral. O lucro é uma obrigação da gestão eficiente, sua maximização é imperativa, contudo, restrições são impostas , tais como: defesa do meio ambiente, prestação de contas e transparência dos atos, responsabilidade com os desequilíbrios microeconômicos e, acima de tudo, defesa de valores e posturas eticas e padrões de comportamento e competição .

Ninguém discorda que a Responsabilidade Social Corporativa (RSC) é, ao mesmo tempo, um pré-requisito e um produto do desenvolvimento sustentável. Se fizéssemos um questionário com duas opções, “sim” e “não”, não haveria dúvidas sobre o resultado da pesquisa. Mas, quando se trata de conceituar a RSC, encontramos numerosas variação sobre o tema. Até mesmo a natureza da atividade de uma empresa pode influenciar a conceituação de sua responsabilidade perante a sociedade. Portanto, o conceito de cada uma será o retrato de sua personalidade empresarial.

Em um conceito amplo, seria assim expresso: “É a conduta ética da empresa direcionada para a sociedade.” Em particular, seria resumido desta forma: “Agir responsavelmente no relacionamento com os grupos de interesse legitimamente relacionados com o negócio e não apenas com os acionistas.”

Quando levamos a questão a vários empresários, não esperávamos obter a unanimidade, sempre duvidosa. Mas, claro, é necessário um consenso, uma definição que concilie as diferentes opiniões.

Definições à parte, há muitas e variadas maneiras de interpretarmos a RSC fora dos parâmetros econômicos e sociológicos. A ecologia, por exemplo, nos ensina que é muito difícil a sobrevivência dos organismos em ambientes cujo equilíbrio foi rompido. E as empresas são organismos, mais ou menos simples, conforme seu porte e ramo de atividade. Mas, da mesma forma que os organismos vivos, desde os mais simples aos mais complexos, apresentam identidades. A RSC é uma forma de o organismo-empresa buscar a recuperação do equilíbrio perdido no ambiente sociedade. A interdependência dos muitos constituintes do sistema, todos eles complexos, torna árdua essa tarefa de reconduzir o ambiente ao ponto mínimo de equilíbrio.

Observa-se que a busca do lucro pelas empresas, numa visão contemporânea, está condicionada a padrões éticos de comportamento, no que diz respeito aos seus mais diferentes públicos. Entretanto, este papel, apesar de essencial, ainda é insuficiente. São inúmeros os exemplos da participação das empresas em atividades de interesse social, em vários países do mundo. No Brasil, em particular, que acumulou tantos desequilíbrios sociais nas últimas décadas, a sociedade tem se organizado para vencer o desafio do desenvolvimento. As empresas, como agentes relevantes e integrados a esta sociedade, têm sido peça fundamental deste esforço, como pode ser constatado através dos balanços sociais, que já se tornaram usuais no país. É, portanto, por meio do esforço de competitividade e pelas ações sociais realizadas ou financiadas diretamente pela fundações mantidas pelas empresas que o setor privado tem contribuído para a construção de uma sociedade mais igualitária.

Temos nas assertivas acima, dois pontos em comum: o reconhecimento de que a sociedade mudou, está evoluindo, e o uso da palavra “competividade.” “Competição” é uma palavra fácil nos textos de ecologia. Quando duas espécies competem, uma pode sobrepor-se a outra, simplesmente, ou uma delas buscará um nicho desocupado, ou, pelo menos, no qual a competitividade seja menor. Pode ser até que uma das espécies venha a se extingüir, mas o resultado terá sido evolução. E, se o ambiente muda, as espécies precisam também mudar rapidamente.

Sendo asssim a RSC é um conjunto de atitudes e ações, por parte de empresas e corporações governadas de acordo com os princípios do desenvolvimento sustentável, que guarda compromissos com o crescimento pleno de Homem, única garantia para um meio ambiente harmonizado, em todas as dimensões, com as necessidades de crescimento econômico e de geração de riqueza nova.

As empresas modernas adotam uma nova filosofia de trabalho. Já não é somente o lucro que norteia suas atividades, mas surge uma preocupação maior com a qualidade de vida da sociedade e de seus empregados. As estratégias de negócios são mais abrangentes e compatíveis com o uso sustentável dos recursos naturais. O desenvolvimento social, para essas empresas, não é problema apenas do Governo, mas de toda a sociedade. A RSC torna-se um diferencial para a empresa, pré-condição para ocupar seu lugar frente à concorrência.

A empresa que se esquiva de sua responsabilidade social não respeita o ser humano, nem a sociedade, e muito menos a sua marca corporativa. A busca da excelência empresarial envolve também o aprimoramento contínuo das relações com a comunidade, agregando valores sociais à imagem corporativa da organização nos mesmo níveis de qualidade e eficiência dedicados à produção e ao desempenho econômico. A marca corporativa é um valor sagrado, que reflete seus princípios internos (missão, valores e objetivos) e identifica todas as suas ações, tanto as de natureza econômico-financeira, quanto às de incentivo ao desenvolvimento humano e social da comunidade, bem como as políticas e práticas internas em relação à preservação do meio ambiente, à segurança e à qualidade de vida de seus colaboradores. Hoje, portanto, é inconcebível que uma entidade integre uma comunidade e não esteja alinhada com os valores e as expectativas de seus colaboradores, seus acionistas e a sociedade onde está inserida.

Diga-se logo que não há nada de errado no fato de uma empresa usar suas ações de RSC como diferencial de marketing. Na natureza, predadores e presas contribuem uns para a evolução dos outros. Por exemplo: o guepardo caça, preferencialmente, gazelas-de-thompson. Só consegue alcançar, é claro, as mais lentas. Estas são devoradas e as que se reproduzem e retransmitem seus genes são as mais velozes. Se um guepardo não conseguir caçar as gazelas que se tornaram mais velozes, morrerá de fome. Apenas os mais ligeiros passarão seus genes para outras gerações. Nesse processo, chamado co-evolutivo, predadores e presas aperfeiçoaram-se. Logo, a concorrência, dentro dos limites da ética, é boa para todos os competidores.

Uma mudança nitidamente visível no novo ambiente é a certeza de que o Estado, sozinho, não poderá realizar todas as mudanças necessárias para criar uma sociedade razoavelmente justa, que assegure ao cidadão um mínimo de dignidade

A RSC está intrinsecamente relacionada com o compromisso da empresa de que suas ações se traduzam em benefícios econômicos, sociais e ambientais para as comunidades onde atuam, além da maximização da sua performance e do fornecimento de produtos e serviços de qualidade aos seus consumidores. As desigualdades e questões ambientais do mundo atual, e a constatação de que o Estado, sòzinho, não será capaz de resolver as questões decorrentes trazem um novo desafio às organizações, que têm um novo papel no estabelecimento de novas relações entre consumidores, ONGs, governos e comunidades. A RSC requer que a empresa tenha conhecimento do ambiente político-social onde atua, bem como uma participação ativa no esforço de contribuir para um mundo melhor.

É bom, aliás, especialmente no caso brasileiro, que os próprios empresários se preocupem com o papel a ser efetivamente desempenhado pelo Estado. Durante muito tempo, a economia dependeu das verbas oficiais, fato que levou a uma situação de risco, que, segundo as leis naturais, se denomina “superespecialização”. Isto ocorre, por exemplo, quando uma determinada espécie tem sua sobrevivência dependente de um único tipo de alimento. É o caso do panda-gigante, que come apenas bambu e vive em regiões da China que estão sendo desmatadas. O bambu é um alimento muito pouco nutritivo e o panda precisa de enormes quantidades por dia para se manter. Quando acabar o bambu, adeus simpático urso mascarado.

Há muito a empresa deixou de ser apenas uma unidade de produção e comercialização de produtos, com vistas ao lucro, que ia direto para os cofres do patrão, para se transformar em uma comunidade de trabalho, voltada para a satisfação da sociedade onde atua, visando ao lucro legítimo, sem perder de vista a sua função social, de retribuição ao trabalho e ao capital, e, também, geradora de novas riquezas. Indutora do desenvolvimento econômico e social do país.

A RSC compreende o total cumprimento das leis nacionais e das leis de comércio internacionais, a competição justa, o manuseio seguro de produtos, a preocupação de todos com a segurança ocupacional e com a segurança das fábricas, a proteção ambiental, o uso responsável e o respeito às fronteiras éticas da engenharia genética, a pesquisa para a defesa dos direitos dos consumidores , respeitando-se os direitos dos outros, o compromisso de evitar conflitos de interesses, o comportamento social de justiça e respeito, a cooperação com as autoridades e o comprometimento e a disciplina de cada colaborador na obediência a essas diretrizes.

Talvez a mais importante lição a tirar da conceituação teórica acima exposta é que as empresa devem entender que o sucesso das companhias depende de sua adaptação ao ambiente. Este mudou, e as empresas também estão mudando. Os horizonte se alargaram e agora é preciso olhar bem além dos limites da produção e do consumo. É preciso entender um sistema em que todos os personagens se comportam como seres vivos, em perpétua mutação. Alguns evoluem, outros extinguem-se. Os que evoluem são os mais adaptados. No caso, os que se preparam antecipadamente para tudo que o futuro possa trazer. E, em nossos dias de globalização e incertezas crescentes, onde a crise internacional demandar mudanças dramáticas no ambiente sócio- econômico, os elementos ambientais deveram ter preocupações dominantes .

* Renê Garcia é economista, professor da FGV, ex-diretor da Comissão de Valores Mobiliários e Titular da Superintendência de Seguros Privados (Susep). Também integra o grupo fixo de colunistas exclusivos de Plurale.

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